
Bastam os primeiros acordes da canção para a memória afetiva dos trintões entrar em ação: “Bum Bum Bum, Castelo Rá-Tim-Bum” evoca um dos mais originais programas infantis da história da TV brasileira, sucesso ainda hoje. “Qualquer pessoa principalmente dessa idade tem um carinho emocional por esse trabalho”, observa Léo Rommano, diretor de Castelo Rá-Tim-Bum – O Musical, que estreia no sábado, 9, no Teatro Opus, no Shopping Villa-Lobos. Em cena, personagens icônicos como Nino, o jovem feiticeiro de 300 anos, seu tio Victor, cuja idade já passou dos 3 mil, e sua tia-avó Morgana, de 6 mil anos, vão tranquilizar os fãs mais afoitos, mas não se trata de mais um episódio da série de TV.
“O espetáculo tem uma estrutura fechada, ou seja, uma história com começo e fim”, comenta Ricardo Marques, produtor do musical e presidente da 4Act Entretenimento, a produtora responsável pela peça. “Nosso desafio foi contar uma trama que também fosse interessante para quem não assistiu à série, especialmente os mais jovens.” E quem abraçou a causa foi Juliano Marceano, autor de um texto original.
Assim, a peça começa com Nino revelando tristeza no dia de seu aniversário – apesar de viver em um castelo cheio de criaturas fantásticas, o feiticeiro gostaria de ter amigos, ir à escola e brincar na rua, como as outras crianças. A tristeza é interrompida com a repentina chegada de Pedro, Biba e Zequinha, três guris “normais”, sem o dom da magia, que vão alegrar Nino. Tudo parece caminhar bem até que o Dr. Abobrinha vai obrigar Nino a provar seu valor como feiticeiro.
“O espetáculo tem dois atos bem distintos”, conta Marceano. “O primeiro é mais alegre e serve para apresentar os personagens. Já o segundo é mais sério, um tanto soturno, marcado por um clima que não se via nos episódios da TV. E, ponto principal, o espetáculo celebra a diversidade.”
O musical, de fato, transita tanto em terrenos novos e como também em já conhecidos, buscando o equilíbrio ideal, aquele em que o espectador é surpreendido por personagens que já conhece bem. Ou, como diz Rommano, enfrentar o desafio de desconstruir figuras clássicas. O projeto começou em 2013, quando o texto e as canções originais compostas por Paulo Ocanha recebiam a supervisão de profissionais da TV Cultura, detentora dos direitos da série.
“Todos os detalhes, especialmente as palavras, foram avaliados por eles, que nos passaram conselhos preciosos”, lembra Ocanha.
Em suas canções, ele conseguiu manter o tom didático que caracteriza a série, como mostrar animadamente as vantagens de se lavarem as mãos, entre outros exemplos. “Ao mesmo tempo, as músicas trazem uma brasilidade na sonoridade, que me inspirou muito”, revela o coreógrafo Thiago Jansen, autor de animados números de dança, cuja euforia envolve todos os personagens.
Por falar no elenco, a seleção buscou atores também familiares e originais. Roberto Rocha vive Nino como deveria ser: “Com a essência do jovem feiticeiro apresentado na televisão, ou seja, achando normal uma cobra falar e se surpreender diante de um menino sem magia”. Sua interpretação cai como uma luva no espetáculo, esbanjando a ingenuidade que marca as atitudes do aprendiz de feiticeiro.
“O mais interessante na história – e que herdamos do original – é não apresentar uma família tradicional, com pai e mãe”, comenta Rodrigo Miallaret, cuja versatilidade é essencial para se criar uma nova imagem de Victor. “Nino é criado por um tio e uma tia-avó, além de conviver com animais falantes. São diferenças apresentadas com naturalidade.”
Outra novidade é a função dramatúrgica do Dr. Abobrinha, vivido por Igor Pushinov, uma espécie de antagonista, liderando a maldade. “Ele é o personagem mais sombrio do espetáculo, com um tipo de participação que não havia na série”, explica o ator. “O mais importante, porém, é que as artimanhas do Dr. Abobrinha ajudam Nino a amadurecer.”
Apesar de todas as facilidades permitidas pela magia, o musical mostra que nem tudo é conseguido com uma simples mágica. “Quando as crianças estão com fome, Morgana não cria uma bela mesa de jantar com um toque – ela repete o cotidiano e encomenda uma pizza”, observa Alessandra Vertamati, que vive o papel. “É preciso mostrar que tudo tem limite.”
Um outro detalhe que aproxima o musical da realidade é a forte presença feminina. “A menina Biba toma posição de comando diante dos meninos, exibindo sua inteligência”, conta o escritor Juliano Marceano, que caprichou também na participação dos bonecos, como a cobra Celeste (interpretada com graça por Gabriel Vicente), a coruja Adelaide (Ana Araújo), o elfo Godofredo (Dante Arruda). “O confronto entre o real e a magia é um dos trunfos do espetáculo.”
Programa deu visibilidade à TV Cultura e incomodou as rivais
A TV Cultura sempre se notabilizou por funcionar como um grande laboratório de ideias, investindo em produtos que, por sua originalidade, não eram, na época, aceitos pelas emissoras comerciais. E Castelo Rá-Tim-Bum foi um de seus maiores (se não o maior) acertos, conquistando uma audiência inédita para uma televisão pública, chegando a atingir a média de 14 pontos.
O programa foi criado pelo dramaturgo Flávio de Souza e o diretor Cao Hamburger, com roteiros assinados por profissionais como Dionísio Jacob, Cláudia Dalla Verde, Bosco Brasil, Marcelo Tas e Anna Muylaert, além dos bonecos criados por um mestre, Jésus Sêda. A estreia aconteceu em 9 de maio de 1994 e ficou no ar até 24 de dezembro de 1997, totalizando 90 episódios e um especial.
Em um castelo cenográfico que continha toda a arquitetura do mundo – mas cujos traços traziam forte influência do arquiteto catalão Antoni Gaudí, autor do desenho da Igreja da Sagrada Família, em Barcelona -, viviam o jovem feiticeiro Nino (Cássio Scapin), seu tio Victor (Sérgio Mamberti), um feiticeiro e cientista, e sua tia-avó Morgana (Rosi Campos), também feiticeira. No convívio com simples mortais, Nino protagonizava histórias em que as aventuras eram temperadas por lições educativas como a importância de se escovar sempre os dentes.
Ao seu lado, Nino convivia com animais falantes, como a cobra Celeste, e até um extraterrestre, o Etevaldo. Os inimigos eram representados pelo Dr. Abobrinha, um especulador imobiliário que desejava derrubar o Castelo e construir um prédio de cem andares.
Exibido no horário noturno, entre 19h e 19h30, Castelo Rá-Tim-Bum logo faturou uma audiência inédita – cravou 8 pontos em sua estreia, o que, na época, correspondia a cerca de 320 mil domicílios. Em pouco tempo, ultrapassou os 10 pontos, incomodando os rivais que, até então, não viam a emissora pública como potencialmente perigosa. A façanha fez com que os concorrentes reservassem o horário noturno para programas infantis.