Atrás de um armazém antigo na Barra Funda, zona oeste de São Paulo, está instalada uma das duas únicas fabricantes de vinil de todo o País. Nela, uma equipe de 13 funcionários trabalha a partir da produção de duas prensas adquiridas de um ferro-velho há quatro anos. O resultado? O registro de alguns dos trabalhos mais comentados na cena musical, como A Mulher do Fim do Mundo, de Elza Soares, e MM3, do Metá Meta.
Lançada em 2016, a Vinil Brasil surgiu após o músico Michel Nath, de 41 anos, ter dificuldades para lançar seu disco em vinil – SolarSoul, primeiro e único -, e perceber que havia demanda reprimida. A abertura da fábrica correu “como rastilho de pólvora” e atraiu do reggae à bossa nova. A divulgação do álbum (e a carreira musical) ficou em segundo plano diante dos “perrengues” de empreender pela primeira vez – o que incluiu achar profissionais que soubessem como produzir.
“O know-how quase se foi. Estava em vídeos, livros, mas principalmente em pessoas”, diz ao se referir, por exemplo, a um funcionário já sexagenário que trabalhou na produção de vinil décadas atrás.
Parte das etapas e das peças necessárias precisaram ser criadas pela Vinil Brasil – tanto que ele nem divulga algumas etapas de fabricação. A produção é 100% analógica, com som transposto do tape para o disco.
Gerente de produção da unidade, Paulo Henrique Guilherme, de 34 anos, aprendeu na Vinil Brasil a fabricar discos, que já coleciona há mais de 10 anos. “Mudou a relação, porque agora faço o que gosto.” A outra fabricante brasileira é a Polysom, reaberta em 2010 após três anos fechada. Em 2017, produziu cerca de 94 mil discos.
‘Vinilmania’ ganha fôlego, bares e até clube de assinatura
Apreciar um disco de vinil é quase um ritual. E não dos mais simples. Colecionadores dizem que começa pelo visual (do encarte e da capa), passa pelo tato (do gesto de pegar o disco e colocá-lo para tocar), chega ao olfato (do material sintético) e, por fim, começa a audição do tão cultuado som analógico.
Em segundo plano desde os anos 1990, o suporte ganhou novo fôlego em 2008, com um aumento de vendas internacionais que alguns poderiam considerar apenas mais uma moda passageira. Dez anos depois, o vinil bate recordes anualmente, atraindo até mesmo um público que o conhecia apenas na infância ou nunca nem sequer havia escutado um exemplar.
No restaurante e loja Conceição Discos, a chef Talitha Barros, de 37 anos, frequentemente se surpreende com um cliente envolvido pelo acervo de LPs que vende e oferece para audição no local. “As pessoas se amarram. Manejam, olham. Quem não tem vitrola em casa, compra e deixa aqui para ouvir aqui”, conta.
Desde a inauguração, em 2014, a ideia era deixar disponíveis alguns discos que mantinha em casa, como uma “graça” para os frequentadores. Mas a procura foi maior que esperava (com venda média hoje de 100 a 150 LPs por mês) ela precisou triplicar o tamanho do acervo. Além do aspecto sonoro, Talitha vê também um lado afetivo no consumo. “Remete à lembrança de um tio, pai, padrinho que apresentou o disco à pessoa, traz isso da vida pessoal, conectado a essas memórias de um mundo que um dia existiu”, diz a dona do espaço, na Santa Cecília, no centro paulistano.
Para o sócio-fundador da Caverna Discos, Carlos Caverna, de 42 anos, a retomada do vinil também está ligada ao fato de as pessoas que apreciavam o suporte na infância, nos anos 1980 e 1990, terem chegado aos 40, 50 anos, quando há maior estabilidade profissional, pessoal e econômica. “É uma faixa etária em que o cara já tem grana para comprar um aparelho legal, ter um som legal que ele sonhava antes.” Em sua loja, ele vende aparelhos de som vintage que vão de R$ 500 a R$ 50 mil.
Mas também há espaço para quem está sem dinheiro e só quer ouvir música. “É um lugar para ouvir um som legal, comer um queijinho, tomar uma cerveja. Muitos clientes aqui viram meus amigos”, conta.
O próprio Caverna, embora grande apreciador, se aproximou do vinil há 6 anos quando deixou um emprego como engenheiro eletricista para lançar a loja – que vende principalmente aparelhos de som, faz reparos e também promove pocket shows. Ele deixou para trás um salário de R$ 10 mil e teve de vender parte da própria coleção de discos para iniciar o negócio.
“Foi a parte mais dolorosa”, diz, antes de citar conquistas que angariou trabalhando no meio, aproximando-se de músicos que vão da banda Baiana System a Jerry Adriani, que lhe presenteou com todos seus discos autografados pouco tempo antes de morrer. “Quando deixei o trabalho, diziam que era louco, mas eu estava estressado, ficando doente mesmo. Isso aqui mudou a minha vida.”
Comércio
Foi o vinil que trouxe novos caminhos também para a revista de música Noize. Lançada em 2007 em Porto Alegre, a publicação resolveu, alguns anos depois, ampliar seu modelo de negócio. Juntou-se a uma equipe de curadoria e criou o clube de assinaturas Noize Record Club (NRC) – que passou a ter lançamentos bimestrais a partir de julho de 2017. Dentre os 12 discos do clube, estão uma reedição de Os Afro Sambas (1966), de Vinicius de Moraes e Baden Powell, e as primeiras versões em LP de 9 Luas (1996), de Os Paralamas do Sucesso, e Certa Manhã Acordei de Sonhos Intranquilos (2009), de Otto.
Junto do álbum, a Noize envia uma revista com conteúdo relacionado ao trabalho do artista. “Ler uma revista e ouvir um disco são rituais parecidos, experiências que se somam”, compara o editor da NRC, Ariel Fagundes, de 28 anos.
Hoje, todos os álbuns estão esgotados e o total de assinantes foi de 300 para mil, além da venda avulsa. A ideia é ir adiante e começar a lançar álbuns mensalmente ainda em 2018. Embora o perfil de assinantes seja variado e esteja em todos os Estados, o NRC reúne sobretudo paulistanos, cariocas e gaúchos de 21 a 40 anos. “A cada edição, nos conectamos com um público diferente. Quando teve o disco do Otto, vieram muitos assinantes do Nordeste. O Paralamas agora também trouxe público mais amplo, bem diferente do Boogarins (de rock psicodélico), por exemplo.”
É o caso do designer e youtuber Guilherme Henrique de Oliveira, de 32 anos, que passou a assinar o clube após o lançamento de um disco de Liniker. Já adepto dos “bolachões”, ele considera estar mais fácil comprar discos, mas também mais caro – “por causa do modismo”. Em lojas online, como a Vinil Records, os preços vão de R$ 9,90 a mais de R$ 300.
Jovens
No Mercado do Vinil, realizado a cada dois meses na Rua da Consolação, o público pode ser ainda mais jovem. Segundo Anderson Vital, de 32 anos, um dos organizadores, mais da metade dos frequentadores têm de 18 a 25 anos.
“Primeiro tem a coisa da curiosidade. Na feira tem pessoas que nunca viram disco, outras que viram o pai escutando quando crianças.” Colecionador, ele vende vinil há dois anos quando quis trocar álbuns e, na loja, descobriu a grande procura. “Esse nicho nunca parou. Mas, com a chegada de novas vitrolas no País, o pessoal começou a comprar, virou vintage”, diz Vital.
Para ele, com a derrocada do CD e a popularização do streaming e de músicas em formato digital, parte do público buscou outros jeitos de ouvir música, perceber as nuances do vinil. “Tem a magia de ouvir o disco inteiro. As pessoas viram a importância do disco, enxergaram a durabilidade.”