
Não é de hoje que O Auto da Compadecida conquistou o coração dos brasileiros. A famosa história das peripécias e malandragens de Chicó e João Grilo foi publicada em 1955, pelo paraibano Ariano Suassuna e ganhou palcos e telas de cinema. Neste sábado e domingo, 29 e 30, Santo André recebe a versão da Escola Nacional de Teatro (ENT) da peça, dirigida por Luiz Campos e com adaptações que permitem o debate de questões cotidianas como hipocrisia, pecado e perdão.
A adaptação é um dos trabalhos propostos para os alunos do terceiro ano do curso de teatro técnico da ENT que, neste semestre, estudaram o teatro popular. Luiz Campos conta que a escolha da peça de Ariano Suassuna veio da importância do autor para a literatura e teatro e da vontade de valorizar cada vez mais os grandes nomes nacionais. “Os autores brasileiros estão, de certa forma, esquecidos”, afirma o diretor, também professor da turma e que trabalha com teatro profissional há 12 anos.
De acordo com Campos, o maior desafio na construção da narrativa que será encenada foi se desvencilhar do imaginário que remonta cenas do filme de Guel Arraes, lançado em 2000. “Queríamos fazer uma montagem nova. Uma das ideias que tivemos para isso foi trazer as figuras principais [Chicó e João Grilo] como mulheres […] Por que não dar esse protagonismo para elas? Foi o que fizemos”, conta.
Além dessa mudança, a peça usa da intertextualidade para contar a história original a partir de outra história. Na apresentação, os atores interpretam outros atores de uma trupe de teatro mambembe que viaja o Brasil e chega a Santo André. Como a única peça que o grupo tem para apresentar e garantir o sustento é O Auto da Compadecida, eles o fazem e, assim, o público tem contato com o texto original.
Assim como no original, a montagem é marcada por diversas críticas e sátiras da sociedade na qual está inserida. Um ponto interessante a ser destacado na peça é a figura de Jesus como transsexual, sem as características típicas com as quais geralmente é retratado. Campos afirma que a escolha tem a ver com pensar essa figura religiosa tão importante em todas as formas que pode assumir, sem se prender a predefinições. “Se Jesus está em todos nós, ele pode ter qualquer forma”, finaliza.
Para Totarelli, intérprete de Jesus, o processo de montagem da peça foi divertido, embora reconheça as dificuldades de interpretar uma personagem tão relevante. “É o maior papel que já peguei até agora e só pensei ‘como eu vou fazer Jesus, uma personagem tão importante?’”, questiona. Apesar da responsabilidade, o jovem ator, que iniciou os estudos de teatro em 2015, afirma que as expectativas estão boas e que espera, com a peça, gerar nas pessoas a reflexão sobre amor e perdão. “A chave é mostrar como as pessoas lidam com seus problemas […] Todo mundo erra e é merecedor de perdão e é aí que eu [na figura de Jesus] entro”, diz.
Natália Freitas, que interpreta Dorinha, mulher o padeiro, ressalta que as críticas da peça são necessárias e importantes para reflexão sobre questões do nosso cotidiano, mas afirma que, apesar disso, a peça mantém o caráter cômico e leve que diverte o público. “As críticas políticas e religiosas às vezes são necessárias, mas quem for vai se divertir”, garante.
As apresentações serão às 19h e 21h, na ENT, localizada na rua Senador Fláquer, 958, centro de Santo André. Os ingressos custam R$ 12 na bilheteria, que abre uma hora antes do espetáculo.