
Um dos maiores temores da população acerca da covid-19 é sobre as sequelas deixadas pelo vírus no organismo. Segundo o infectologista da Faculdade de Medicina do ABC, Virgilio Tiezzi, os danos são possíveis e podem comprometer os pulmões, rins, tecido muscular e a parte neurológica. O pneumologista e assistente da disciplina de pneumologia da faculdade, Rafael Rodrigues de Miranda, reforça que a doença pode ser ainda mais grave em pacientes que necessitam de internação. A principal queixa de quem já contraiu o vírus é falta de ar e cansaço.
Segundo o infectologista, o primeiro órgão comprometido é o pulmão que, após a reação inflamatória intensa, pode sofrer uma fibrose pulmonar, inflamação que provoca sequela na região e impossibilita a troca de oxigênio. “A fibrose pulmonar com insuficiência respiratória se resolve em até um mês após a infecção em 80% a 90% dos pacientes. De 10% a 20% ficaram com sequelas da fibrose três meses após a recuperação, o que limita as atividades plenas. Alguns ainda necessitam de oxigênio suplementar contínuo”, diz.
Miranda explica que em casos em que o paciente precisou de internação em UTI, há riscos de que diferentes tipos de lesões cicatriciais nos pulmões sejam desenvolvidos. “Algumas alterações serão benignas e provavelmente não comprometerão o órgão, porém alguns pacientes tendem a evoluir com fibrose pulmonar e sintomas de cansaço por longos períodos”, detalha.
O especialista destaca que, pelo fato de o vírus ainda ser recente, os estudos sobre possíveis sequelas permanecem em andamento conforme o acompanhamento dos pacientes. “A doença é nova e começamos a avaliar pacientes com estas lesões há pouco tempo. O seguimento destes doentes será fundamental para determinar a dimensão das sequelas que a doença pode causar”, diz.
Durante o tratamento da doença, o pneumologista conta que o corticoide apresenta um papel importante no paciente grave, e que tem potencial de reduzir danos, conforme estudos recentes publicados na literatura médica. “Com base nos estudos delineados em epidemias no passado, os corticoides podem exercer papel na melhora dos sintomas e na redução de danos nestes pacientes a longo prazo”, ressalta.
Miranda afirma que, devido a ocorrência de pneumonia viral em alguns pacientes de covid-19 ,ainda durante a contaminação, o quadro pode evoluir para uma reação inflamatória intensa nos pulmões. “Isso pode fazer com que o paciente necessite de suplementação de oxigênio e, nos casos mais graves, de respiração artificial com ventilação mecânica”, conta o médico.
Visto que maioria dos pacientes acometidos pelo vírus são assintomáticos ou apresentam sintomas leves, o profissional afirma que a diferença entre casos graves e os brandos é a intensidade da resposta inflamatória de cada indivíduo perante a infecção. “Entretanto, isso é algo que ainda não podemos presumir para determinar o risco de desenvolver a forma grave da doença”, completa.
Insuficiência renal
O acometimento dos rins, segundo Tiezzi, acontece de forma que, devido a inflamação, há possibilidades que trombose da artéria renal seja desenvolvida, que é a interrupção do fluxo ideal de sangue nos rins. “Isso resulta na insuficiência renal, necessitando de diálise. Esse fator foi observado em pacientes jovens, de 30 a 40 anos. Há pacientes que permanecem em diálise há dois meses, não sendo possível definir se ela será permanente ou não”, explica.
A insuficiência renal aguda, em casos que precisaram de diálise, foi vista em 20% dos pacientes de UTI (Unidade de Terapia Intensiva), afirma. “Daqueles que se recuperaram da infecção, 5% ainda permanecem em dialise após dois meses. Não se sabe se a recuperação acontecerá a longo prazo ou ficarão dialíticos”, ressalta.
Já sobre os danos cerebrais, causados principalmente pelo medo da doença, podem se manifestar em ocorrência de depressão, ansiedade, déficit de atenção e alterações de humor. “Observamos que alguns pacientes recuperados que se queixavam de falta de ar tinham seus exames normalizados, o que indicava que o sintoma era gerado por quadros de ansiedade, nervosismo, e, consequentemente, sequelas neurológicas”, comenta. Nestes casos, o tratamento é feito com psicoterapia e antidepressivos.
Nos músculos, os danos são causados devido a internação prolongada, que pode gerar atrofia muscular no paciente. Embora haja possibilidades, o médico afirma que não há nenhum caso em que esses detrimentos sejam permanentes. “Nestes, a recuperação funciona com fisioterapia. Porém, ainda é cedo para falar sobre as sequelas no geral, vamos ter dados mais consolidados daqui um ou dois anos”, finaliza.
Acometidos pelo vírus
Exemplo de quem contraiu o novo coronavírus e, mesmo recuperada, ainda se queixa da permanência de alguns sintomas é a enfermeira da UBS (Unidade Básica de Saúde) Santa Tereza, em Rio Grande da Serra, Angela Picitelli, 53. A profissional relata que desde 14 de maio, quando descobriu que estava contaminada, sente falta de ar e baixa imunidade. “Ainda sinto que estou com o vírus. Meu medo assim que a doença foi confirmada era de comprometer meu pulmão e eu precisar ficar internada e vir a óbito”, diz.
Angela Picitelli ficou, ao todo, 28 dias afastada do trabalho, e, após a testagem negativa, a enfermeira voltou a atuar nas atividades da unidade de saúde, mesmo com a presença de alguns sintomas.
Em São Caetano, o morador Rogério Garcia, 49, metalúrgico na Mercedes-Benz, teve os primeiros sintomas de covid-19 entre os dias 10 e 11 de junho, com febre alta, mal estar e tosse. Apesar dos indícios da doença, os primeiros testes alegaram a ausência do vírus no organismo. “Apenas após aparecer uma mancha em meu pulmão esquerdo durante um exame, que fui internado por oito dias com suspeita de coronavírus e pneumonia”, conta.
O metalúrgico diz que a sensação durante o período de internação era de desespero. “Achei que ia morrer no segundo dia. Apresentei muita falta de ar, foi quando o teste deu positivo para o vírus”, relata. Após a recuperação e um novo teste apresentar resultado negativo, um dos principais sintomas permaneceu. “Ainda tenho a sensação de cansaço excessivo, o qual luto todos os dias para combater. Mesmo assim minha maior alegria é ter saído vivo dessa”, completa. (Colaborou Nathalie Oliveira)