
Desde sua descoberta, em 1906, a doença de Alzheimer é um desafio. Na semana passada, o anúncio de que a Food And Drug Administration (FDA), agência dos Estados Unidos que regula o uso de medicamentos, aprovou uma nova medicação para a doença trouxe à tona o esforço de pesquisadores, ao longo de mais de um século, para tentar atacar o quadro pela raiz e as tecnologias para fazer o diagnóstico precoce.
O uso do exame PET-CT (da sigla em inglês Tomografia por Emissão de Pósitrons), utilizado em pacientes com câncer, está começando a ser usado no País, mas em um número restrito de pessoas e ainda não é um procedimento gratuito, tendo em vista o alto custo por causa dos insumos importados. A proposta é encontrar a proteína beta-amiloide no cérebro, cuja deposição no órgão comprova a presença da doença.
No Brasil, segundo a Associação Brasileira de Alzheimer (ABRAz), estima-se que há 1,4 milhão de pessoas com a doença e que 55 mil novos casos ocorrem por ano. “A doença é caracterizada por alguns achados e um deles são placas senis no interior do cérebro, constituídas por proteínas anômalas. Quando existe um depósito em excesso no cérebro, é um dos constituintes associados para a demência de Alzheimer”, explica Carlos Alberto Buchpiguel, professor titular do Departamento de Radiologia e Oncologia e Diretor da Divisão de Medicina Nuclear e Imagem Molecular do Instituto de Radiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InRad-HCFMUSP).
O InRad realiza o exame que é capaz de evitar procedimentos invasivos, como a coleta do liquor (por meio de punção lombar). “Sem muita agressão, detecta se o paciente expressa a proteína em grande quantidade no cérebro. Se for negativo, afasta totalmente o diagnóstico.”
O composto que aponta o acúmulo da proteína foi desenvolvido no instituto com base em um marcador usado pela Universidade de Pittsburgh, nos Estados Unidos. “A gente ainda tem uma avenida a percorrer para mostrar com muita transparência que está conseguindo reverter ou curá-la (a doença), mas temos de usar todos os recursos para detecção precoce para reverter a história progressiva da doença e para ver se conquistamos o controle do Alzheimer”, diz Buchpiguel.
A expectativa, segundo ele, é de que a técnica, que já é utilizada nos Estados Unidos, no Japão, na China e em países da Europa, se torne mais acessível no futuro. Mesmo assim, a indicação deve ser após triagem de especialistas, como neurologistas, geriatras e psiquiatras.
Em fevereiro deste ano, um estudo de pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apontou a eficácia da combinação de um algoritmo computacional com a eletrencefalografia, exame de baixo custo, para o diagnóstico da doença. O achado foi publicado na revista científica Plos One.
Outra expectativa é de que exames de sangue sejam capazes de auxiliar no diagnóstico. No ano passado, um estudo liderado pela Universidade de Lund, na Suécia, observou a proteína P-tau-27, presente no sistema nervoso central e no sistema nervoso periférico, e constatou que os níveis aumentam nas fases iniciais da doença. Os pesquisadores estimam que seria possível detectar mudanças no cérebro até 20 anos antes do aparecimento dos sintomas.
Tratamento
Geriatra e diretora científica da ABRAz, Carla Núbia Borges diz que, ao longo da história, pesquisadores buscaram meios de frear o avanço da doença. No entanto, as medicações desenvolvidas atuavam apenas nos sintomas da doença já instalada, incluindo registros de desorientação, falhas de memória, alterações comportamentais, cognitivas e de linguagem, irritabilidade, depressão e perda da autonomia. “Depois do descobrimento, tivemos um gap em pesquisas e medicamentos. A primeira foi a tacrina e isso tem quase 30 anos; porém, tem muitos efeitos colaterais. Surgiram outros medicamentos, mas que têm a função de atuar nos sintomas.”
A medicação aducanumabe, fabricada pela Biogen Inc, que teve aprovação acelerada pela FDA, ainda não tem previsão de chegar ao Brasil, segundo a empresa. Mas foi submetida à aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em fevereiro deste ano.
Christiane Machado, geriatra e diretora científica da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), diz que a questão ainda é muito polêmica, pois a droga foi liberada ainda precisando entregar um estudo que comprove eficácia. “Isso diante de uma doença que não tem controle e progride. Quem concordar vai assumir os riscos. É um dilema ético e ainda vai ter muita discussão. A gente está no caminho do mecanismo de ação da doença, mas é preciso muita cautela.” Segundo Christiane, este tratamento ainda está “muito longe da nossa realidade” no Brasil.
Gerente geral da Biogen Brasil, Tatiana Marante afirma que a aprovação no País ainda pode abrir caminho para avanços no tratamento da doença. “Acreditamos que a aprovação do aducanumabe será um catalisador para os novos progressos científicos, críticos no enfrentamento da complexa doença de Alzheimer. Foi exatamente assim que o HIV/aids e muitas formas de câncer foram alteradas de doenças intratáveis para condições com opções terapêuticas viáveis.”
Em livro, filha revive as crises da mãe ‘como uma terapia’
Demorou um ano e meio até a mãe da promotora de eventos Mariela Oppitz Sorgetz, de 51 anos, receber o diagnóstico de Alzheimer. Então com 76 anos, era uma mulher com autonomia e ativa nos grupos da Igreja, mas tudo mudou.
“Os filhos demoram a entender como um percurso alterado da velhice. Não é um esquecimento ou distração, são características comportamentais maiores. Começou com dificuldade para fazer coisas, repetição de perguntas em curto intervalo de tempo. A queda da autonomia foi muito gritante.”
Mas outros sintomas confundiam a família. “Ela teve depressão e ansiedade, percebia que tinha a potencialização do sentimento de angústia ao entardecer, choro.”
Prestes a completar 85 anos, dona Anninha, como é chamada carinhosamente, já não fala nem reconhece os três filhos. Na fase severa da doença, ela mora com uma cuidadora e também faz sessões de fisioterapia. Tem ainda acompanhamento nutricional.
Quadro crítico
Ela não solicita mais, não fala que está com sede, com dor. Como está sempre sentada ou deitada, precisa de um incentivo para se movimentar e faz fisioterapia sempre duas a três vezes por semana. “Esses cuidados todos não evitam que a doença progrida, mas proporcionam qualidade de vida”, diz a filha.
Acompanhando o agravamento da doença da mãe, ela também se viu diante de momentos de tristeza, angústia e medo. Diante disso, começou a escrever um tipo de diário e a guardar as anotações.
“Eu escrevia também para não esquecer o que estava vivendo. E era uma terapia. Se você encontra uma família com Alzheimer, é uma família doente. Aquilo me impactava muito pela proximidade que tinha com minha mãe.”
Daí, veio a ideia de transformar as lembranças em livro. “Assumi um compromisso pessoal de escrever o dia a dia de um paciente com Alzheimer e amadureci a ideia durante cinco anos. Com a pandemia, o setor de eventos ficou parado e me deu um intervalo tão grande que pude fazer o livro. É uma oportunidade de falar da doença de forma menos dura.”
Em abril, foi o lançamento de Viver sem Saber: Relatos de amor, dor e humor sobre a doença de Alzheimer (Luz da Serra Editora /R$ 49,90). O valor arrecadado com direitos autorais será revertido para ações e entidades que trabalham com o cuidado desses pacientes.
Futuro
Mariela acompanha as novidades sobre a doença e celebra cada avanço da ciência. “Fico sempre muito emocionada com a possibilidade de essa doença não avançar. Como familiar, não vou ter mais essa possibilidade com minha mãe, mas meu desejo é que o mundo se debruce para o tanto que é misterioso o nosso cérebro e essa doença tira a autonomia, a perspicácia e a independência.”