
A educação infantil, principalmente para crianças de 0 a 3 anos, é alvo de muitas ações judiciais, porque os municípios, responsáveis por prover o serviço, não conseguem dar conta das solicitações. Como a Justiça obriga as prefeituras a atenderem quem está fora da escola, o resultado, muitas vezes, é a superlotação e a precarização do serviço.
Para Fernando Luiz Cássio Silva, doutor em ciências pela USP (Universidade de São Paulo) e professor da UFABC (Universidade Federal do ABC), a situação preocupa. Lembra que a educação é um direito e deve ser priorizada como política social. A Prefeitura tem de arrumar, fabricar, vagas da noite para o dia e isso é um problema persistente, principalmente em cidades com orçamento menor que ficam dependentes de repasses do governo federal. “O FNDE (Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação) é que tem a capacidade para ajudar os municípios a atender crianças de 0 a 3 anos”, analisa o educador, que integra a Repu (Rede Escola Pública e Universidade) e o comitê diretivo da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação.
Serviço caro estimula privatização
O ensino infantil, segundo estudos, custa mais caro do que manter as demais salas de aula, pois há toda uma estrutura que precisa ser implantada para as crianças menores, mas como falta fôlego para os municípios e a Justiça obriga a matrícula, o atendimento fica comprometido. “Aí vem a precarização dos espaços, superlotação e o estímulo à privatização com os convênios com instituições. Esse conveniamento é uma solução que não resulta em creche com qualidade melhor. O Tribunal de Contas analisou as creches da Capital, por exemplo, e constatou que as geridas pelo município são melhores do que as conveniadas”, afirma.
Mesmo com convênios as cidades não conseguem atender a todos. É o caso de Sara Lira (nome fictício), que tem um filho de um ano e 10 meses e aguarda há quatro meses por vaga em creche de Ribeirão Pires. Sara é mais uma de tantas mães que precisam de um bom lugar para os filhos enquanto trabalham. Desempregada, voltou a fazer faxina para sustentar a casa, atividade que havia deixado de lado quando trabalhava com carteira assinada. Sara conta que a dificuldade é grande, pois tem de deixar o filho com a mãe para poder trabalhar. A preocupação é com a evolução pedagógica da criança. “Esse é um problema, criança tem de frequentar escola”, comenta. Outra dificuldade é que está na fila para uma cirurgia de vesícula, e não sabe como será quando conseguir. “Eu ia operar, por isso queria por ele na escolinha logo”, diz. A cirurgia está marcada para agosto e Sara não tem definição da Prefeitura quanto à vaga do filho na creche.
Sara não desistiu, mas muitas outras famílias cansaram de esperar pelo poder público. O professor da UFABCs comenta que os pais simplesmente desistem de esperar pela vaga e arrumam outra solução, são os desalentados de creche, por causa de um problema crônico das prefeituras. “A solução tem sido à Justiça. Essas famílias não podem parar de tentar e acontece muito a judicialização. As prefeituras são obrigadas a criar vagas para atender e vem a superlotação. Mas tem uma hora que nem a Prefeitura consegue mais cumprir, tem situação que se transforma em colapso. Por isso, os pais devem insistir, buscar a Justiça e fazer pressão social por vaga em creche”, recomenda.
ABC
Procuradas pelo RD, as sete prefeituras do ABC foram indagadas sobre o déficit de vagas em creche. Apenas quatro prefeituras responderam e Santo André é a que tem situação mais complicada. Na cidade são 9.012 crianças matriculadas nas creches municipais, até maio último, e 1.752 na crianças em lista de espera por vagas de creche, ou seja, 16,2% do total estão fora da escola.
Santo André tem se mobilizado e erguido novos prédios para atender à demanda. O Plano de Expansão para atendimento na faixa etária de zero a três anos conta com 10 creches, a última inaugurada em abril com 321 vagas. No período de junho de 2021 a junho de 2022, foram criadas 963 vagas de creche. “As famílias com crianças classificadas para o ano letivo 2023 que não conseguirem vaga imediata, em creche de preferência, poderão ser atendidas em creche municipal ou conveniada, localizada até 2 km do endereço residencial”, informa a Prefeitura.
Diadema não informa quantas são as crianças de zero a três anos fora da creche. A Prefeitura diz que, em 2020, a atual gestão encontrou um quadro com atendimento de 65,5% das crianças e tenta melhorar o percentual. “A meta é que, por meio do programa Creche Lugar de Criança, até 2024 o índice atinja 82,5%. Desde o ano passado, já foram criadas 627 vagas. A previsão é que sejam criadas cerca de novas 400 vagas a cada ano daqui para frente, total de 1.400 novas vagas ao final da gestão”, diz.
Em São Bernardo são 16.520 alunos matriculados nas creches municipais e a Prefeitura diz que não há fila de espera por matrículas. “Todos os estudantes que manifestaram interesse dentro do prazo de resolução de matrículas para o ano letivo de 2022 foram atendidos. A Resolução de Matrículas, documento anual que rege o processo e período de inscrições de novos alunos, solicitações de rematrículas, bem como de transferências para o ano de 2023 na educação básica (infantil e fundamental I) municipal, será publicada em agosto”, diz em nota.
Uma das alternativas de São Bernardo é conveniar instituições para dar conta da demanda. “A Prefeitura tem adotado, desde 2017, parceria com as entidades do terceiro setor do município para ampliar as vagas de creche. Dessa forma, a administração efetua repasses financeiros às instituições cadastradas, bem como todo o suporte de merenda, uniforme, material escolar e formação profissional, cabe às entidades a mão de obra e espaço físico para as aulas”, explica.
São Caetano tem 5.091 crianças inscritas na educação infantil de período integral e mais 809 de meio período. A Prefeitura informa que não há fila de espera por vaga na creche e as inscrições para 2023 abrem em outubro, por meio de edital. Para 2022, as famílias podem fazer a pré-inscrição pelo portal: http://educacao.saocaetanodosul.sp.gov.br/index.php/web/vaga. Desde o ano passado a cidade construiu três creches e revitalizou outras cinco, e mais outra está com obras em andamento.
A Prefeitura de Ribeirão Pires, onde mora a mãe que aguarda vaga para o filho há quatro meses, não se pronunciou. Da mesma forma fizeram as prefeituras de Mauá e Rio Grande da Serra.