
Em parceria com o Sesc Santo André, os coletivos Cozinha do Gueto, Bateria Ritimonstro e Escola de Samba Palmares realizarão seu primeiro passeio turístico: Batucadas na Beira do Campo – Samba e Futebol de Várzea, no dia 15 de abril, nas comunidades do Jardim Santo André e Vila Suíça, em Santo André. Conduzido pelo guia de turismo e articulador cultural, Neri Silvestre, o roteiro oferecerá vivência no Campo do Colorado, acompanhada ao som das batucadas da bateria, logo depois, uma parada na cozinha, onde terá a venda de comidas típicas nordestinas e a feira livre de artes dos trabalhadores autônomos, baseado na economia da cultura.
O diferencial desses passeios está na oportunidade em que o turista tem ao se conectar com parte da história que não está escrita nos livros, mas nas memórias que esses moradores carregam de geração em geração. Também na tranquilidade em saber que estarão contribuindo com a valorização da cultura, preservação ambiental e a geração de renda, que diferentemente do turismo tradicional, que na maioria da vezes, não elabora estratégias para que todos se beneficiem dele, o TBC está mais preocupado com uma gestão compartilhada, autonomia coletiva e crescimento local, que reflete também indiretamente em toda a comunidade.
Neri, que também é morador da região, enxerga as culturas periféricas como capazes de enriquecer a visão cidadã. “Quando juntamos as culturas periféricas em rede, tomamos outras dimensões da cidadania, da arte e da cultura, e a microeconomia é elevada à potência. Com isso, surgem novos atores antes escondidos: donas de casa, moradores locais, agremiações, e os visitantes passam a interagir entre si, ampliamos os olhares, a visão muda. Quem é da periferia entende que é importante o visitante, e o visitante tem a oportunidade de mudar sua visão diante do novo”, comenta.
O auge do passeio será a vivência com a Bateria Ritimonstro, formada por moradores do Jardim Santo André, embora, com apenas sete anos de existência, tem como mestre o Nunuca Oliveira, que tem 60 anos de idade e vive o samba na essência, pois, desde bem jovem entoa a música deixada por seus ancestrais em escolas de São Paulo, Rio de Janeiro, onde, em muitas foi intérprete de samba enredo.
Juntamente com a presença do mestre Robson Batuta, apresentando a lendária Escola de Samba Palmares, de Santo André, que com quase meio século, não sucumbiu em meio ao desmantelamento da festa tradicional na cidade, o carnaval, resistem como os versos deixados por Nelson Sargento: “Samba, agoniza, mas não morre”.
Surgido na década de 1980, o time de futebol de várzea Esporte Clube Colorado, é o reflexo da resistência de um povo, que além de enfrentar o período do regime militar, vivia outras ditaduras, muitas perduram até hoje: a da pobreza, a do desemprego, a da fome e para driblar, o jeito era o jeito malandro, não o preconizado pela sociedade que está em sua bolha, mas o que faz uso das sabedorias advindas dos costumes e a cultura deixadas por seus ancestrais. É comum pensar a periferia com a imagem de miséria, no entanto, repartir é um hábito cultural nas comunidades, motivo pelo qual o time permanece, esse era o modo de se fortalecer contra as injustiças: extravasando a alegria inerente das culturas negras e periféricas.
Os jogadores dos campos de várzea sempre driblaram esses adversários, da mesma maneira, a Cozinha do Gueto, nasce num campo adverso, onde mãos negras produzem alimentos típicos, diferentes dos pratos gourmetizados, a comida preparada é feita por alguns dos primeiros moradores da região, migrantes nordestinos que construíram sua sorte nos morros, trazendo no matulão sabores e no peito a saudade.
O mais velho da cozinha, seu Francisco Silva, acalentou vários momentos no preparo da comida baiana com seu samba de roda, cantos de terreiro e histórias do passado. Partiu deixando seu legado. A Cozinha do Gueto não é um lugar de saudades, mas de lembranças, cujas vivências e os ensinamentos dos seus mestres e griots sempre são lembrados afetivamente, e o Nordeste, deixado um dia por sua gente, é reverenciado através do alimento e das sementes de juazeiros, plantadas pelos primeiros que vieram e sabem o valor do abrigo da sombra aos que chegam da lida que é a travessia entre o sertão e a cidade grande.
O passeio é antes de mais nada um convite à reflexão, da referência do que se compreende por centro, que pode não estar mais na cidade, mas nas bordas dela, um convite a furar a bolha e se desafiar a novos atravessamentos, que promovam encontros de mútuo respeito e valorização no que é está no outro.
Neri acredita que as culturas periféricas podem colaborar com a autonomia das pessoas, através da economia do turismo: “Podemos afirmar que as agremiações têm muito a contribuir com a cultura e a economia local, o Time do Colorado, a Bateria Ritimonstro, a Cozinha do Gueto e a Escola de Samba Palmares são conexões entre os periféricos e periféricas, são nossos laboratórios, são nossos hubs de criatividade e economia criativa.”, finaliza.