
“Matheus, você está comendo? Nem parece africano”. Essa frase foi dita ao estudante Matheus Santos de Jesus, de 12 anos, na hora do lanche na EMEF (Escola Municipal de Ensino Fundamental) Ângelo Raphael Pellegrino, no bairro Mauá, em São Caetano. A família relata que essa é a quarta vez que o garoto é vítima de racismo, e um boletim de ocorrência, o segundo tendo o menino como vítima, foi registrado e um inquérito policial para apurar o crime de racismo foi instaurado para apurar o ocorrido. A família e grupos de movimentos negros foram chamados para uma reunião no paço de São Caetano nesta quinta-feira (05/10) às 10h30, para tratar do assunto.
Os pais do jovem, Luiz Fernando de Jesus e Patrícia Santos, usaram as redes sociais para dar visibilidade ao problema, além de registrarem um boletim de ocorrência. A advogada Bruna Cândido, de 35 anos, contratada pela família para acompanhar o caso diz que houve uma grande mobilização na cidade e foi formado um grupo de mães que relatam outros crimes de racismo dentro das escolas. “Esse caso foi no dia 29/09, mas já é a quarta vez que o Matheus é vítima de racismo, e ele é a única criança negra na sua sala de aula. Em um destes episódios teria sido cometido pelo próprio professor, que ignorava quando Matheus levantava a mão pedindo para tirar dúvidas sobre a matéria”, relata a advogada que também viveu situações de racismo enquanto estudante na rede pública de São Caetano.
Psicólogo particular
Quando deste último episódio Matheus mandou mensagem imediatamente para os pais implorando, aos prantos, para sair da escola, dizendo que não aguenta mais essa situação. O menino de 12 anos faz tratamento com psicólogo. Matheus não abandonou as aulas, mas segue na Ângelo Raphael Pellegrino sob supervisão. Enquanto isso, foi aberto pedido de transferência para outra escola. “Importante destacar que a escola não disponibilizou profissional para ajudar a criança, esse psicólogo que acompanha o caso não é da Prefeitura”, explica Bruna.
“Aqui sempre foi assim, eu e minha família passamos por isso também. Mesmo na vida adulta vivo situações de opressão direta e indiretamente”, diz a advogada. No caso da família de Matheus, os outros três irmãos também já sofrerem situações de racismo.
A mãe do aluno, Patrícia, é militante antirracista, já foi comentarista do programa Encontro, da Rede Globo, e atualmente é empresária. Dirige uma empresa que estimula o empreendedorismo negro. “São pessoas pacificadoras, que não querem uma solução apenas para o Matheus, mas uma reparação histórica para que outras crianças não sofram com a mesma situação. Todos nós, eu, a Patrícia e o Luiz sentimos mal, com dor de estômago, quando estávamos na delegacia fazendo o boletim de ocorrência, e ouvimos o relato do Matheus, nós temos os nossos gatilhos porque todos passamos por isso antes e tudo isso volta na nossa mente”, diz a advogada que se diz indignada por nada ter mudado nos últimos 30 anos.
Boletim de ocorrência
O boletim de ocorrência tem como alvo da investigação a escola e o município. “A escola teve oportunidades para reverter essa situação. A educação antirracista não é algo que deve ser feito só no dia 20 de novembro (Dia da Consciência Negra) é algo que tem que ser falado o tempo todo. Temos uma lei, que data de 2003 sobre o ensino sobre os povos tradicionais, mas ela não é efetivada. O Judiciário poderá provocar a secretaria municipal de educação a cumprir essa lei”, aponta Bruna.
Motivada pela repercussão do caso que chegou até a Câmara dos Deputados, através da deputada Érica Hilton (PSol), a Prefeitura de São Caetano organizou para esta quinta-feira (05/10) uma reunião com os pais de Matheus, representantes da deputada federal e o Ministério Público também foi chamado para participar, além de uma comissão do grupo de mães. Segundo Bruna Cândido, grupos ativistas preparam um ato que deve acontecer em frente à escola municipal ainda sem data marcada. “O Movimento Negro Unificado, a Coalizão Negra por Direitos e a Associação Nacional da Advocacia Negra estão se organizando. Será um ato pacífico, provavelmente com palestras.
A família de Matheus já definiu que vai mover uma ação contra a prefeitura, que também terá que responder ao inquérito sobre racismo. Além disso, Bruna estuda entrar também com uma ação coletiva, representando as demais famílias que relataram o racismo.
Prefeitura
Em nota, a Prefeitura de São Caetano diz que não compactua com o racismo. “A Secretaria de Educação de São Caetano reitera seu compromisso inabalável de não compactuar com qualquer forma de racismo ou preconceito na comunidade educativa. Corroborando com o nosso compromisso por uma educação que garanta o direito de todos os alunos, mais uma vez nos reuniremos com familiares, Conescs (Conselho Municipal da Comunidade Negra de São Caetano do Sul) e o Grupo Decolonial do Cecape. O objetivo dessa reunião é ampliar o diálogo sobre as questões apresentadas e pensar estratégias que envolvam a sociedade no combate ao racismo. É importante destacar que o Grupo Decolonial fornece formação permanente aos nossos professores. Isso não se limita a combater eventuais comportamentos racistas, mas também a promover ativamente uma educação antirracista em nosso sistema educacional”, diz a nota.
A Prefeitura também diz que o tema será abordado na iniciativa Escola de Pais, já nesta semana. “Além disso, nesta semana iniciaremos a Escola de Pais. Será um mês de palestras com especialistas em diversos temas. Essas palestras são voltadas às famílias, com a intenção de produzir uma reflexão de educadores e familiares sobre a garantia de direitos de nossas crianças e adolescentes. Reafirmamos nosso compromisso inabalável com uma educação justa, inclusiva e antirracista. Estamos trabalhando incansavelmente para garantir que todas as nossas escolas sejam lugares seguros e acolhedores para cada aluno e, mais do que isso, que esse debate se estenda a toda a sociedade – dentro e fora da escola”, acrescenta o comunicado.