
Dados do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, mostram o crescimento vertiginoso dos casos de violação de direitos no ABC, uma alta 80,5% se comparados os meses de julho, agosto e setembro deste ano com o mesmo período do ano passado. Os casos de violência contra crianças e adolescentes estão no topo da lista, seguidos pelas violências contra a mulher e contra idosos. Para o advogado, especialista em direitos da infância e juventude, ex-secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente e presidente de honra do Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo, Ariel de Castro Alves, a falta de aparelhamento das instituições para atendimento e apuração dos casos gera a sensação de impunidade que alimenta novos casos.
Os números mostram que entre julho e setembro do ano passado foram 989 casos de violações dos direitos humanos, contra 1.785 nos mesmos meses deste ano. O maior salto foi em julho, que teve 312 violações em 2022 e 592 este ano, alta de 89,7%. Agosto teve alta de 78,4% (334 casos no ano passado e 596 neste) e setembro registra aumento de 74% (de 343 para 597 violações). No mês de outubro inteiro de 2022 denúncias apontaram 432 violações no ABC. Neste ano, só nos primeiros quinze dias do mês, já foram 276 violências.
Em quase todas as cidades a violência contra crianças e adolescentes, lidera o número de denúncias. Só em São Caetano que o número de violações dos direitos humanos tendo como vítima a mulher é maior. Considerando todo o ano de 2023 até o dia 15 de outubro, o número de denúncias deste tipo de situação na cidade correspondeu a 29,25% do total. As que afetaram menores de idade foram 28,3% e a violação dos direitos do idoso aparece em terceiro com 24,53%.
A cidade com maior índice de violação dos direitos da criança e do adolescente é Mauá. Na cidade esse tipo de situação teve, só este ano, 1.217 violações registradas, o percentual sobre o total de violações é de 49,63%, ou seja, de cada duas violações de direitos humanos na cidade uma afeta criança ou adolescente.
Para Ariel de Castro Alves esse aumento de 80% é bastante significativo e retrata o aumento da violência doméstica verificada nos últimos anos, principalmente após a pandemia da covid-19. “Tivemos aumento principalmente da violência doméstica, contra mulheres, idosos, pessoas com deficiência e também contra crianças e adolescentes. São mais casos de feminicídios, de abusos e exploração sexual contra crianças e adolescentes e temos também uma situação de grave crise econômica e social com 33 milhões de pessoas no Brasil passando fome sendo que 18 milhões são crianças e adolescentes, tudo isso contribui para esse aumento”, aponta.
Alves também diz que o tensionamento político e ideológico que dividem o país também contribuíram para o aumento das violações de direitos humanos. “Temos também uma proliferação de discursos de ódio, de intolerância, de armamentismo, misoginia, racismo, que inclui também a discriminação contra os próprios migrantes e imigrantes. Toda essa situação atual do país ideologicamente dividido socialmente também gera um aumento de violações de direitos humanos”.

Violência policial
Para o ex-secretário nacional, a violência policial também tem grande participação no aumento de denúncias de violação de direitos. “Devemos destacar as operações da polícia na Baixada Santista, que trouxe o grande número de denúncias de violações de direitos humanos pela violência policial pela atuação de vingança.Essa visibilidade acaba também favorecendo o aumento das denúncias em outras regiões como aqui no ABC”, analisa. A violência nas escolas, segundo Alves também gera muitas denúncias.
A divulgação das pautas LGBTQIA+, como o casamento gay também seguem gerando episódios de intolerância. Para Ariel de Castro Alves a simples visibilidade do tema gera resistência de quem é contra. “A discussão no Congresso acaba ampliando a visibilidade do tema e as denúncias relacionadas a discriminação por motivo de orientação sexual”.
Estrutura
O especialista em direitos humanos diz que a falta de aparelhamento do Estado tanto para colher como para apurar as denúncias, aumenta a impunidade o que faz aumentar ainda mais os casos de violação de direitos. “O grande problema é que nós não temos um sistema efetivo de proteção dos direitos humanos no Brasil, os órgãos não atuam de forma integrada. Não temos centros de referência em Direitos Humanos, poucas prefeituras tem secretarias nesta área, no ABC não temos nenhuma, nem todas as Câmaras Municipais têm comissões de direitos humanos, então faltam órgãos que atuem para a verificação das denúncias, para a proteção das vítimas e também para que nós tenhamos a punição dos acusados”.
Certos da impunidade, os violadores dos direitos, segundo o ex-secretário nacional, continuam replicando sua atitude. “Muitas vezes essas denúncias são tratadas com certo descaso, ou são negligenciadas nas investigações policiais e acabam não gerando punição, o que alimenta novas violações. É exatamente pela impunidade, pela certeza que não vai ser punido, que ele continua cometendo novas violações de direitos humanos. Temos dificuldade no próprio Disque 100. As denúncias na área de criança e adolescente são encaminhadas para órgãos de proteção como os conselhos tutelares, promotoria da infância e juventude ou delegacia, mas temos como retorno apenas 15%, nos outros 85% nós não sabemos se de fato foram apuradas das violações”, completa Ariel de Castro Alves.