
Nesta quinta-feira (25/07) é celebrado o Dia Internacional da Mulher Negra, Latina e Caribenha. Trata-se de um dia de luta criado em 1.992, a partir de uma reunião de mulheres em Santo Domingo, na República Dominicana, e depois instituído pela ONU (Organização das Nações Unidas) para combater as desigualdades sociais, mas fortes entre as mulheres negras e a violência contra elas. No país também é comemorado, na mesma data, o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra. Mesmo destacadas em suas atividades, mulheres ouvidas pelo RD relatam a dificuldade maior de obter reconhecimento profissional e falam do preconceito ainda presente.
Para a advogada, negra, militante e especializada em adoção, Shirley Van Der Zwuaan, de 62 anos, a luta contra o preconceito começou ainda muito jovem, quando criança em instituição onde vivia. Depois foi para um convento onde foi criada por freiras holandesas. Shirley conta que sentiu tratamento diferente por causa da cor da sua pele por parte de algumas religiosas. Formalmente ela foi adotada pelo padre daquela comunidade religiosa a quem considera seu pai (já falecido) e que lhe deu lições de como resistir ao preconceito. Tudo isso aconteceu em Santo André, no Parque João Ramalho.
“Uma vez meu pai ia ser homenageado no Tênis Clube, e ele foi comigo e com minha irmã. Na entrada disseram para ele que ele poderia entrar, mas nós duas não porque ali não podiam entrar pessoas negras. Meu pai disse que não poderia ficar onde as filhas não entram e fomos embora”, conta Shirley. “Na escola eu era muito peralta, mas era como uma defesa minha porque eu também sentia preconceito”, diz.
Shirley considera que teve uma boa educação, resolveu trabalhar cedo, aos 14 anos, o primeiro trabalho foi em um escritório de advocacia onde ficou até os 18. Lá soube de um concurso no fórum de Santo André, se candidatou para a única vaga oferecida e foi selecionada dentre 500 concorrentes. Ela se formou em Jornalismo e em Direito com especialização em Direito de Família, hoje ela é especialista em causas relacionadas à adoção e nesta mesma linha fundou o GAA (Grupo de Apoio à Adoção) Laços de Ternura, uma referência para diversos outros grupos do país, e participa ativamente do Movimento Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção.

Com advogada ela diz já ter recebido tratamento diferente daquele dado a outras profissionais brancas. “A gente é sempre abordada parece que desconfiam da sua capacidade como advogada. As mulheres negras advogando ainda são minoria, no Fórum a gente sente uma discriminação, não institucional, mas velada. Por isso, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), subseção de Santo André, tem a Comissão da Mulher Negra para cuidar dessas questões.
“Eu sou casada há 30 anos e meu marido é branco, filho de italianos. Hoje eu estou muito feliz, tenho meu filho, e agora uma netinha de oito meses, negra. Profissionalmente sou muito bem recebida, sou convidada para eventos e para palestrar sobre adoção”, completa.
Política
A vice-prefeita de Diadema, Patty Ferreira (PT), foi a primeira mulher negra a sentar em uma cadeira de prefeito na região, durante o afastamento do prefeito José de Filippi Júnior (PT) para tratamento de problemas de saúde, em 2022. Formada em química e colorimetria, ela trabalhava como cabeleireira e descobriu na política uma forma de trabalhar questões como igualdade de gênero e raça. “A primeira coisa é mostrar que a gente pode estar lá. Já é difícil para a mulher, mas mais ainda para a mulher preta, mãe solo e oriunda de uma comunidade como eu. Essa é uma pauta difícil na política que tem mais homens e brancos. 54% da população de Diadema é negra, e 53% dessa população é mulher, então nós somos maioria, por isso não faz sentido não termos mulheres na política”, diz Patty que considera que o problema está ligado diretamente à educação.

Como prefeita, durante reuniões com outros prefeitos, seja no âmbito do Consórcio Intermunicipal, ou em encontros de prefeitos em Brasília, diz que teve de elevar o tom. “Estive em reuniões em que eu era a única mulher, então se a gente não fala um pouco mais alto, não te consideram”, conta. Patty conta que enquanto prefeita recebeu em redes sociais críticas de cunho racial vinda de um homem negro, pai de crianças negras.
“Foi duro, mas isso não me abate. Tenho minha filha com 16 anos e acho importante ela ter esse empoderamento. A mulher já precisa estar mais preparada para tudo e se é preta, muito mais, tem de se dedicar quatro vezes mais que um homem para chegar na mesma posição. Temos caminhado a passos ainda lentos no sentido de uma melhora, afinal é o resgate de séculos de tudo que a gente perdeu”, aponta.
Alesp
Como deputada estadual em seu primeiro mandato, a moradora de Santo André, Ediane Maria (PSol) foi vítima de preconceito racial dentro da Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo), no ano passado. “Eu estava indo para o plenário quando um homem, um senhor branco de 80 anos, corre atrás de mim e ele manda eu tirar o cabelo, porque era feio. Quando indagado pela delegada se ele sabia que eu era uma deputada ele falou que não sabia e que não tinha obrigação de saber. Mas ele tem sim obrigação de me respeitar independente do lugar que eu esteja, sendo deputada, sendo diarista, sendo babá, em qualquer lugar. O mínimo que a gente espera é respeito e para mudar isso é necessário mudar a estrutura, ver mais mulheres negras na política, ver mulheres negras em mais espaços de decisão, porém para isso é preciso retirar o racismo do meio”, diz a parlamentar.
Ediane diz que muitas vezes a mulher negra descobrem o preconceito e como ele permeia as instituições já depois de certa idade. “Por nascer num país onde o racismo é estrutural, falar de preconceito e racismo é falar de uma palavra que para muitas foi conhecida tarde. Eu descobri no MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) e no movimento negro, foi ali que comecei a ter essa visão de que todos os espaços que eu estava eram fruto do racismo estrutural por ser minha única condição o trabalho doméstico, enquanto mãe solo de quatro filhos. A luta por moradia é um direito à cidade, um bem básico, e é a partir da moradia que vamos ter todos os outros direitos”.

Para Ediane, o episódio de racismo que ela sofreu na Alesp mostra o quando as mulheres negras têm que lutar mais e diariamente por espaço. “O espaço político representativo é só um reflexo da sociedade. Então, as dificuldades que uma mulher negra enfrenta no mundo, vai enfrentar na política também. Há a violência política de gênero, que no nosso caso ainda é afetada pela questão racial, enfim, a nossa luta por dignidade e respeito é diária e não para”, completa.
Arte e educação
Em Santo André, a professora, escritora, apresentadora, modelo e musicista, Alcidéa Miguel, de 62 anos, também concorda que para estar no mesmo patamar do homem a mulher tem de se impor mais, se preparar mais e se for negra as exigências são ainda maiores. “A gente tem sempre que provar mais, tudo que a gente diz. Somos sempre desacreditadas, temos de provar muito mais. Isso às vezes cansa, gera uma indignação, por isso que negros desistem e não avançam”, avalia.
Alcidéa considera que a legislação se aprimorou, que leis vieram para ajudar na luta por igualdade de direitos. “Vieram dias como o da Consciência Negra, de Tereza de Benguela, o ensino dentro da grade curricular sobre cultura afro, sobre a arte e a história; temos também as políticas de cotas que dão mais chances aos negros. Eu tenho orgulho de ter formado uma filha médica, um engenheiro e um líder na Volkswagen na Alemanha, mas a trajetória é longa, pois o racismo ainda está muito nítido no coração das pessoas”, afirma.
Como professora, Alcidéa conta que sofreu um grande preconceito em uma escola particular onde dava aulas nos anos 1990. Conta que os alunos não queriam ter aulas com uma professora negra. “Colocavam os pés sobre as carteiras e não assistiam a aula, eu procurei a coordenação da escola, chorava. A resposta que me deram é que os alunos são muitos e eu era uma só, tive de me retirar daquela escola. Naquela época não tínhamos leis como as que temos hoje. Vinte anos depois reencontrei uma dessas alunas, por acaso, ela me reconheceu, me abraçou e pediu desculpas, que eu aceitei, mas sofri muito naquela época”, conta.
Alcidéa acredita que a educação pode e é a melhor arma contra o preconceito. “Eu acho que investindo nas crianças vamos ter um mundo melhor”, diz com uma citação autoral. “Sou preto, sou livre, imerso na força do amor que só ele tem o poder para desatar os nós da desigualdade”, completa.