
Quando se trata de atendimento para crianças com TEA (transtorno do espectro autista) as dificuldades são enormes para os pais e cuidadores, diante do grande número de terapias necessárias ao desenvolvimento e autonomia, nem sempre disponíveis no SUS (Sistema Único de Saúde) ou integralmente pelos convênios médicos. O ABC tem pelo menos 4,1 mil autistas, mas o número tende a ser maior já que São Bernardo e Mauá não informaram e há ainda pacientes que não fazem tratamento pelo SUS ou usam o sistema de educação pública.
O Judiciário recebe uma enxurrada de demandas relacionadas ao atendimento de autistas e tem sido a salvação quando os convênios médicos não respondem à necessidade dos pacientes. Alessandra Garcia, mãe do Cauã, um autista de 18 anos, deficiente visual, não verbal e com dificuldades na mobilidade, já teve de recorrer à Justiça inúmeras vezes para garantir terapias que o filho precisa, nem sempre são atendidas pelo convênio médico.
“Seria desesperador se eu dependesse do SUS, quando meu filho tinha oito anos eu tentei mas vi a dificuldade, a demora para chamar e o atendimento defasado. Mesmo com toda a dificuldade o convênio é melhor”, aponta. “Ainda bem que eu consegui, porque hoje os convênios nem estão aceitando mais”, continua.
Terapias necessárias
Os avanços que Cauã obteve com as terapias são significativos para a sua qualidade de vida e uma vitória também para os pais. “Hoje ele consegue sinalizar que está com sede, estivemos recentemente em um hotel que teve lá um pequeno show com música alta e ele se comportou bem. Eu não consigo imaginar o Cauã sem as terapias”, comenta a mãe. Cauá faz mensalmente 147 sessões de terapia ABA (Análise do Comportamento Aplicada), 20 de terapia ocupacional e 8 de musicoterapia, mas em geral a relação com o convênio médico é tensa.
Alessandra já teve que recorrer à Justiça mais de uma vez para garantir o atendimento integral conforme o pedido médico, garantir que o valor das mensalidades não tenham reajuste acima do normal e impedir que a operadora de saúde faça o rompimento unilateral do contrato, como já tentou. “Todo mês eu tinha de recorrer à advogada, agora está menos frequente, a cada dois meses eles querem reduzir as terapias e tenho recorrido também aos canais de defesa do consumidor como Reclame Aqui e o Procon, além da Ouvidoria, e ultimamente tenho encontrado solução desta forma”, afirma.

Alessandra leva o filho para tratamento em uma clínica de Santo André. “Vivemos uma situação de total insegurança jurídica, desde novembro o convênio vem fazendo assim; um mês libera as terapias e no outro não. Aí eu tenho de acionar todo um processo para cobrar. Se vai para a Justiça, demora”, comenta.
Falta acessibilidade
Mas não é só na Educação e Saúde que os autistas enfrentam barreira. Como os portadores de deficiência visual e motora, os autistas também encontram obstáculos. Alessandra Garcia diz que mora perto de um grande parque público, não totalmente acessível.
“São poucos os lugares públicos que eu frequento. Alguns shoppings, mas no parque não é todo lugar que é acessível a uma cadeira de rodas e nem todos os brinquedos têm a segurança que o Cauã precisa. Nos grupos de mães que eu participo sempre vejo reclamações sobre calçadas, sobre as ruas. Por isso eu evito. Eu tenho a vantagem de ter carro, então levo ele nos locais que eu já conheço”, explica.
Mas nem nos locais onde há melhor infraestrutura, há preparo para o atendimento ao autista. Cauã é um jovem de 18 anos, com 1,70 metro de altura, mas que precisa da mãe para auxiliá-lo em tudo. Usa fralda e num avião houve tanta dificuldade para trocá-lo que Alessandra disse que nunca mais vai viajar assim com o filho.
“No banheiro é impossível entrarem duas pessoas, eu propus às aeromoças que eu faria a troca no espaço em frente à minha poltrona, colocaria uma canga no chão para trocar, elas não permitiram, foram mais de 20 minutos de discussão e constrangimento, até que encontraram um espaço no local onde ficam os tripulantes e eu fiz a troca no chão mesmo que forrei com a canga. O avião não é um espaço inclusivo e eu não viajo mais, para o lazer a gente vai a um hotel, de preferência em locais mais tranquilos e que a gente pode ir de carro”, conta.
Sem atendimento integral
Para a advogada Renata Valera, especialista em Direito Médico e em Saúde, Estado e municípios deveriam oferecer atendimento integral e gratuito para quem tem TEA, mas não oferecem. “As famílias não conseguem o mínimo. Não tem atendimento nenhum basicamente, então nem dá para falar que não tem o atendimento adequado, pois tudo no SUS tudo é muito demorado, burocrático ou difícil de conseguir”, analisa.

O laudo que atesta a condição do paciente, o grau de suporte de autismo, é o que muitas famílias levam anos para conseguir. Segundo Renata, para quem depende do SUS ou tem convênio a demora é significativa. “Laudar é difícil, porque exige muitos atendimentos e há uma fila enorme para todos. Tem pessoas que precisam de cirurgia urgente para não morrer e morrem aguardando. As crianças com autismo também não conseguem os atendimentos e as terapias por falta de estrutura, das enormes filas e burocracias. Para laudar, é necessário fazer muitos atendimentos, que demoram. Na realidade, muitas famílias preferem sequer dar andamento por conta das dificuldades do sistema”, lamenta a advogada.
Com um extenso histórico de ações judiciais, Renata Valera diz que o Judiciário nem sempre responde com a velocidade necessária e a interrupção de tratamentos traz grande prejuízo ao desenvolvimento do autistas.
“Com bastante frequência atendo muitas mães atípicas que enfrentam enormes barreiras para conseguir o atendimento adequado para os filhos. Faltam profissionais especializados, a fila para diagnóstico é longa e o acesso a terapias, essenciais para o desenvolvimento, é extremamente limitado. Essas famílias precisam recorrer ao Judiciário para conseguir garantir um direito básico, o que é ainda mais exaustivo emocionalmente. Com a falta de políticas públicas efetivas, equipes sobrecarregadas e pouca capacitação para lidar com o espectro autista, as crianças perdem uma janela importante para o desenvolvimento. A realidade que vejo é que as mães e pais de autistas lutam muito e adoecem tentando suprir sozinhas uma estrutura que o Estado deveria oferecer”, observa Renata.
Alessandra Garcia diz temer ficar sem convênio para as necessidades de Cauã. Depois de anos afastada dos estudos resolveu ingressar em uma faculdade de fonoaudiologia. “Isso é por segurança e medo de ficar sem o convênio, pois em alguns meses meu marido se aposenta e tenho medo de depender do SUS. Com essa formação eu vou poder ajudar meu filho se um dia ele ficar sem o atendimento especializado da clínica”, afirma.
Educação
Para a advogada especializada em Direito da Saúde, as escolas públicas não têm a estrutura necessária para atendimento a alunos com TEA. “Nas escolas não vemos profissionais capacitados para identificar sinais de autismo e isso atrasa todo o processo de intervenção. No campo da educação, há ausência de professores auxiliares ou cuidadores especializados. Algumas prefeituras até preveem o apoio na teoria, mas na prática as escolas não contam com esses profissionais ou, quando contam, são em número insuficiente ou são estagiários de pedagogia que colocam como se fossem assistentes terapêuticos, mas não são”, relata.
Na falta de um atendimento centralizado e objetivo no amparo às mães atípicas, surgem entidades da sociedade civil organizadas e criadas pelas próprias mães. “Felizmente existem iniciativas que ajudam. Algumas associações civis, ONGs e coletivos formados por mães e familiares têm feito um trabalho nesse campo. Elas auxiliam no acesso à informação, na organização de documentos, na busca por atendimento e até na judicialização de direitos. Vejo muita ajuda em grupos locais de apoio que atuam nos municípios do ABC. Mas ainda falta articulação entre essas entidades e o poder público, que deveria fomentar essas parcerias e garantir mais estrutura para as famílias”, completa Renata Valera.
Prefeituras
As prefeituras de Santo André, São Caetano, Diadema, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, informaram quantos pacientes com TEA são atendidos tanto no SUS como na Educação municipal. São 4,1 mil atendidos pelo poder público nestas cidades. Somadas às de São Bernardo e Mauá, cidades que não responderam sobre quantos são os atendimentos, é certo afirmar que mais de 5 mil crianças dependem do serviço público na região.

As cidades garantem que há atendimento pela própria prefeitura ou por entidades conveniadas, como a APAE (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais). É o caso de Rio Grande da Serra, que tem convênio com a unidade local da instituição. Os números também são pouco conhecidos.
“O município ainda não possui um cadastro oficial de pessoas com TEA. No entanto, conseguimos reunir alguns dados a partir dos atendimentos já realizados. A APAE, por exemplo, tem aproximadamente 800 pessoas em processo de investigação. Já na rede municipal de educação infantil, atualmente há 73 crianças com laudo confirmado”, informa a Prefeitura de Rio Grande da Serra.
Com o convênio da APAE, Rio Grande da Serra o atendimento acontece no CER II (Centro Especializado em Reabilitação) para avaliação, diagnóstico e terapias. “Esta gestão está empenhada em mapear os casos existentes no município. Sabemos que a estrutura atual da APAE é limitada para atender a demanda crescente, por isso estamos comprometidos em apoiar e ampliar os serviços voltados às pessoas com autismo. Atualmente, estamos estruturando uma Equipe de Educação Especial, que também atuará no encaminhamento das famílias para os atendimentos adequados. No município contamos com a oferta de professores auxiliares para atender alunos com TEA que demandam apoio individualizado. Essa ação integra a política de inclusão da rede municipal de ensino, assegurando o suporte necessário para o desenvolvimento educacional desses estudantes”, informa.
São Caetano
Em São Caetano são 826 alunos autistas em toda a rede municipal, do ensino fundamental ao médio. Na cidade 1.087 pessoas estão cadastradas com CIPTEA (Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista). “A Prefeitura oferece diversos serviços voltados às pessoas com TEA, como esporte adaptado, serviço social e acesso à tecnologia. São exemplos destas tecnologias, lupas; andadores; bengalas; cadeiras de rodas e de banho; talheres adaptados; engrossadores; plano inclinado; intérprete de libras; ensino do braille; softwares de comunicação; próteses e órteses; dentre outros. São Caetano promoveu a instalação para ponto de atendimento do Polo de Empregabilidade Inclusiva”, explica.
Na educação, São Caetano diz que há profissionais de apoio nas escolas. “Possui 310 profissionais de apoio (sendo 260 cuidadores e 50 estagiários), 74 professores especialistas em Educação Especial e equipes técnicas multidisciplinares nas escolas”, diz. Também destaca que há profissionais na saúde para diagnósticos e laudos. “A saúde de São Caetano conta com neuropsicólogas que aplicam protocolo para diagnóstico de TEA e também neuropediatras. O encaminhamento pode ser feito por médicos da rede municipal”, informa.
Ribeirão Pires
Ribeirão Pires conta com 713 carteirinhas emitidas, além de ter a 1° Clínica Pública de Cannabis Medicinal, que realiza tratamento para pessoas com TEA, conforme maior vulnerabilidade. Também informa que o Centro de Especialidades Médicas conta com atendimento para neuropediatria. Na educação, o município sustenta que há auxiliares nas salas de aula regulares onde há alunos com diagnóstico de TEA matriculados.
Diadema
Em Diadema estão em acompanhamento nos serviços de saúde 464 pessoas com TEA, sendo 244 inseridos no CAPS IJ ( Centro de Atenção Psicossocial Infanto Juvenil) e 220 na Atenção Básica. Informa que mantém grupos terapêuticos multiprofissionais, consultas com especialistas e orientação familia, composta por psicólogos, fonoaudiólogos, nutricionistas, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas, educadores físicos, assistentes sociais, pediatras e psiquiatra. “Além da retaguarda de neurologia infantil quando necessária. No momento, há uma fila de espera de 60 casos para intervenções terapêuticas”, diz a Prefeitura.
Na Educação, Diadema informa que todas as escolas da rede municipal estão capacitadas a receber alunos com TEA. As escolas da rede contam com professores de Educação Especial, com formação específica para garantir a inclusão de estudantes alvo dessa modalidade educacional, como os alunos com TEA ou outro tipo de deficiência, transtornos globais do desenvolvimento, altas habilidades ou superdotação. Conta com 90 professores de educação especial, aproximadamente 220 professores de apoio, 172 agentes de apoio e 120 estagiários. Todas as 60 unidades da rede direta são atendidas para os 1.960 estudantes com algum tipo de deficiência”, diz.
Santo André
Santo André não tem cadastro na saúde, com recorte específico para autismo. Na Educação são 1.794 alunos com TEA matriculados. A Prefeitura garante o atendimento através da Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência e com TEA, em diversos pontos da rede, como nas equipes multiprofissionais da Atenção Primária à Saúde nas UBS e nas equipes de reabilitação no Centro Especializado em Reabilitação/TEAcolhe. Há fila para atendimento. “Os casos são priorizados segundo critérios de potenciais ganhos de funcionalidade, autonomia e independência”, diz o município em nota enviada ao RD.
Depois de passarem pelo atendimento primário, pacientes com suspeita de algum grau de TEA vão para equipes especializadas. “A rede SUS possui equipes especializadas para a investigação e confirmação diagnóstica. Os laudos são parte integrante do cuidado ofertado na rede, não cabendo simples emissão de laudos desvinculada da atenção à saúde”, sustenta a Prefeitura.
Santo André diz que pretende ampliar o atendimento para autistas na rede de Educação. “Neste ano, contratou 38 profissionais de atendimento educacional especializado e inaugurou novas salas de recursos em quatro escolas, com capacidade total de atender até mil estudantes. Atende atualmente 2.507 alunos com deficiência, sendo 1.794 destes com TEA. A rede dispõe de 48 salas de recursos multifuncionais, espaços que oferecem um serviço de educação especial destinada aos estudantes com deficiência”, completa.

Comércio
Nos estabelecimentos comerciais mais estruturados, como hipermercados e shopping centers, já há vagas de estacionamento reservadas para autistas, delimitadas e sinalizadas. Há também inovações, com salas equipadas para esse público. O shopping Praça da Moça, em Diadema possui a Sala Azul, para crianças com TEA, dotada de brinquedos sensoriais, recursos voltados para dar suporte aos clientes em momento de crise, além de empréstimo de cordões de identificação e abafadores de som, para minimizar estímulos auditivos. O shopping já dispunha de mesas especiais de uso preferencial na praça de alimentação.
Operadoras de saúde
A ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) diz que o plano não pode limitar o número de terapias e deve seguir o que foi definido pelo médico. São obrigadas a oferecer todos os procedimentos previstos no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS para atendimento integral da cobertura prevista, de acordo com a segmentação assistencial, área geográfica de abrangência e de atuação do produto, dentro dos prazos definidos pela ANS, não sendo permitida, sob qualquer alegação, a negativa indevida de cobertura assistencial.
Importante destacar, diz a Agência, que o Rol da ANS não estabelece limite no número de terapias. A quantidade de sessões deve ser estipulada pelo médico assistente do paciente. Vale destacar ainda que, conforme a RN 539/2022, vigente desde 01/07/2022, é obrigatória a cobertura para qualquer método ou técnica indicado pelo médico para o tratamento de paciente diagnosticado com transtornos enquadrados na CID F84, de acordo com a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10), da Organização Mundial de Saúde (OMS), dentre os quais está o transtorno do espectro autista. De modo que a operadora está obrigada a disponibilizar atendimento com profissionais de saúde aptos a executar o método ou técnica indicados pelo médico assistente para seu tratamento, sem limite de horas ou sessões, seguindo a indicação médica para o tratamento.
Multa
Ainda de acordo com a ANS, a limitação de terapias, conforme a Unimed Nacional fez com Cauã, pode levar a autuação e multa. Para garantir a assistência oferecida nos produtos, as operadoras devem formar uma rede de prestadores, seja própria ou contratualizada, compatível com a demanda e com a área de abrangência do plano, respeitando o que foi contratado, sendo imputada à operadora a responsabilidade por falhas na formação desta rede.
“Eventual prática em desacordo por parte da operadora pode ser considerada negativa de atendimento, levando à abertura de processo administrativo sancionador, que poderá, conforme a legislação vigente, resultar na aplicação de multa. A operadora também poderá ter a comercialização de planos suspensa temporariamente em decorrência de reclamações registradas nos canais de atendimento da Agência sobre a falta ou demora de cobertura”, diz o comunicado.
A ANS também pode ajudar os pacientes com questões relacionadas ao valor das mensalidades. Há regras diferentes para a definição de percentuais, que variam de acordo com o tipo de contratação do plano e do número de pessoas que compõem uma carteira, no caso de planos coletivos. Normalmente, o reajuste dos planos é calculado com base na variação das despesas assistenciais. Portanto, a ocorrência de doenças ou eventos que elevem essas despesas de um ano para o outro causam impacto no reajuste do ciclo seguinte.
“Além disso, os valores mensais também podem sofrer alterações em função de eventual coparticipação, caso o plano contratado possua essa característica. Há ainda a variação de mensalidade por faixa etária, que acontece quando o beneficiário atinge determinadas idades. Todos esses fatores podem causar impacto no percentual de reajuste aplicado. A ANS orienta que o beneficiário consulte sua operadora caso não entenda o percentual aplicado ao seu plano e peça esclarecimentos. Se a questão não for esclarecida, o beneficiário pode entrar em contato com a ANS por um de seus Canais de Atendimento. Para saber mais sobre as regras de reajuste, clique aqui “, completa a ANS.