São Paulo deve ter mais uma escola bilíngue voltada para a elite em 2019. O educador canadense Lyle French, que foi tirado do colégio judaico trilíngue Beit Yaacov pela Avenues, já saiu da escola americana e agora atua como consultor de um novo projeto. Ele conta que está trabalhando com uma “família rica”, cujo nome não pode ser divulgado e procura um terreno para instalar a instituição. “A ideia é ter mensalidades de R$ 5 mil, mas com cerca de 20% de bolsistas. Queremos ter diversidade, a escola não pode ser uma bolha.”
O novo colégio será bilíngue, com boa carga de português, conta French, que está no Brasil há 20 anos, atuando em escolas com perfil internacional. Ele foi por alguns meses diretor acadêmico da Avenues, mas apesar de já ter se desligado da instituição, seu perfil ainda está no material impresso de divulgação. “Não deu certo para mim”, afirmou, ao ser questionado sobre a razão de ter saído da escola, antes mesmo de as aulas começarem. Lá, entrevistou muitos professores e diz que a seleção era difícil. “A maioria ou sabe dar conteúdo ou é bom em inglês.”
Outra informação que circula no mercado é de que a Escola Eleva abrirá uma unidade em São Paulo em breve e já estaria procurando um espaço na zona oeste da cidade. O colégio internacional, com currículo inovador, é financiado pelo empresário Jorge Paulo Lemann. Foi inaugurado – com fila de espera – no início de 2017 no Rio.
Procurada, a escola declarou apenas que “todas as praças são consideradas, uma vez que o objetivo do grupo é contribuir para a transformação do País, por meio da educação”.
Escolas novas já pagam até R$ 20 mil para atrair professor
O texto na tela gigantesca que exibe a apresentação para os primeiros pais que matricularam seus filhos na nova escola deixa claro: “22 dos professores vieram dos melhores colégios de São Paulo”. O evento em uma terça à noite de dezembro tem champanhe, queijo brie e foie gras para homens e mulheres vestidos em trajes finos. No palco, a agora ex-diretora do Colégio Santa Cruz fala em uma revolução na educação comparável ao Big Bang. O evento da Avenues – a escola de Nova York que abre sua unidade na cidade em agosto – reflete bem o cenário atual do mercado do ensino particular de elite em São Paulo.
“Um headhunter me ligou, não me perguntou nem quanto eu ganhava, mas disse que pagaria o dobro”, conta um profissional já contratado pela Escola Internacional de São Paulo, outra novidade na cidade, que pediu para seu nome não ser divulgado. Como ele não se interessou pela mudança, acabou sem saber que escola faria a proposta. Outro grupo que pretendia entrar no mercado de escolas bilíngues ofereceu a ele R$ 300 mil para uma consultoria.
“Ligaram lá no nosso telefone, tentando roubar a pessoa dentro da própria escola”, diz o diretor da Internacional de São Paulo, Michel Lam. Ao mesmo tempo que está contratando cinco novos profissionais, esforça-se para não perder os que já tem. Lam é o fundador da escola de inglês Red Balloon e, após vender a empresa, partiu para o mercado das bilíngues.
Este ano, a Internacional de São Paulo – que já funciona em um prédio provisório – terá uma grande unidade em Santa Cecília, no centro. O lançamento, em agosto de 2017, teve a presença do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Ele e 600 convidados foram apresentados a um currículo suíço que será usado pela escola, adotado por vários colégios pelo mundo. “Cada escola está tentando achar o seu diferencial, mas a gente quer ser conhecido por ter o inglês de nível. Numa escola internacional, ele é o veículo de comunicação”, diz Lam.
Para atrair professores, as escolas oferecem salários altos e benefícios não tão comuns no mercado. A remuneração chega a R$ 20 mil, 40% acima da média paga a profissionais que atuam no ensino médio de escolas particulares de elite (R$ 14 mil), como o Bandeirantes. Segundo a tabela do Sindicato dos Professores de São Paulo, alguns grandes colégios, como o Porto Seguro, pagam cerca de R$ 8 mil para docentes do ensino fundamental 1. E outros têm salários de R$ 5 mil para educação infantil.
Os dados do sindicato são fornecidos pelos próprios professores. As novas instituições exigem docentes bilíngues e oferecem ainda contratação em tempo integral. As escolas, em geral, pagam por hora-aula.
As mensalidades seguem tendência semelhante. Enquanto as escolas atuais de ponta cobram entre R$ 2,5 mil e R$ 4 mil, as novas variam de R$ 5,5 mil a R$ 8 mil. Na mais cara delas, para manter o filho durante os 14 anos obrigatórios de escolaridade no País – dos 4 aos 17 anos -, os pais gastariam R$ 1,5 milhão.
Mas, fora os números impressionantes, as novas escolas têm atraído profissionais pela oferta de trabalhar com algo inovador na educação. Para conquistar pais e docentes, pouco se fala em história e física e muito sobre autonomia e fluência digital.
A Escola Concept, que abre em fevereiro na capital, cultiva o slogan “bem além da lousa, carteira e giz”. Ao mesmo tempo, colhe os frutos da tradição ao se instalar em um prédio na Avenida 9 de Julho onde existia o Colégio Sacré Coeur de Marie. Católico, foi fundado em 1938 para atender só meninas e formou boa parte da elite paulistana. Fechou as portas nos anos 1990 por falta de alunos.
A Concept faz parte do Grupo SEB, do empresário Chaim Zaher, e já tem unidades em Ribeirão Preto e Salvador. Quem cuida da nova escola é a filha de Zaher, Thamila. “Fomos aos países referências em educação para descobrir qual o fator de sucesso numa escola inovadora. A resposta foi a formação do corpo pedagógico.” O colégio então pôs headhunters em busca dos “melhores do mercado”.
“O que mais me motivou não foi a proposta financeira e, sim, a oportunidade de construir uma escola do zero, em que o aluno é o protagonista e o professor o ajuda a crescer”, diz Elizabeth Toutin, de 39 anos, que era da Beacon School, na Vila Leopoldina, e foi para a Concept. A escola terá aulas com formatos diferentes e procura docentes com “perfil de mediador e não apenas que saibam entregar o conteúdo”, diz Thamila.
Transferência
Um dos maiores símbolos da chacoalhada que as novas escolas estão provocando no mercado foi a contratação de Cristine Conforti, de 60 anos, pela Avenues. Ela trabalhava no Colégio Santa Cruz havia 40 anos e tinha um dos postos mais importantes da instituição tradicional da elite paulistana, o de diretora pedagógica. “No momento que me fizeram a proposta, eu buscava diferentes modelos de currículo para me informar, para aprender. E a Avenues cruzou meu caminho com um currículo inovador.” Ela conheceu a escola numa viagem a Nova York.
A notícia de que Cristine deixaria o Santa Cruz para ser diretora do programa brasileiro da Avenues foi dada pela imprensa antes que a escola pudesse comunicar aos pais, o que causou grande mal-estar. O diretor geral do colégio, Fabio Aidar, admite que houve insegurança com a mudança, mas que “o projeto do Santa Cruz é maior que uma pessoa”. Dois outros professores também vão pelo mesmo caminho. “Pela primeira vez, estamos vendo um movimento no mercado. Mas acho saudável, não tenho receio de perda de alunos ou profissionais”, diz, completando que a escola tem “fila de espera em todas as séries”.
A Avenues foi fundada em Nova York em 2012 e está construindo uma unidade de 40 mil metros quadrados no Morumbi, zona sul. O projeto pedagógico é organizado por competências e não só pelas disciplinas tradicionais. A empatia, por exemplo, é uma delas. E os professores precisam buscar estratégias e conteúdos para que os alunos aprendam a desenvolvê-la. A maioria das aulas será dada em inglês e haverá intercâmbio de alunos e professores com o câmpus de Nova York e com os futuros, na China e na Inglaterra.
Desde que começaram a aparecer as notícias da vinda da escola para a cidade, 3,5 mil professores enviaram seus currículos para seleção. “É difícil ter uma oferta de trabalho da Avenues, mas quem recebe não recusa”, afirma o cofundador da escola, o americano Alan Greenberg. Já foram escolhidos dois terços dos 85 profissionais que vão atuar no Brasil, entre brasileiros e estrangeiros. E ainda há vagas para professores de Português e Matemática.
Anne Baldisseri, de 49 anos, que vai ser diretora da educação infantil e fundamental, enfrentou entrevista de emprego de quatro horas. “Perguntaram desde a minha infância”, conta ela, que tinha passado a vida na St. Pauls School, a escola inglesa de 90 anos, no Jardim Paulistano. A avó e a mãe de Anne estudaram no colégio, assim como ela, seus irmãos e filhos. Ao se formar bióloga, foi trabalhar no St. Pauls como professora de Ciências, depois coordenadora e diretora. “Foi um choque na escola quando eu disse que ia sair.” Anne se diz atraída pela capacidade da Avenues de fazer pesquisas sobre o que está ou não funcionando no ensino.
Cautela
Para a educadora da Universidade de São Paulo (USP) Silvia Colello, o surgimento dos novos colégios reflete a insatisfação dos pais e dos profissionais com o modelo tradicional, mas é preciso cautela. “Os pais precisam ver não só a proposta pedagógica, mas a possibilidade de execução. E ter cuidado para não cair em golpes de marketing.” Ela lembra que o projeto escolar é uma construção permanente e, por isso, a experiência da instituição deve ser considerada pelos pais. “Além disso, cada criança é diferente da outra. Não dá para dizer: coloquei na melhor escola e vou ficar sossegado.”
Pais de alunos de escolas de toda a capital estavam entre os presentes do evento da Avenues na Estação São Paulo, em Pinheiros. Em rodinhas, alguns se queixavam de ter de fazer pagamentos para garantir a vaga, acumulando duas mensalidades. As aulas só começam no segundo semestre, seguindo o calendário americano, com mensalidades de R$ 8 mil. Mesmo assim, vibravam e sacavam celulares quando achavam o nome do filho no painel iluminado com o título “We are Avenues”. Estavam lá centenas de nomes de crianças só com a primeira letra do sobrenome para, segundo a escola, manter a privacidade das famílias.
“Quando fui apresentada ao projeto, pensei: eu que quero estudar na Avenues”, brinca a blogueira Bianca Arcangeli, de 33 anos, que matriculou o filho Thomas, de 4. Ela considerou instituições como Chapel School e St Pauls, mas se encantou com o “ensino proativo” da Avenues e com o fato de o filho poder, desde pequeno, aprender lógica de programação. Bianca, que é filha da empresária Cristiana Arcangeli, não se preocupa com a possibilidade de um ambiente elitista e pouco diverso. “Para qualquer escola que ele fosse, estaria convivendo na elite, a Avenues não é diferente do Santa Cruz nesse sentido. Além disso, nem todo mundo da elite é igual.”
Inglês e currículo diversificado estão entre as apostas
A chegada das novas escolas com perfil internacional – e a possibilidade de outras que podem abrir em breve – tem feito os colégios tradicionais investirem. Um dos maiores focos é a intensificação do ensino do inglês, mesmo em instituições que não são bilíngues. Além disso, os colégios têm diversificado currículos e aulas.
“Quem não se movimentar vai perder aluno”, diz o presidente da Associação Brasileira de Escolas Particulares (Abepar) e diretor do Colégio Bandeirantes, Mauro Aguiar. Desde que soube da chegada de novas escolas à cidade, a instituição está reformando as salas de aula para que tenham divisórias flexíveis, que permitem múltiplos usos, com menores ou maiores grupos. O Bandeirantes também passou a formar professores com uma nova concepção de ensino de Ciências, mais integrada, sem separação por disciplinas.
A Avenues “roubou” uma professora do colégio e tentou levar um coordenador. “No geral, o saldo vai ser positivo. Escolas como a Avenues estão trazendo concepções avançadas de educação”, diz Aguiar.
O Colégio Móbile, na Vila Nova Conceição, começou a ampliar em 2017 a quantidade de horas oferecidas de ensino de Inglês desde o ensino infantil. Incluiu também a língua em disciplinas de Artes e Ciência.
Outros, como Marista Arquidiocesano e o Dante Alighieri, apostam em parcerias com instituições estrangeiras cujos professores dão aulas no contraturno de algumas disciplinas, em inglês. Os programas são chamados no mercado de high school e os alunos recebem também um diploma americano de ensino médio.
O Colégio Magno, no Jardim Marajoara, zona sul, terá também este ano o chamado middle school, que tem o mesmo princípio, só que oferece aulas em inglês a partir do 6.º ano. O high school já existe no colégio há alguns anos e hoje 70% dos estudantes do ensino médio participam do programa, que é opcional e pago separado.
“O inglês é fundamental hoje. Muitos pais querem que seus filhos façam faculdade fora do Brasil” diz a diretora do Magno, Myriam Tricate. A escola também introduziu aulas mistas, em que conteúdos de Matemática e Física, por exemplo, são dados em inglês. “Uma escola que não investe nessa tendência internacional fica para trás.”
Diretora da Organização das Escolas Bilíngues de São Paulo (Oebi), Ana Célia Mustafá Campos acredita que os novos colégios vão profissionalizar o mercado. “Hoje há uma preocupação em colocar o inglês e muita gente se denominando bilíngue. Mas, na verdade, muitas só dão aula em inglês, não fazem um ensino bilíngue.”
Palestras
Ela vê como positivo o fato de a Avenues ter oferecido em 2017 algumas palestras abertas para professores de qualquer escola sobre bilinguismo e currículo inovador. “É uma estratégia de marketing, mas também discute muito bem o assunto.” Segundo a escola, além da formação, os eventos ajudaram a conhecer eventuais futuros candidatos e professores.