
O dia 8 de março foi instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU) para celebrar o Dia Internacional da Mulher: suas conquistas sociais e políticas. Mas, temos o que comemorar? O Brasil ocupa a 5ª posição entre os países onde mais mulheres são mortas, conforme a ONU. Os dados da violência contra a mulher no Brasil – que abrange a física, sexual e psicológica – são alarmantes: De acordo com o Anuário de Segurança Pública, por exemplo, foram 49.497 estupros registrados em 2016. No entanto, estima-se que somente 10% dos casos são realmente reportados, conforme o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).
Com relação ao feminicídio (tipo penal inserido somente em 2015), foram registrados apenas 621 casos, já que os assassinatos contra as mulheres estavam incluídos na taxa total de homicídios, prejudicando a real apuração desses dados. As pesquisas em 2016 mostraram que, de fato, a cada duas horas uma mulher é morta no Brasil. Com esses números é muito difícil comemorar.
Por outro lado, não podemos ignorar os avanços já alcançados em termos de regulação e que aproxima, aos poucos, o Brasil dos parâmetros delineados pelos organismos internacionais de direitos humanos. Por exemplo: a ratificação da Convenção de Belém do Pará, em 1995, pelo Brasil; a criação da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), que pune a violência doméstica e familiar contra a mulher e que é fruto do caso que levou o mesmo nome perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a edição da lei que cria o tipo específico do Feminicídio (Lei 13.104/2015), ampliando a pena em certos casos. Os assassinatos cometidos contra a mulher em razão de sua condição de ser mulher passam a, finalmente, ter maior visibilidade, a partir de 2015, com estatísticas próprias sem que sejam mascarados entre os números dos homicídios – a importância de um tipo penal específico também já foi debatido pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Com relação à violência obstétrica, embora poucas normas existentes tentem proteger a mulher durante o período gestacional até o pós-parto, notadamente, garantindo-lhe um parto humanizado, acompanhante à sua escolha etc, encontramos especificamente o termo ‘violência obstétrica’ em uma recente lei catarinense (Lei 17.097/17). Ofensas verbais e físicas, tais como, xingamentos, exames e procedimentos desnecessários e vexatórios praticados por profissionais da saúde, familiares e acompanhantes são exemplos desta espécie de violência. No entanto, inexiste uma lei federal que tipifique a conduta, o que dificulta a proteção da mulher no território nacional. Dentre os projetos de lei em andamento, destacamos o PL 7633/14 que trata do tema de forma detalhada e que – se for aprovado- será mais um passo no sentido de proteger os direitos das mulheres, prevenindo e punindo os abusos.
Sem dúvida, as mulheres precisam de mais informações sobre os seus direitos e há muito a ser debatido ainda: a ampliação da participação política da mulher, igualdade de condições na esfera profissional (salário e cargos), questões sobre aborto, por exemplo. Enfim, para que o Brasil se alinhe totalmente aos parâmetros internacionais de direitos humanos é preciso continuar percorrendo um longo e árduo caminho contra a discriminação e em busca de uma sociedade mais igualitária, bandeiras que, aliás, sempre foram – e são! – levantadas nas lutas históricas das mulheres ao redor do globo.
Daniela Bucci é doutora e mestra em Direitos Humanos pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). É professora de Direitos Humanos e coordenadora do Observatório de Violação de Direitos Humanos da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (ODHUSCS).