Morreu nesta quarta-feira, 5, aos 92 anos, a atriz Beatriz Segall (foto), conhecida por viver a icônica vilã Odete Roitman na novela Vale Tudo, de 1988, na Rede Globo. A informação foi confirmada pela assessoria da atriz ao jornal O Estado de S. Paulo.
Beatriz estava internada já há algumas semanas no hospital Albert Einstein, em São Paulo, com problemas respiratórios.
O velório será realizado na própria instituição a partir das 19 horas, até por volta do meio-dia da quinta-feira, 6.
Em seguida, no mesmo dia, o corpo da atriz deve ser cremado em Cotia, na Grande São Paulo.
Grande papel de Beatriz Segall foi a icônica vilã Odete Roitman
Nem que quisesse Beatriz Toledo Segall poderia interpretar personagens sem classes. Nascida, em 1926, numa família de classe média, o pai dirigia uma prestigiada escola no Rio e ela teve educação esmerada, segundo os padrões dos anos 1940 – piano, francês e bordado. Amava o teatro, mas quando anunciou à família que queria ser atriz, o pai quase teve uma síncope. Meninas de boa família não subiam ao palco, naquele tempo em que atrizes tiravam carteirinhas de prostitutas para exercer a profissão. Mas, nos 50, quando recebeu uma bolsa para estudar francês e literatura em Paris, não renunciou a nada.
No Brasil mesmo, já havia iniciado um curso de teatro com a grande Henriette Morineau. A temporada na França foi gloriosa – prosseguiu esses estudos, enamorou-se do filho – Maurício – do pintor Lazar Segall. Casaram-se em 1954 e tiveram três filhos – Sérgio, Mário e Paulo. O primeiro tornou-se um importante cineasta, assinando como Sérgio Toledo. Foi premiado em Berlim, em 1987, com Vera. Durante dez anos Beatriz permaneceu devotada à família, aos filhos. Em 1964, o ano do golpe militar, retomou a carreira, substituindo Madame Morineau na montagem de Andorra no Oficina, de José Celso Martinez Correia. Não parou mais. O marido pertencia à ALN, tendo sido preso e torturado. Beatriz teve de ser o arrimo da família nesse período difícil.
Brilhou em todas as mídias – no cinema estreou em 1950, com A Beleza do Diabo, de Romain Lesage. Não filmou muito, mas participou de filmes importantes – Cléo e Daniel, À Flor da Pele, Pixote, a Lei do Mais Fraco, Romance, Desmundo. Na TV, embora tenha participado de novelas de grande sucesso – Dancin Days, Água Viva, Pai Herói, Sol de Verão, Barriga de Aluguel, etc. – o grande papel foi como Odete Roitman, que virou emblema de autoritarismo e corrupção em Vale Tudo, novela de Gilberto Braga (com Aguinaldo Silva e Leonor Bassères) na Globo, em 1988, há 30 anos. Consagrada como vilã, sua personagem inspirou o mistério que, nem depois de solucionado – Quem matou Odete Roitman? -, deixou de inspirar humoristas e autores.
No teatro, entre muitíssimas personagens, em montagens que fizeram história – Os Inimigos, Marta Saré, O Inimigo do Povo, A Longa Noite de Cristal, O Interrogatório etc -, foi uma extraordinária intérprete de Edward Albee em Três Mulheres Altas, contracenando com Natália Thimberg e Marisa Orth na versão de 1995. Em 2009. recebeu do então governador José Serra a comenda da Ordem do Ipiranga.
Beatriz Segall exibia um talento múltiplo ao representar
Beatriz Segall exibia um talento múltiplo ao representar. “Ela disseca cada papel que interpreta”, disse o diretor Eduardo Tolentino em 2009, quando estreou Retratos Falantes. “Tem consciência das nuances de cada personagem”, completou Charles Möeller, que a dirigiu no musical Nine, em 2015. Mas, mesmo com talento reconhecido, Beatriz era sempre lembrada pelos papéis de mulheres dominadoras, implacáveis, eternamente mal humoradas. Em outras palavras, Odete Roitman.
A inesquecível vilã que interpretou na novela Vale Tudo, exibida em 1988 pela Rede Globo, e cuja morte atraiu audiência até o último capítulo quando foi revelado quem foi seu assassino, tornou-se uma incômoda marca. Beatriz passou a ser a rainha das vilãs. Só era lembrada para esse tipo de papel. Com isso, irritava-se e reagia como… Odete Roitman. A personagem que serviu como exemplo de sua vasta capacidade interpretativa assumiu o protagonismo artístico e deixou a própria Beatriz Segall na sombra.
Uma injustiça que, com o tempo, diminuiu mas não aplacou. Afinal, desde sempre, Beatriz tornou-se célebre em peças que tratavam de mulheres que enfrentavam a vida com sensibilidade sem autocomiseração e autodisciplina severa. Por trás da aparente rispidez daquela, havia um toque de solidão. Basta lembrar de sua delicada interpretação em Emily, peça baseada na vida da poetisa americana Emily Dickinson e dirigida pelo então pouco conhecido Miguel Falabella.
Sua disposição em trabalhar com jovens talentos ainda desconhecidos, aliás, tornou-a uma espécie de madrinha de importantes grupos, como o Tapa, dirigido por Tolentino e que a comandou na maravilhosa montagem de O Tempo e os Conways, de J. B. Priestley. Sabia também ser poderosa diante de uma novata (Marisa Orth) e outra colega igualmente veterana e tão grande como (Nathalia Timberg), na enigmática Três Mulheres Altas, de Edward Albee, dirigida por José Possi Neto em 1995.
Ciente de seu talento, Beatriz não convivia bem com defeitos, especialmente durante suas apresentações. Chegou a interromper uma representação para encarar um homem que atendia o celular. “Vamos esperar que ele termine a conversa”, disse ao público. Em outra oportunidade, presenciada por este repórter, também parou a encenação para reclamar do operador de luz. Para alguns, um ataque de estrelismo. Mas, quem conhecia um pouco daquela mulher, que largou momentaneamente a carreira em seu início para cuidar dos filhos, que abrigou perseguidos pela ditadura em sua casa, que estabeleceu uma programação de rara qualidade quando dirigiu o Teatro São Pedro ao lado do marido Maurício (período marcada por encenações memoráveis de Marta Saré, de Gianfrancesco Guarnieri e Edu Lobo, Frank V, de Friedrich Dürrenmatt, e À Margem da Vida, de Tennessee Williams), enfim, quem conheceu um pouco de Beatriz Segall sabia estar diante de uma senhora do palco.