
Uma atividade do curso de pós-graduação em Economia Política Mundial da UFABC (Universidade Federal do ABC) foi interrompida na terça-feira (13/10) por um ataque cibernético de cunho racista e pregando a violência contra mulheres e o nazismo. A atividade envolvia o lançamento do livro “A razão africana: breve história do pensamento africano contemporâneo”, do professor Muryatan Barbosa, e comentado pelo professor Flavio Francisco, e tinha como centro a questão racial.
Segundo a professora-doutora do curso de pós-graduação, e coordenadora da atividade, Maria Caramez Carlotto, apresentação virtual acontecia normalmente quando várias pessoas entraram na sala e acabaram tomando o controle da reunião e em seguida projetaram imagens de violência sexual e também de marcha nazista sobre Berlin. Essa não é a primeira vez que aulas online e debates em universidades são alvo deste tipo de ataque. Isso já aconteceu este ano durante um debate sobre movimentos negros na Universidade Federal da Bahia, que também acabou interrompido por conta de invasores que disseminavam conteúdo racista, e aconteceu também em Sorocaba, no interior de São Paulo, no mês de agosto, em uma aula de direito da faculdade Esamc, também com injúrias raciais publicadas no chat do aplicativo e publicação de imagens de apologia ao nazismo.
As imagens da invasão da atividade da UFABC não foram disponibilizadas pois integram o procedimento de apuração e foram entregues a autoridades federais. “As vítimas não somos nós os professores, nem os autores, nem quem participava, as vítimas são a Universidade Federal do ABC e o Estado brasileiro. A universidade tem como missão constitucional realizar debates sobre temas diversos com máxima liberdade, o que está garantido no artigo 207 da Constituição”, disse a professora Maria Caramez Carlotto.

Ela relatou que a princípio a reunião não seria pública, mas acabou aberta a todos, ou seja todas as solicitações de participação foram autorizadas. “Como os eventos são abertos eu autorizei todo mundo que me solicitou autorização, porque a gente divulgou em grupos, pois era lançamento de livro”, explicou. Quando os ataques começaram, um grupo de pelo menos dez pessoas havia entrado na sala de reunião virtual e tomou o controle da mesma. “Eu tentei fechar os microfones e removi algumas pessoas elas voltavam quase que ao mesmo tempo, foi muito rápido, depois de um determinado momento eu não conseguia mais controlar”, relembra.
A professora diz não acreditar em ataque aleatório, apenas como brincadeira com o intuito de acabar com determinada reunião. “Há uma corrente que acredita que não passa de um tipo de brincadeira de criança, eu não acredito nisso, porque existe um repertório muito comum em todas essas invasões, as cenas de pornografia, cenas de regimes totalitários de extrema direita, como o nazismo alemão, no nosso caso tinha uma marcha nazista e cenas de corpos sendo mutilados e fuzilados. Esse repertório se repete em todas as invasões. Também percebemos que as atividades relacionadas a gênero, sexualidade, marxismo, desigualdade social e principalmente a questão racial são os alvos prioritários. Tem uma espécie de caldo político com uma organicidade que possibilita essas invasões. Se isso vira uma moda, fere toda a liberdade constitucional e toda a sociedade perde”, conclui.
A professora, pedagoga e socióloga Regina Silva, vê com muita preocupação os ataques frequentes às universidades, e aos debates sobre gênero e raça. “O que aconteceu foi muito grave e não foi a primeira e, provavelmente, não será a última invasão violenta dos links de atividades com temática racial, de gênero ou outro tema ligado aos direitos humanos. Estamos vivendo momentos angustiantes e sombrios em que indivíduos ou pequenos grupos estão se sentindo à vontade para gritar seu ódio à diversidade de qualquer tipo e à luta contra todas as formas de desigualdade e violação de direitos”, analisa.
Regina Silva teme que esses grupos que praticam este tipo de crime cibernético se fortaleçam no ambiente virtual, ganhando cada vez mais espaço e partam para as ruas. “É um fato delicado e preocupante e que ocorre com invasão de links neste momento de pandemia. Qual garantia temos de que com o fim das medidas de distanciamento social e retomada dos debates e cursos presenciais essa violência não será física? Há como denunciar às autoridades competentes para que estas tomem providências enérgicas para coibir este tipo de ato? Não se pode permitir que atitudes como essa fiquem impunes. Não podemos pensar que são ações isoladas e que não há algum tipo de coordenação por trás. É importante levar a sério e que a Polícia Civil apure como crime virtual antes que esses atos, que já ameaçam indivíduos e grupos progressistas, acabem com os espaços democráticos de produção e troca de conhecimento”, conclui.
Denúncia
Em nota, a reitoria da UFABC, relata que vai fornecer o material que foi obtido na reunião para as investigações. A universidade classificou o fato como gravíssimo. “O constrangimento causado a nossa comunidade, assim como a tentativa de suprimir a liberdade de pensamento e o amplo compartilhamento dos saberes, não passarão despercebidos pela gestão da UFABC. No sentido de apurar os fatos e encaminhar as devidas medidas de responsabilização, a reitoria entrou em contato com a docente responsável pela organização do evento para prestar solidariedade, solicitar que sejam resguardadas as evidências do ataque e colocar à disposição todo aparato institucional para que a ocorrência seja rigorosamente apurada pelo Ministério Público Federal, Polícia Federal – instituições nas quais formalizou denúncia – e demais instâncias cabíveis”, diz o informe da reitoria.
A UFABC prepara também um guia para a segurança das transmissões virtuais e fez um apelo para a resistência e denúncia deste tipo de atividade. “Seja em seus espaços físicos ou nos virtuais, a universidade pública permanece resistente a todo e qualquer ataque que interfira na construção coletiva do conhecimento e na autonomia universitária. Conclamamos à comunidade UFABC para que permaneça atenta no combate e na denúncia de crimes racistas, homofóbicos, xenófobos ou quaisquer outros discursos que incitem ao ódio, à violência, que ataquem a democracia e a pluralidade ou perturbem as atividades acadêmicas da universidade”, conclui a nota.