A cantora Vanusa morreu aos 73 anos, na madrugada deste domingo, 8, em uma casa de repouso onde estava internada em Santos, no litoral de São Paulo. A causa da morte foi registrada como insuficiência respiratória. Nos últimos meses, Vanusa esteve internada em um complexo hospitalar.
Fã de música desde criança, Vanusa Santos Flores nasceu em 22 de agosto de 1947 em Cruzeiro, no interior de São Paulo, mas foi criada nas cidades de Uberaba e Frutal, em Minas. Ainda adolescente, tornou-se cantora de um grupo de rock ao estilo da Jovem Guarda. O empresário Sidney Carvalho viu uma apresentação da banda, gostou, e colocou Vanusa em atrações da extinta TV Excelsior, como Os Adoráveis Trapalhões, programa liderado por Renato Aragão e Dedé Santana. Em 1968, ela gravou o primeiro álbum, chamado Vanusa, com o sucesso Pra Nunca Mais Chorar, de Carlos Imperial e Eduardo Araújo.
Este trabalho de estreia tem algo incomum para a época: uma intérprete feminina que também dá voz às próprias composições. Das 12 faixas, quatro são assinadas por Vanusa. Uma delas, o blues Negro, merece atenção por estar antenada à luta antirracista impulsionada por Martin Luther King, assassinado justamente no ano em que o disco saiu.
Considerado o trabalho psicodélico de Vanusa, por conta da capa e sonoridade, Vanusa (1969) é exemplar da ousadia da cantora, que mostra a extensão da voz em uma versão explosiva do clássico Sunny, de Bobby Hebb. No mesmo período, conhece o cantor Antonio Marcos e se casa com ele em 1972. O romance – e as atribulações – do casal ocuparam espaço relevante na imprensa de celebridades do momento, como a revista Sétimo Céu.
Ao trocar a gravadora RCA pela Continental, Vanusa dá início ao período de maior sucesso popular com a música Manhãs de Setembro, dela e de Mário Campanha. O produtor Wilson Miranda não acreditava no sucesso comercial da faixa e queria deixá-la de fora do repertório do disco que a cantora estava gravando em 1973. Vanusa fez pressão, venceu a batalha e a balada desencantada e ao mesmo tempo esperançosa foi para o topo das paradas de sucesso. O álbum também conta com What To Do, comparada nos últimos anos a Sabbath Bloody Sabbath, clássico da banda de heavy metal Black Sabbath – a de Vanusa saiu meses antes.
A carreira de Vanusa estava no auge com a repercussão da música Sonhos de Um Palhaço quando ela decidiu se separar de Antonio Marcos, em 1975. “Chegou a hora de você escolher: ou a nossa vida ou o seu scotch”, disse ela depois de ouvir uma das duas filhas do casal dizendo que não queria ir para a escola porque os colegas diziam que o pai dela era bêbado. “Nunca vou parar de beber”, respondeu Marcos. A frase entristeceu profundamente a cantora, que naquele momento tentava fazer uma transição para a elite da MPB com Amigos Novos e Antigos (1975), seu melhor disco, com faixa-título composta por João Bosco e Aldir Blanc, além de inéditas de Belchior (Paralelas, em versão antológica), Luiz Melodia (Congênito) e Fagner (Coração Americano, com Marcos).
No álbum seguinte, Vanusa 30 Anos, ela voltou a se aproximar de grandes compositores, que lhe deram material em primeira mão. Caetano Veloso fez Duas Manhãs, mas as faixas de maior repercussão foram Estado de Fotografia, que fez parte da trilha sonora da novela O Astro (1977) e Avôhai, de um ainda iniciante Zé Ramalho. O disco foi produzido por Augusto César Vanucci, diretor da TV Globo que foi o segundo marido da cantora. Os dois são pais de Rafael Vannucci.
Vanusa fez discos de repercussão modesta até o meio dos anos 1990 e se manteve na estrada. Em 2007, o produtor Thiago Marques Luiz tentou viabilizar um show de Vanusa ao lado de Belchior. Ofereceu o projeto a várias casas, mas nenhuma se interessou.
Em uma cerimônia na Assembleia Legislativa de São Paulo, em agosto de 2009, ela foi convidada a interpretar o Hino Nacional. Na hora de cantar, atrapalhou-se com os versos e trocou palavras. O ato foi filmado e o vídeo viralizou como se fosse uma peça de humor involuntário. Na época, Vanusa explicou que tomou um remédio para labirintite e ficou tonta na hora da apresentação.
O episódio causou feridas emocionais à cantora, que pensou em desistir da carreira, entrou em depressão e teve Síndrome do Pânico. “Foi uma maldade de quem fez, de quem retirou aquela gravação da Assembleia. Eles cortaram a parte inclusive em que eu desmaiei depois de cantar. Eu comecei a cantar e não sabia mais o que estava fazendo, e pouca gente sabe ainda que eu desmaiei. Mas olha só: com essa história do Hino Nacional, até as crianças de 5 anos passaram a me conhecer”, lembrou ela em entrevista ao Estadão em 2015.
Naquele ano, ela gravou o último disco da carreira, idealizado e produzido por Zeca Baleiro. Em Vanusa Santos Flores (2015), a cantora fez releituras de Angela Ro Ro (Compasso), Vander Lee (Esperando Aviões), Zé Ramalho (O Silêncio dos Inocentes) e até apresentou uma parceria com Baleiro, Tudo Aurora. Nos shows de lançamento no Sesc Pompeia, Vanusa estava feliz por ocupar novamente um palco nobre e reencontrar o pianista e arranjador Sérgio Sá (1953-2017), com quem compôs o hit Mudanças. O álbum ficou como o testamento de uma cantora que, até mesmo em momentos difíceis, fez sua voz valer.
Artistas e outras personalidades lamentam a morte de Vanusa
Familiares, artistas e outras personalidades usaram seus perfis nas redes sociais para homenagear a cantora Vanusa, morta na madrugada deste domingo, 8, em uma casa de repouso em Santos, no litoral de São Paulo.
Aretha Marcos, filha da cantora com o músico Antônio Marcos (1945-1992), compartilhou no Instagram uma foto antiga dos pais, e escreveu: “O amor é impossível. Hoje, aniversário do meu pai, Antônio Marcos, ele veio buscar minha mãe para viverem juntos na eternidade”. Em outra postagem, Aretha agradeceu àqueles que ofereceram “conforto e afeto” à família.
“Uma das principais características de Vanusa enquanto artista e mulher foi estar sempre a frente de seu tempo. Ela abriu muitos caminhos, era forte, rompeu com muitos padrões e exerceu de forma brilhante seu ofício e sua arte”, escreveu a cantora Fafá de Belém em sua conta na mesma rede social.
Na publicação, Fafá ainda criticou a “chacota” feita com Vanusa após a circulação de um vídeo em que ela se atrapalha ao cantar o Hino Nacional, ressaltando que a sua morte é uma oportunidade para as pessoas refletirem sobre a “responsabilidade por aquilo que postam”.
O músico Zeca Baleiro mencionou o mesmo episódio na homenagem que fez à cantora em sua página no Instagram, na qual postou uma foto dando um beijo em sua cabeça. “Certo dia convidei a Vanusa pra ir no meu estúdio e lá falamos sobre a possibilidade de fazermos um CD novo. Ela ficou muito feliz. Ela é uma cantora muito importante na história recente da nossa música popular, e depois daquele episódio do Hino, precisava da volta por cima. Levamos dois anos trabalhando na feitura do CD, que levou seu nome completo: Vanusa Santos Flores. Ela era uma pessoa doce e foi uma grande aula trabalhar com ela. Viva Vanusa!”.
No Twitter, o músico Buchecha escreveu: “descanse em paz, rainha Vanusa, que Deus te receba de braços abertos e ampare aos seus familiares aqui”.
“Grata por encantar nossa música”, declarou a cantora Angela Ro Ro, compartilhando um vídeo da interpretação feita por ambas e por Ricardo Mac Cord da música Compasso.
A apresentadora Sarah Oliveira resgatou uma postagem que já havia feito em setembro, em que desejava “força e proteção” à cantora, a quem definiu como “roqueira avant garde total”, por sua interpretação da canção What to Do.
A cantora e apresentadora Mara Maravilha publicou um vídeo antigo em que aparece em um camarim ao lado de Vanusa e desejou condolências à família.
“Você foi minha inspiração como mulher. Independente, determinada, livre”, afirmou Gretchen em seu Instagram.
O ator Lucio Mauro Filho, por sua vez, exaltou a “voz poderosa” da cantora, que, em suas palavras, “frequentou da Jovem Guarda á Soul Music, sem nunca abrir mão do romantismo”.
“Vanusa foi uma inspiração pra mim, era uma das artistas que eu sempre ouvia em casa através da minha Mãe”, afirmou o cantor Daniel pelo Twitter.