Especialistas e ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) defendem a antecipação da data de registro de candidatura como uma possível solução para evitar que cidades comecem o ano sem o prefeito eleito no cargo. Atualmente, o prazo de registro é 15 de agosto, mas propostas sugerem trazer o calendário para o início de junho.
“O tribunal julga os casos com muita rapidez. Mas, pelo volume atual, é quase desumano, embora sejam reconhecidos os esforços do Judiciário”, disse Maíra Recchia, advogada e secretária-geral da comissão de direito eleitoral da OAB-SP. “É prudente antecipar os prazos de candidaturas para que se tenha tranquilidade na condução dos julgamentos e para que decisões não sejam utilizadas como propaganda eleitoral.”
O advogado e professor de direito Denilson Alves de Oliveira afirma que o cenário de indefinição é um empecilho para todos os municípios, sobretudo em um momento como o atual, de pandemia. “Existe um prejuízo diante da falta de estruturação para se enfrentar um momento tão crítico como esse. Como um prefeito interino vai fazer um planejamento sem saber o tempo que estará à frente do comando da cidade?”
O TSE afirmou, em nota, que o julgamento de processos relativos ao registro de candidaturas é uma das principais preocupações da Corte.
Em conversa com parlamentares do Grupo de Trabalho instituído pela Câmara dos Deputados para discutir atualizações da legislação eleitoral, o presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, apontou dois caminhos possíveis para o problema: a antecipação da data do registro das candidaturas ou a criação de um sistema de pré-registro de candidatura em que candidatos possam apresentar ao juízo competente sua documentação, mesmo antes da convenção partidária, abreviando o procedimento após o registro da candidatura.
A antecipação, porém, não reduziria a zero os casos de eleitos sub judice, disse Michel Bertoni Soares, especialista em direito eleitoral. “As ações sobre ilícitos eleitorais, que são aqueles ocorridos durante o processo eleitoral, podem ser propostas até a data de diplomação dos eleitos ou depois de 15 dias, a depender do caso. Então, continuaria aberta a possibilidade de realização de novas eleições em virtude da cassação de registro ou diploma.”
Suspensas
Segundo o TSE, 17 cidades chegaram a marcar eleições suplementares, mas precisaram suspender por causa do agravamento da pandemia. Hoje, cinco municípios têm data para o pleito. No ano passado, a gravidade da pandemia e os riscos à saúde pública em caso de novas eleições fizeram o TSE decidir por manter prefeitos cassados no cargo. Um mês depois, a Corte mudou de posição, diante da hipótese de realizar eleições indiretas.
Cidades estão sem prefeito em plena pandemia

O prefeito e o interino de São Caetano são aliados, o que contribui para menos mudanças na administração. O interino Tite Campanella (Cidadania) assumiu o plano de governo do prefeito reeleito (mas não empossado, José Auricchio Jr., do PSDB ) e manteve quase toda a equipe. “Numa posição de interinidade, o mais inteligente é saber que aquele mandato não te pertence” , afirmou. Auricchio Jr. afirmou aguardar a decisão da Justiça “com serenidade”. Ele foi condenado em segunda instância pela captação ilícita de recursos de campanha no pleito de 2016 e, por meio de nota, disse ser inocente.
“Fui dormir vereador e acordei prefeito.” Foi assim que Márcio Gley, conhecido como Chaveirinho (PT), resumiu a mudança repentina de cargo na cidade que hoje governa interinamente. Barreira (CE), com pouco mais de 20 mil habitantes, esperava começar o ano sob a gestão de Dra. Auxiliadora (PSD), mas as pendências da chapa eleita com a Justiça impediram a diplomação e a posse em 1º de janeiro. O que ninguém esperava era que o primeiro interino a assumir a Prefeitura renunciasse com apenas 30 dias à frente do cargo.
Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), assim como Barreira, pelo menos outras 64 cidades do País ainda não sabem quem vai comandar a administração pelos próximos anos. Enquanto os eleitos em 2020 já cumpriram os emblemáticos primeiros 100 dias de gestão, esses municípios são comandados pelo presidente da Câmara Municipal, ou, em sua ausência ou renúncia, pelo vice, como aconteceu com Chaveirinho. Isso ocorre porque a chapa vencedora foi impugnada, e novas eleições serão realizadas, ou porque o eleito ainda não foi confirmado por pendências com a Justiça.
Ainda que o número de cidades governadas interinamente seja pequeno diante dos 5570 municípios do País, na prática a indefinição é uma enorme pedra no sapato na execução de qualquer programa ou política pública e no planejamento de ações de médio de longo prazo, sobretudo em meio à pandemia de covid-19.
Funcionários em falta. Em Petrópolis (RJ), a pendenga jurídica faz faltar mais do que um prefeito definitivo. A cidade precisa contratar servidores nas áreas de Saúde e Educação, mas o titular interino, Hingo Hammes (DEM), não pode.
Acontece que ele pretende disputar o novo pleito, ainda sem data marcada, e está sujeito às restrições típicas de quem disputa a eleição no cargo. “Temos uma dificuldade de contratação de funcionários da Saúde, principalmente médicos. Poderia fazer um concurso público, mas não posso por conta da questão eleitoral. Estaria me beneficiando, e a Justiça pode entender dessa maneira. O mesmo vale para a Educação.”
Hammes assumiu o posto até que a Justiça Eleitoral decida sobre a candidatura de Rubens Bomtempo (PSB), eleito, mas condenado por improbidade administrativa em atos praticados quando dirigiu o município entre 2005 e 2008. “Tenho a mesma autonomia de um prefeito eleito. Mas o que peca muito é o planejamento. Não dá para planejar nada a longo prazo”, afirmou Hammes.
O prefeito interino de Petrópolis optou por mudar praticamente toda a equipe de secretários do antigo titular, Bernardo Rossi (PL). As alterações no primeiro e segundo escalões do governo causam mais tensão quando o interino e o eleito são de grupos políticos diferentes, como ocorre em Petrópolis. “Pode se ter uma descontinuidade em vários projetos. Além disso, essa troca de secretários faz com que se perca recursos e também tempo, em função de toda a burocracia. E em um momento como o atual, o tempo é importante para salvar vidas e dar assistência à população”, afirmou Ursula Peres, pesquisadora do Centro de Estudos da Metrópole da ECA-USP.
Para Bomtempo, o eleito sub judice, a condição atual é “bastante prejudicial” para a cidade. Ele diz ser inocente e confiar na Justiça. Esse prejuízo é consenso entre o prefeito interino, o eleito e a Câmara. Segundo o vereador Marcelo Lessa (Solidariedade), o que Petrópolis mais precisa, hoje, é de uma “definição política”: “Todo mundo sai perdendo”.
Despreparo
No caso de Barreira, mais do que rivalidades ou alianças, o desafio foi o despreparo. O primeiro interino a assumir, João Carlos do Sindicato (PSD), renunciou após um mês. Na despedida, afirmou que “foi eleito para ser vereador”. Procurado pelo Estadão, não foi localizado. A jornais locais, ele admitiu ter tido dificuldades para exercer a função.
Chaveirinho, então presidente da Câmara (no lugar de João Carlos), assumiu a cadeira. “Eu não estava preparado para assumir, principalmente na pandemia. Me preparei para ser vereador”, afirmou. Passado o susto, ele tem buscado ajuda de especialista: “A grande dificuldade é gerir os recursos municipais”. Para ele, a indefinição eleitoral afeta profundamente a cidade. “Hoje está faltando médico. Não consegui contratar porque os profissionais têm receio de vir e ter uma troca de gestão. Tentamos passar confiança para o servidor e a população, mas meu desejo é que a eleita volte para a cadeira dela e eu para o cargo de vereador”, disse Chaveirinho.