
O ABC é classificado como uma das áreas mais importantes do Estado quanto ao monitoramento de desastres, como deslizamentos e enchentes. Entre 1999 e 2018 a região registrou 10.644 ocorrências, o que representa 76% dos acidentes geológicos no Estado, segundo o Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais). Por isso, em 2021 foram instaladas, em seis das sete cidades, 15 plataformas de coleta de dados geotécnicas, as PCDs geotécnicas, que geram e transmitem dados em tempo real sobre volume de água no solo. Mas os mapas e o perfil da população que vive nestas áreas de risco estão desatualizados há pelo menos 10 anos.
Para o geólogo, professor e coordenador do LabGris-UFABC (Laboratório Gestão de Riscos – da Universidade Federal do ABC), Fernando Rocha Nogueira, os municípios estão com seus mapas de risco desatualizados e isso deixa, para as equipes de Defesa Civil municipais o papel de agir quando os acidentes geológicos já aconteceram. “O conhecimento do risco só não basta, é preciso um acompanhamento permanente. Mas os planos de risco estão desatualizados. Os planos preventivos que foram criados pelo IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) nos anos 1980 é cada vez mais mal aplicado. Quando se chega a 70 milímetros de chuva acumulada em 72 horas já é uma alerta, a partir desse ponto já é alta a possibilidade de deslizamento, então não tem de esperar cair, o único jeito de prevenir desastres é se antecipar”, adverte.
Rio Tamanduateí
O professor da UFABC diz que hoje muitos dados deixaram as ações da Defesa Civil longe do trabalho de campo. “O trabalho não pode ser só atrás do computador, tem de estar na rua para avaliar os riscos. Tem de ter a gestão, maus exemplos não faltam; ninguém fecha, por exemplo, a avenida do Estado quando o Tamanduateí começa a encher, a CET não fecha o trânsito e depois tem de usar helicóptero para resgatar pessoas ilhadas em cima dos carros. Eu fico espantado com as ações de emergência nas cidades do País. É preciso cada vez mais planejamento e ações alternativas nessa conjuntura de crise climática. Esse é um desafio que as cidades têm que encarar. Em Petrópolis (RJ) choveu 250 milímetros em três horas, imagine isso em São Bernardo, por exemplo. Tem de ter coragem de enfrentar esse cenário”, afirma.
No ambiente acadêmico mudanças para os futuros profissionais também são outros desafios. “É difícil mudar, mas o clima, a pandemia, e outros fatores provam que as fórmulas antigas não vão funcionar mais. É preciso enfrentar esse cenário novo ou as cidades vão perecer”, completa Fernando Rocha Nogueira.

Caminho do alerta
Regina Alvalá, coordenadora de Relações Institucionais e diretora-substituta do Cemaden diz que, no momento, mais do que o aparelhamento da Defesa Civil dos municípios, é preciso que haja perenidade destas equipes. “A cada quatro anos muda a gestão das prefeituras e as equipes também. Além disso, é preciso um investimento maior nesta área. O Cemaden não dispara o alerta diretamente ao município, primeiro ele vai para Brasília, no Cenade (Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres) e ele é que dispara o alerta para as cidades”, explica.
A diretora conta que os dados colhidos pelo Cemaden em 1.038 municípios que são monitorados, entre eles todo o ABC, foram cruzados com as informações populacionais, para saber como é a composição das famílias que vivem nestes locais. “Isso é para saber o percentual da população mais vulnerável como crianças e idosos. O problema é que esse levantamento, que foi feito junto com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), tem como base o censo populacional de 2010. Esperávamos atualizar as informações com o censo de 2020 que não aconteceu e em 2021 também não, estamos esperando para atualizar esses dados. Precisamos conhecer a população e saber quantos ocupam estas áreas”, diz.
Cidades
A Prefeitura de Rio Grande da Serra não quantifica quantas são as famílias que vivem em áreas de risco, mas informa que são monitorados pontos com perigo de deslizamento no Jardim Guiomar, Parque do Governador e na Vila São João. “Em virtude das chuvas intensas no início deste ano, houve deslizamentos na rua José Carlos Pace (bairro Pedreira), na rua Leopoldo (bairro Santa Tereza) e na avenida José Belo (bairro Pedreira). A Prefeitura tem buscado recursos junto ao Estado para realização de obras de contenções de encostas”, diz a nota.
São Bernardo é a cidade que tem os números mais atualizados. O município possui 126 áreas de risco de acordo com o Plano Municipal para Redução de Riscos, produzido em 2021. “O estudo foi atualizado por meio de convênio com o Ministério do Desenvolvimento Regional em parceria com a UFABC. Todos os pontos são monitorados regularmente, em especial, neste período de fortes chuvas. Para auxiliar este trabalho, foi lançada no começo de dezembro a Operação Pé D’Água, que visa minimizar o impacto das chuvas de verão, por meio de mutirões preventivos de informação e de planos de ação para eventos como escorregamentos, alagamentos e inundações”, informa a Prefeitura ao ressaltar que, ainda, há pacote de investimentos para o combate a enchentes que, em cinco anos, resultou em aporte financeiro superior a R$ 500 milhões na execução de obras estruturantes, como o Piscinão do Paço, contenções de encostas e canalização de córregos.
Diadema
Diadema informa que monitora 10 áreas de alto risco de deslizamentos, onde vivem 1.500 famílias. “Junto a essas famílias são feitas constantes ações de monitoramento e orientação para casos de alerta e sobre os perigos de construções em áreas de perigo. Também está em curso processo de organização de Nupdecs (Núcleos de Proteção e Defesa Civil), com treinamento de voluntários nas comunidades”, informa. Além da estrutura da Defesa Civil a cidade conta com rede de pluviômetros por toda a cidade e um sensor de monitoramento do nível de água do Ribeirão dos Couros, numa parceria com Consórcio Intermunicipal, e um sensor de movimentação de massa (em parceria com o Cemaden). A última verba que a cidade recebeu para a prevenção de deslizamentos veio por meio do PAC Encostas, em que o governo federal liberou R$ 1,2 milhão neste ano.
Santo André informa que, anualmente, coloca em prática o POCV (Programa Operação Chuvas de Verão), que realiza um planejamento de contingência para o período de chuvas que vai de 1º de dezembro de 2021 a 15 de abril de 2022. “O programa traça protocolos para resposta rápida e integrada a emergências causadas por chuvas intensas. A Defesa Civil, em conjunto com diversas secretarias, interditou 191 imóveis em locais com alto potencial de deslizamento de terra desde dezembro do ano passado, quando teve início o POCV. As interdições ocorreram no Jardim Irene, Parque Miami, Morro do Kibon, Cata Preta e, as últimas intervenções, aconteceram no Jardim Santo André. Todas as áreas de risco são monitoradas e as ações de remoção de famílias continuam de forma constante”, diz o informe.
Enchentes
Em São Caetano não há áreas classificadas como de risco para deslizamentos, o problema maior é com enchentes. “As áreas de alagamento estão na avenida Guido Aliberti, principalmente nas imediações do Cemitério Vertical, rua Justino Paixão e Estrada das Lágrimas. Na entrada do município, pela avenida Almirante Dellamare, também dificulta o trabalho, apesar de ser área de São Paulo, o trânsito fica carregado. As ruas Lisboa e São Jorge, juntamente da avenida Fernando Simonsen, requerem muita atenção. As ruas dos bairros Fundação e Prosperidade necessitam de atenção dobrada, pois fazem encontro com o rio Tamanduateí e, dependendo do nível d’água, o perigo de alagamento nas residências é inevitável. As águas do Córrego dos Meninos se encontram com as águas do Tamanduateí. A lâmina d’água atinge as tubulações das galerias, retorna pela rede de esgoto e alaga vias e residências”, enumera a Prefeitura que relata também a manutenção regular nas galerias e bocas de lobo e limpeza das grades dos piscinões.
A Defesa Civil de São Caetano se utiliza, também, do CGE (Centro de Gerenciamento de Emergências), onde foram instaladas Réguas Linimétricas ou Fluviométricas para acompanhamento em tempo real do nível de drenagem e extravasamento do Tamanduateí e Córrego dos Meninos. “Com esses equipamentos é possível avisar todos os moradores sobre possíveis alagamentos e até onde a altura dessas águas pode alcançar”, diz a nota da Prefeitura.
Mauá não respondeu aos questionamentos do RD sobre a atuação quando as áreas de risco. A cidade tem histórico de fatalidades em áreas de deslizamentos. Segundo a Defesa Civil estadual, em levantamento feito em 2020 a cidade tinha 195 áreas para avaliação, 169 referentes aos processos de escorregamento e 26 referentes a inundação. Rio Grande da Serra também não respondeu ao questionamento da reportagem.