
Programas de habitação popular são uma das medidas do poder público, na tentativa de atender a demanda e evitar ou regularizar a instalação de famílias em locais inapropriados. No ABC, está prevista a construção de 911 habitações populares, somente em 2022, por meio de convênios entre os governos federal e estadual e as prefeituras de São Bernardo, Rio Grande da Serra e Diadema.
Em fevereiro, São Bernardo assinou convênio com o governo estadual para a construção 236 apartamentos, em área doada chamada Monte Sião. As obras serão executadas pela Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), empresa vinculada à Secretaria de Estado da Habitação. O empreendimento terá duas torres residenciais com 118 unidades cada uma. Os apartamentos terão 51,72 m² de área útil com dois dormitórios, sala, cozinha, banheiro e área de serviço. Serão investidos R$ 42,4 milhões, dos quais R$ 35 milhões serão aportados pela CDHU e R$ 7,4 milhões pelo município.
A demanda a ser atendida será indicada pela Prefeitura e atenderá famílias da região. O financiamento das moradias seguirá os critérios da CDHU e as novas diretrizes da Política Habitacional do Estado, com juros zero para moradores com renda mensal de até cinco salários mínimos, o que garante praticamente o mesmo valor durante os 30 anos de contrato, que recebe reajuste apenas do IPCA (índice nacional de preços ao consumidor amplo, que mede a inflação de um conjunto de produtos e serviços comercializados no varejo, referentes ao consumo pessoal das famílias).
Desde 2017, São Bernardo promove projeto de urbanização integrada que envolve a consolidação de moradias, recuperação ambiental, produção de unidades habitacionais, trabalho social e regularização fundiária. Juntos, os projetos habitacionais beneficiam mais de 25,8 mil famílias e demandam investimentos de mais de R$ 1,16 bilhão, destinados a cerca de 20 bairros, como Areião, Monte Sião, Sabesp, Vila dos Estudantes, Parque Imigrantes, Sítio Bom Jesus, Vila Esperança e Jardim Silvina.
Em áreas de risco
Outra cidade que também possui parceria com a CDHU é Rio Grande da Serra. Para 2022, o município prevê a construção 234 unidades habitacionais para atender famílias que estão em ocupações irregulares em áreas públicas ou de risco. A Prefeitura não informa o número de famílias que serão beneficiadas. O projeto está em análise junto ao Graprohab (Grupo de Análise e Aprovação de Projetos Habitacionais), do governo do Estado, que investirá R$ 46 milhões na construção das moradias.
Em Diadema, 354 moradias serão construídas na avenida Prestes Maia. O projeto está em processo de licitação pelo governo estadual e a previsão de início das obras é para o primeiro semestre deste ano. Em 2021, foram construídas 82 unidades, entregues ao Núcleo Krones (Naval), região de Piraporinha. Cada moradia (sobrado) tem 62 metros quadrados, com dois dormitórios, sala, cozinha, área de serviço e banheiro, além de sacada.
No projeto também constou a urbanização do bairro, com implantação de rede de água e esgoto, pavimentação de ruas e iluminação com lâmpadas de LED nas vias públicas. Foram investidos mais de R$ 10,7 milhões, sendo cerca de R$ 5,6 milhões destinados para a construção de moradias e R$ 5,1 milhões para as obras de urbanização. Do total, cerca de R$ 5,4 milhões de repasse federal e contrapartida municipal de mais R$ 5,2 milhões.
Diadema
Ainda para 2022, Diadema prevê a construção de outras 77 moradias no núcleo Yamberê, na região do Jardim Inamar, como parte do PAC Beira Rio, além de mais cinco unidades do tipo embrião (com um pavimento para ampliação posterior) no núcleo Inverno-Verão e outras cinco no núcleo Beira Rio.
O arquiteto Luiz Felipe Xavier, professor e pesquisador da Conjuscs (Carta de Conjuntura da USCS – Universidade de São Caetano do Sul) explica que as políticas habitacionais foram criadas no âmbito federal, estadual e municipal, em diferentes momentos, por meio da produção de moradias, programas e subsídios à construção, para dar conta do déficit habitacional no País. A luta pela reforma urbana, dada pelos movimentos sociais que agitaram o País entre 1960 e 1980, culminou na Constituição Federal, em 1988. “Nela são estabelecidos parâmetros e diretrizes da política urbana no Brasil, que indica instrumentos para que os municípios possam intervir no processo de planejamento e gestão urbana e territorial, a fim de buscar a realização do direito à cidade, tão sonhado pelas pessoas que ainda não encontraram seu lugar”, afirma.
Além da construção de habitações
A discussão sobre programas governamentais que atendam o déficit habitacional é ampla e complexa. Para Xavier, as formas e abrangência de atendimento são insuficientes para dar conta da demanda habitacional e da produção de bens e serviços públicos. Diz que isso não só acontece no ABC, mas em todo o Brasil. Isso se deve por conta da construção histórica do espaço urbano, pautada na narrativa da abundância da escassez do sistema capitalista. “Tratar do tema habitação, portanto, exige diferentes formas de atendimento, abordagens, recursos além dos praticados pelos municípios, pois as necessidades da população extrapolam os limites do espaço físico da moradia”, comenta.
Para tratar das questões que envolvem a função social da propriedade, o ABC busca diferentes modalidades de atendimento para a questão habitacional. Em Diadema, além da construção de moradias, oferece programa de regularização de imóveis para moradores de núcleos, conjuntos e loteamentos irregulares; regularização fundiária; bem como ações de melhorias urbanas e o programa Viva Melhor, que promove reforma de moradias dos núcleos habitacionais. Em 2022, o Viva Melhor prevê beneficiar 500 famílias.
Em Santo André, para diminuir o déficit habitacional, a cidade trabalha com a plataforma Sihab (Sistema Integrado de Habitação), que reúne programas municipais, estaduais e federais. Dessa forma, a cidade acredita atender de forma mais eficiente a população que necessita de moradia, principalmente com renda de até três salários mínimos, grande parte dos 39 mil inscritos no sistema, em intervenções de urbanização para famílias que estão em aluguel, moram de favor ou em cortiços.
A cidade trabalha com a modalidade para Habitação de Interesse Social (HIS), com incentivos fiscais e flexibilidade urbanística, voltado a investimento de empreendedores privados. Outra modalidade é a HMP (Habitação de Mercado Popular) com menores incentivos, mas que atinge moradores com renda entre 6 a 10 salários mínimos.
Qualidade de vida
Xavier aponta que a busca por moradia se transforma em uma disputa territorial nas cidades e engloba questões que vão além do espaço onde morar. Incluem também o acesso aos bens e serviços públicos, que precisam coexistir no território e devem permitir que as pessoas consigam ter qualidade de vida, para produzir e se reproduzir socialmente. “A habitação não é descolada da educação, saúde, esporte, lazer, transporte, emprego e outras necessidades. O local da moradia tem de ser bem localizado e suprido de infraestrutura, bens e serviços públicos, de forma que as pessoas não sofram grandes deslocamentos para realizar suas atividades”, defende o arquiteto.
Ainda há outras questões que devem ser vistas, quando se fala em déficit habitacional. Para o pesquisador da USCS, a construção e constituição histórica do espaço urbano e metropolitano, onde a habitação e outros bens e serviços públicos, que deveriam ser encarados como direito humano, não são acessíveis ao trabalhador, evidencia o quanto o desenvolvimento, a partir do subdesenvolvimento, produz (e reproduz) desigualdades sociais, urbanas, territoriais e ambientais. “Se não tocamos em questões como distribuição de riquezas, não fazemos com que a terra urbana cumpra sua função social e continuaremos a reproduzir esta máquina de moer gente para manter um padrão de consumo para poucos”, afirma. “É preciso enfrentar esta forma histórica que temos experimentado para que não haja tanta casa sem gente e tanta gente sem casa”, finaliza.
Desabrigados
São Caetano informa que providencia desapropriação de áreas privadas e regularização fundiária para a implantação de conjunto habitacional pela CDHU. O empreendimento vai atender, prioritariamente, moradores atingidos pelo desmoronamento e posterior demolição do Edifício Di Thiene, no bairro Fundação. A Prefeitura não informa o valor previsto para a construção das moradias, a quantidade ou número de famílias atendidas.
Ribeirão Pires e Mauá não deram informações sobre programas habitacionais até o fechamento desta matéria.