O transtorno do estresse pós-traumático surge quando uma pessoa não consegue lidar com a memória de uma situação traumática e revive essa situação e ponto da ansiedade e do pânico começarem a atrapalhar sua vida. Se não tratado o transtorno pode levar a uma situação mais grave, a depressão. O médico psiquiatra Cyro Masci, falou ao RDTv sobre os sintomas desse tipo de transtorno e como identificar e prevenir.
“Os traumas emocionais ficaram muito conhecidos em épocas de guerra. Durante o depois da guerra você tinha, tanto a população civil, como os próprios soldados apresentando um quadro de trauma emocional que muita gente chamava de neurose de guerra. O nome que a gente usa é transtorno do estresse pós-traumático, que acontece com pessoas que foram expostas direta ou indiretamente a situações traumáticas, como presenciar ou sofrer um acidente, ou mesmo com familiar próximo, ou ainda um episódio de violência ou agressividade pode levar a esse transtorno”, explica o especialista.
Segundo Masci muitos profissionais de saúde também vivenciam esse o transtorno de tanto tratar isso nos pacientes, isso se chama transtorno do estresse pós-traumático vicariante. “São pessoas que não estavam no ambiente traumático, mas que tratavam muita gente, e então começaram a apresentar os mesmos sintomas dos seus pacientes. Ou seja, não é necessário estar presente na situação traumática, se conviver com pessoas que têm esse transtorno, pode desencadear. A exposição em redes sociais, ou em televisão de vídeo agressivo, com muita violência, também pode desencadear esse estresse pós-traumático”, explica.
Tratamento
Todos passam por situações difíceis na vida, perdas, luto, mas a vida deve seguir normalmente. Com as pessoas que vivem o estresse pós-traumático a vida fica presa ao fator que desencadeia os sintomas. “No estresse pós-traumático existe uma mudança no cérebro, em vez daquela lembrança ir para a memória do passado, ela fica no presente. Qualquer gatilho, ou mesmo do nada, a pessoa volta com a memória e principalmente volta a reviver as situações daquele trauma. São sintomas de ansiedade, muito cumulativos. Quanto a memória vem, ela vem com tudo e isso pode acontecer quando passo por um lugar, ou tive um assalto, ou familiar que veio a falecer, aí eu passo naquele endereço e começo a passar muito mal, crises de ansiedade aguda, crises de pânico mesmo” explica o especialista.
O psiquiatra é o profissional que deve ser consultado. Segundo Cyro Masci existem diferentes terapias para tratamento. “Temos a terapia comportamental cognitiva e o EMDR (Eye Movement Dessensitization and Reprocessing) é a dessensibilização pelo movimento dos olhos, pela sigla em inglês. A terapeuta descobriu que o movimento dos olhos acontecia quando o paciente estava reprocessando essa memória e ela percebeu que se tiver estímulo dos dois lados do cérebro, que pode ser visual, auditivo ou táctil, enquanto se dirige de maneira técnica o paciente a voltar aquele episódio traumático, se pode mudar a concepção de ‘aquilo ainda está acontecendo’ para ‘isso já passou’”, explica.
De acordo com o psiquiatra não são todos que passam por situações traumáticas que vão desenvolver o estresse pós-traumático. Há os que usam o trauma como experiência e saem mais fortalecidos desta experiência. “Essas pessoas têm um crescimento pós-traumático, pessoas que atribuem um sentido filosófico, existencial, religioso, moral, seja lá o que for, para aquela experiência”, conta o médico.
Perdas
As perdas abruptas ou violentas costumam ser os estopins para os transtornos pós-traumático e a evolução do transtorno, se não tratado, pode levar à depressão. “A perda de entes queridos pode sim levar ao estresse pós-traumático, principalmente de for de maneira abrupta, violenta e inesperada. Já tive vários pacientes em que o familiar foi morto em assalto. A perda de um filho já é uma catástrofe. Imagina presenciar a morte de um filho de um meio violento. Muitas vezes isso evolui para o estresse pós-traumático ou também para sintomas de depressão. Aí vai ter que tratar. Perder pessoas queridas faz parte da vida, o luto faz parte da vida. Passamos por uma situação de pandemia em que muita gente ficou privada de ver seus entes queridos, ou está com sintomas de pós-covid, que são altamente debilitantes, criando uma sobrecarga. Mas não é porque tem muita gente passando por isso que é normal, não aceite como normal se está sofrendo. Se isso está atrapalhando seu cotidiano, está interrompendo sua qualidade de vida, seu trabalho, seu relacionamento, é para buscar tratamento, para buscar ajuda”, recomenda Masci
Uma das consequências do estresse pós-traumático é a depressão. “A ansiedade é antecipação de que alguma coisa vai acontecer e eu fico em posição de luta ou de fuga e a depressão é olhar para trás e sentir uma tristeza muito grande por uma perda. É como fingir de morto; o corpo começa a ficar apático, caído, sem vontade de fazer nada. Isso corresponde, no mundo biológico, a uma tentativa de ver se o agressor vai embora. A maioria dos episódios de ansiedade, não tratados, levam a depressão”, diz o especialista.
Ainda falando dos efeitos da pandemia, Masci diz que muitos profissionais de saúde, sobrecarregados nas emergências dos hospitais, viram muito sofrimento, muitas mortes causadas pelo novo coronavírus e muitos destes profissionais foram acometidos de estresse pós-traumático. “Todo o pessoal que teve contato mais próximo com covid, que não conseguiu se desligar e viu as imagens daquelas pessoas sofrendo, devem procurar tratamento se não isso vai se consolidar. A mesma coisa com bombeiros e policiais que passam por situação traumática”.
Cérebro
O cérebro, diz Masci, não sabe lidar com o caos, ele precisa de uma ordem. Ninguém pode se alimentar de notícias ruins o tempo todo e dar um tempo para o cérebro se distrair com outras coisas é uma das formas de evitar o estresse pós-traumático. “Falando da guerra na Ucrânia, por exemplo, não deve-se ater somente aos fatos, mas entender um pouco mais sobre o que é geopolítica, quais os interesses, porque essas brigas. O que o cérebro mais precisa é de ordem. As pessoas que melhor se relacionam com os traumas e o estresse de vida contam para si mesmas uma história congruente, com começo, meio e fim. O que interessa para o cérebro é que existe uma ordem aí eu posso abaixar a guarda, eu não preciso ficar lutando porque a coisa já se assentou”, orienta.
A meditação e se distrair são outros meios de evitar o transtorno do estresse pós-traumático. “Entender que os problemas vem e vão, e que não se deve fixar em nenhum, isso é uma prática que auxilia a enfrentar as dificuldades e a prevenir os traumas emocionais”, conclui Masci.