
Apesar de permitido seu uso pelo Conselho Federal de Medicina e pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) há pelo menos sete anos, o canabidiol, derivado da maconha e com ampla aplicação no tratamento de doenças que atacam o sistema nervoso, tem seu uso disciplinado no ABC apenas em Ribeirão Pires. Projeto dos vereadores Guto Volpi (PL) e Edmar Donizete Oldani (PSD) se tornou lei em março, com a publicação em diário oficial.
De acordo com o artigo 4° da lei, “fica assegurado ao paciente o direito de receber em caráter de excepcionalidade, mediante distribuição gratuita nas unidades de saúde pública municipal medicamento de procedência nacional ou importado, formulado a base de derivado vegetal, industrializado e tecnicamente elaborado, nos termos das normas elaboradas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa, que possua em sua formulação o canabidiol em associação com outros canabinóides, dentre eles o tetrahidrocanabidiol, mediante prescrição de profissional legalmente habilitado para tratamento de saúde, acompanhado do devido laudo das razões de prescrição”.
A aplicação do medicamento é bastante diversa. É usado para o tratamento do mal de Parkinson, doenças degenerativas como Alzheimer, esclerose múltipla e ainda fibromialgia, e esclerose múltipla, além de dores crônicas. Estudos mostram a eficácia do medicamento, mas ainda há muita resistência no setor público de saúde. As demais seis prefeituras da região foram indagadas sobre o uso da medicação e se contam com alguma legislação a respeito, apenas três responderam aos questionamentos. A Prefeitura de Rio Grande da Serra informou, em nota, que não há medicamento padronizado na rede de saúde com canabidiol na composição. Em Diadema, a informação é o canabidiol não está na Relação Municipal de Medicamentos Essenciais (Remume). Já São Bernardo diz que não possui regulamentação municipal para uso de produtos à base de Cannabis.
Medicina

Para o médico e professor de neurologia do Centro Universitário Faculdade de Medicina do ABC (FMABC), Rubens Wajnsztejn, presidente da Associação Panamericana de Medicina Canabidióide, o medicamento pode ser utilizado para o tratamento de várias doenças. Afirma que hoje temos estudos no mundo inteiro em diferentes patologias. O principal uso é na neurologia e na psiquiatria, mas também em todas as especialidades que tratam de dor. “Já passam de 20 mil publicações. Há muitos estudos em andamento, uma vez que sempre vamos precisar de uma quantidade grande de pacientes para que os resultados sejam mais robustos. O que foi aprovado no mundo inteiro é a indicação para epilepsia, e agora autismo e dor crônica. Existem estudos sendo feitos em todas as áreas”, relata.
Wajnsztejn não tem dúvidas de que o tratamento vai mudar muito a forma de tratar várias patologias. A luta é entre em serviços públicos, para que seja oferecido em todas as camadas da população. “E acho que não estamos distantes, pois já existem movimentações para que a rede do SUS (Sistema Único de Saúde) tenha esses medicamentos. Com relação a ampliação, talvez o maior problema ainda sejam os médicos. Hoje médicos podem prescrever canabinoides, assim como dentistas, mas só 5% conhecem realmente os efeitos. A Associação Panamericana de Medicina Canabinóide inicia agora um trabalho de conscientização nas faculdades de medicina”, relata.
Jurídico
Do ponto de vista legal não há impedimentos, mesmo sendo derivada de uma planta amplamente usada como droga psicotrópica e cuja produção ou venda constitui crime de tráfico de entorpecentes, a comercialização como medicamento e orientada por médicos não é um problema legal.
Para o professor da Faculdade de Direito de São Bernardo, Ayrton Ribeiro a restrição em relação ao uso do canabidiol foi mitigada no decorrer dos anos, principalmente através das resoluções da Anvisa e da jurisprudência brasileira. “No entanto, há algumas regras gerais que devem ser observadas que estão dispostas nas resoluções da Diretoria Colegiada da Anvisa, as RDCs 327/2019 e 335/2020”, destaca. “Até o momento, não temos uma lei específica em vigência para regulamentar esse assunto. Portanto, a solução encontrada foi a publicação de duas resoluções da Anvisa para disciplinar a produção, fabricação, comercialização, prescrição, dispensação, monitoramento e a fiscalização de produtos de Cannabis para fins medicinais”, afirma.
Enquanto os medicamentos não estão disponíveis no SUS e sua produção ainda não acontece, a Anvisa permite a sua importação diretamente por pessoa física. “Há alguns requisitos para a importação do medicamento por pessoas físicas, os quais estão dispostos também na RDC 335/2020. A importação poderá ser autorizada pela Anvisa mediante prévio cadastro do paciente, prescrição por médico profissional legalmente autorizado e poderá ser intermediada por entidade hospitalar ou por operadora de plano de saúde. Ou seja, em que pese as restrições legais estejam mitigadas, há regulamentações que devem ser observadas para que a fabricação, comercialização e importação estejam dentro dos parâmetros legais”, diz Ayrton Ribeiro.
Mas o processo não é simples. Os pacientes devem se cadastrar junto à Anvisa, por meio do formulário eletrônico para a importação e uso de Produto derivado de Cannabis, disponível no Portal de Serviços do governo federal. A agência irá analisar o pedido e se concedido a licença tem prazo de dois anos renováveis. O produto importado deve ser produzido e distribuído por estabelecimentos devidamente regularizados pelas autoridades competentes em seus países de origem para as atividades de produção, distribuição ou comercialização. “Todas as importações deverão ser autorizadas e também deverão submeter-se à fiscalização pela autoridade sanitária em portos, aeroportos e fronteiras”, explica o especialista em Direito.
O Poder Judiciário tem sido demandado para definir sobre a situação de quem precisa de tratamento e quer recorrer ao canabidiol e tem definido favoravelmente aos pacientes. “O princípio da dignidade da pessoa humana, disposto no art. 1o, inciso III, da Constituição Federal, alçado a fundamento da República Brasileira, constitui-se no arcabouço dos direitos e das garantias fundamentais, entre eles os direitos sociais, previstos no Art. 6°, que assegura a todos, entre outros direitos, o direito à saúde. Deste modo o Judiciário tem entendido que vedar o seu fornecimento àqueles pacientes que dependem do Sistema Único de Saúde seria um retrocesso e prejudicaria tão somente as camadas mais carentes da sociedade”, diz o professor.