
Que o tabaco faz mal à saúde, isso não é novidade. Mas, em ambiente doméstico, a fumaça pode ser ainda mais prejudicial, uma vez que se torna o principal fator que incide no trato respiratório de crianças que vivem com fumantes. Em entrevista ao RD, o pneumologista da Santa Casa de Mauá, Valter Eduardo Kusnir alerta que filhos de pais fumantes apresentam incidência três vezes maior de infecções respiratórias, como bronquite, pneumonia e sinusite, na comparação com filhos de pais não fumantes.
Por este motivo, o Dia Mundial Sem Tabaco (31 de maio), se tornou ainda mais importante para conscientizar e chamar atenção para a epidemia do tabaco e para as mortes que a substância causa. A campanha visa informar as pessoas sobre o que podem fazer para ter uma vida saudável e proteger crianças, adolescentes e jovens das consequências devastadoras, a exemplo de câncer em regiões do corpo que entram em contato com a fumaça, como: a garganta, língua, laringe e esôfago.
Além disso, entre os efeitos gerais que o uso do tabaco pode causar, o pneumologista cita náuseas, dores abdominais, diarréia, vômitos, dores de cabeça, tontura e até fraqueza, como sintomas ligados ao uso de nicotina. “Na gestante, o uso da nicotina pode trazer efeitos ainda piores, como provocar aumento do batimento cardíaco no feto, redução do peso do recém-nascido, menor estatura, alterações neurológicas importantes, além do aumento do risco de abordo espontâneo”, explica.
Para quem faz uso de cigarros eletrônicos na tentativa de amenizar os problemas e/ou controlar o vício, o médico alerta: “os cigarros eletrônicos também contêm nicotina e várias dezenas de substâncias químicas, incluindo cancerígenas comprovadas para pulmão, bexiga, esôfago e estômago. Além de ter o risco de explosões do aparelho e intoxicação”, alerta ao citar que a indústria do tabaco lançou os DEFs (Dispositivos Eletrônicos para Fumar) como estratégia falsa para redução de danos ao organismo. “O mercado lançou os cigarros eletrônicos como opção no tratamento para cessação do tabagismo convencional, o que não é verdade”, salienta.

O mesmo se aplica aos famosos “vapes”, dispositivo tão nocivo quanto os cigarros eletrônicos comuns. De acordo com Kusnir, estes vaporizadores atraem pessoas que nunca fumaram e persuadem com aromas agradáveis, sabores variados, inovação tecnológica e estigma de liberdade, mas podem ser um caminho para o vício e para os mesmos malefícios. “Vários casos de morte súbita estão sendo associados ao uso desses vaporizadores”, alerta.
Para cessar o vício, o especialista sugere alimentação saudável, boa hidratação, prática de exercícios físicos regularmente como fatores principais. Apoio psicológico e até uso de medicamentos para diminuir a ansiedade causada pela interrupção do tabagismo também são opções importantes e que devem ser aderidas pelos fumantes. “Se sentir pigarro na garganta, tosse, falta de ar inicialmente aos esforços que evoluem progressivamente, são sinais iniciais que algo não vai bem e que é necessário buscar um médico especialista”, orienta o pneumologista.
Impactos da pandemia
Em meio à pandemia da covid-19, Kusnir avalia que as pessoas parecem ter tomado ciência da importância de cuidar do pulmão, tal qual outros órgãos vitais. “No consultório, convivo com pacientes que tiveram aumento na preocupação e desejo de parar de fumar, assim como de fazer exames regularmente”, diz. Pacientes contaminados pela covid, vivem a chamada “covid longa”, distúrbios respiratórios provocados pelo vírus, que causam sintomas e doenças respiratórias que antes não se manifestavam.
Na avaliação do pneumologista, os esforços do poder público e de grande parte da sociedade continuarão com uma longa batalha com as empresas de tabaco, na tentativa de diminuir o consumo de nicotina, seja pelo cigarro convencional ou pelos DEFs. “A nicotina matou mais de 100 milhões de pessoas no século XX, poderá matar um bilhão no século XXI, com grande participação dos DEFs. Cabe à nós, profissionais da saúde, ao poder público e à sociedade de uma forma geral, nunca desistir dessa batalha”, afirma.
Tratamento do tabagismo
De todas as cidades do ABC, somente Diadema, São Bernardo e São Caetano possuem ações de enfrentamento ao tabagismo. Em Diadema, 15 das 20 Unidades Básicas de Saúde (UBSs) são cadastradas ao Programa de Tabagismo do Estado e as demais estão em processo de cadastramento. O município estuda a implantação da linha de cuidado contra o tabagismo com a proposta de ampliar o acesso da população. O programa fornece medicação e formação aos profissionais para disponibilizar o tratamento de grupos.
Em São Caetano, o Programa de Controle do tabagismo foi descentralizado para seis, das 12 Unidades Básicas de Saúde (Dr. Ivanhoé Esposito, Nair Spina Benedictis, Dolores Massei, Maria Corbeta Segatto, Dr. Angelo Antenor Zambom e Darcy Sarmanho Vargas), além do CAPS-AD que fica com os casos mais graves. Cada grupo tem em torno de 15 usuários que ficam no mínimo quatro semanas em acompanhamento (consultas individuais de médico, enfermeiro e profissional da equipe multi, e grupos terapêuticos). As outras seis unidades estão em processo final de credenciamento.
Em São Bernardo, há tratamento gratuito à população com abordagem em grupo e individual (quando necessário), focado no comportamento cognitivo do paciente, ou seja, psíquico, metabólico e social, permitindo chances maiores contra o tabagismo. Além disso, entre os dias 25 a 31 de maio, as UBSs estão com ações educativas junto às salas de espera.
Durante a pandemia os grupos de atendimento foram pausados. Com o avanço da vacinação, o trabalho multidisciplinar nas 33 UBSs da cidade foi retomado. Desde seu início, em 2013, até a pré-pandemia foram 6.459 pessoas atendidas. Desses, cerca de 30% deixaram o vício. Itens como narguilés, vapes e cigarros eletrônicos estão listados à estratégia do Programa de Combate ao Tabagismo, junto aos pacientes que ingressam ou que já foram atendidos, desde a implantação dessa iniciativa.
Ribeirão Pires não possui serviços para o enfrentamento do vício do tabaco. Já a Prefeitura de Mauá disse, em nota, que está estruturando e capacitando as equipes para a retomada dos grupos de combate ao tabaco. As equipes das unidades de saúde estão fazendo levantamento dos usuários interessados para que o serviço seja retomado nas unidades básicas de saúde, em breve.
Santo André atua desde a dispensação de medicamentos em unidades básicas e Caps AD (Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas) à formação de grupos com equipe multiprofissional para conscientização, enfrentamento do vício e tratamento, conforme necessidade. Nesses grupos também são abordados riscos do uso de narguiles, vapes e cigarros eletrônicos. Na saúde bucal, há avaliação de cidadãos que passam por atendimento odontológico, visando a prevenção do câncer de boca. Agentes comunitários também fazem rastreamento e, ao encontrar tabagistas que não passam com dentista, agendam consulta para tratamento odontológico e investigação de riscos associados ao tabaco.
Em média, 5 mil pessoas são atendidas neste serviço por ano. Em 2020, no entanto, não houve procura e os atendimentos se concentraram apenas nos casos urgentes em razão da pandemia. De 2021 até o momento, se observa aumento de demanda e desse rastreamento da saúde bucal no que se refere às lesões de boca associadas ao tabaco, sendo os pacientes encaminhados para o tratamento devido.
Rio Grande da Serra não respondeu até o fechamento da reportagem.