Não há números oficiais específicos sobre a violência contra a mulher negra no Estado, mas relatos de quem milita nas organizações que prestam atendimento à mulheres vítimas de violência e órgãos de governo, é que de cada 10 vítimas, 9 são negras. Nesta segunda-feira (25/07) é Dia Internacional da Mulher Negra, Latino-Americana e Caribenha e para marcar a data as prefeituras, realizam atividades, como rodas de conversa e o Consórcio Intermunicipal vai lançar um vídeo sobre o tema da violência contra a mulher negra (veja nesta página).
“Para dizer a verdade não lembro quando foi a última vez que atendemos uma mulher branca”, disse Gabriela Torres, coordenadora da Casa de apoio Helenira Preta, que atende mulheres com apoio social, jurídico e psicológico em Mauá. A casa, que fica na Vila Bocaina, já atendeu cerca de 800 mulheres em cinco anos de existência. A Helenira Preta foi fundada pelo movimento Olga Benário para amparar a mulher vítima de violência. “De 80% a 90% dos atendimentos são para mulheres negras. O Estado tem uma estrutura racista e por isso somos o principal alvo da violência. Somos vítimas de uma violência muito maior porque temos uma taxa de escolaridade menor, somos a base da pirâmide econômica. Todas somos alvos, mas a mulher negra é mais” destaca.
Sem um vínculo direto com governos a Casa Helenira Preta mantém todos os atendimentos sociais e ainda um abrigo; são dois quartos, com cozinha e banheiro, em um espaço separado na casa, para o caso de mulheres que não podem voltar para casa pelas ameaças do companheiro. “A gente não tem a infraestrutura do Estado, por isso realizamos esse trabalho com muita dificuldade, mas temos muito apoio”, diz Gabriela que lembra a luta para a criação da casa que agora completa o quinto aniversário. “Foi graças à luta que Mauá tem hoje uma Secretaria de Políticas Públicas para Mulheres”, diz a coordenadora da casa de apoio.

Márcia Damasceno, coordenadora de Igualdade Racial da prefeitura de Diadema, concorda que a proporção de mulheres negras vítimas de violência é de 9 para 1. “Números oficiais não temos eu esperava tê-los na reunião com a Defensoria Pública que tivemos nesta sexta-feira (22/07). Essa é uma briga que nós temos com o governo federal, que parou o avanço das políticas para mulheres e principalmente para a mulher negra. Mas a gente sabe quem está morrendo. A cultura de que a mulher negra não era gente, era mercadoria, um objeto, ainda existe, uma cultura patriarcal e racista. A mulher já é vítima por ser mulher e também por ser negra”, analisa.
Para a coordenadora a violência não está maior nem menor, ela sempre existiu e quanto mais surgem canais para denunciar, mais denúncias aparecem. Diadema mantém a Casa Beth Lobo, um trabalho pioneiro de atendimento à mulher vítima de violência e que recebe denúncias. A GCM (Guarda Civil Municipal) implantou recentemente a Patrulha Maria da Penha especializada em cuidar destes casos e a DDM (Delegacia de Defesa da Mulher) e a Coordenadoria também recebem queixas. Mas para Márcia toda essa rede ainda é pequena diante do tamanho do problema. “Precisamos de uma delegacia que funcione 24 horas por dia (a DDM funciona apenas de segunda a sexta-feira até as 19hs). É preciso investir mais em pessoal especializado no atendimento, nós estamos fazendo um trabalho de formação não apenas com a população, mas como gestores, professores e profissionais outros da administração para estarem preparados para atender os casos de violência. Na questão racial é preciso investir mais em educação”, completa.

“A mulher negra é mais vítima da violência por causa da sua condição social histórica, de ocupar a base da pirâmide social, com maior índice de analfabetismo e maior índice de baixos salários”, analisa Andréia Miguel, coordenadora do Grupo de Trabalho de Igualdade Racial do Consórcio Intermunicipal. Ela também lamenta a falta de dados específicos sobre a violência contra a mulher negra. “Dados do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) mostram que 54% das mulheres vítimas da violência são negras e 30% são pardas, o que não fica longe dessa estimativa de 90% das vítimas serem negras”, contabiliza.
Para Andréia Miguel a maior saída para quebrar o ciclo de violência é que a mulher esteja preparada, não apenas empoderada, mas com trabalho, por exemplo, para ser independente. “Quando a mulher consegue ocupar o seu espaço ela não fica dependente, mas hoje muitas mulheres precisam cuidar dos filhos, ou seja, ou estudam ou trabalham, essa é a realidade. Durante a pandemia cresceu muito o número de mulheres empreendedoras. Elas estão se fortalecendo, e vamos realizar em 11 de dezembro a primeira Feira Afro do ABC; fizemos no ano passado uma mini-feira no Consórcio, agora vamos fazê-la itinerante, cada ano em uma cidade, essa primeira vai ser no paço de Santo André”, destaca a coordenadora do GT.
O consórcio produziu um vídeo com mulheres do GT dizendo palavras de ordem contra a violência. Esse vídeo vai marcar o 25 de julho, dia Internacional da Mulher Negra, Latino-Americana e Caribenha. “Cada uma trouxe uma frase de luta, pois entendemos que o dia não é de comemoração, é para trazer visibilidade à nossa luta”, adiantou Andréia.