
As redes municipais de ensino criaram próprios programas de avaliação e de recuperação dos alunos que tiveram dificuldades para absorver todo o conteúdo durante o período em que estiveram com aulas online, entre 2020 e 2021. O problema é que os projetos padronizados de recuperação podem ter falhas ao não estarem baseados em estudos prévios de cada cidade ou região, alerta Paulo Sérgio Garcia, coordenador do Observatório da Educação da USCS (Universidade Municipal de São Caetano do Sul).
Garcia explica que não temos um estudo regional ou por cidade, o que temos é um levantamento feito pela Prefeitura de São Paulo, que fez avaliação e mostrou que em Português e Matemática os alunos retrocederam de 4 a 5 anos. Diz que, também, é preciso investigar o que os professores vivenciam em sala de aula. “Essa avaliação é absolutamente necessária. Iniciaram programas de recuperação nas escolas do ABC sem conhecer direito o problema. Essa recuperação pode ser interessante, mas uma medida única para alguns estudantes pode ser proveitosa e para outros não. Essas medidas podem não atingir um grupo grande de estudantes”, ressalta o professor da USCS.
Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo, Garcia considera que aspectos importantes, os quais se sabe na prática, mas não em estatística, não estão no estudo que a Capital fez, como a divisão dos alunos entre meninos e meninas e a divisão por nível socioeconômico, sendo esse último aspecto o mais importante de uma pesquisa profunda sobre as dificuldades que hoje os alunos enfrentam na retomada das aulas presenciais. “Sabemos que os mais pobres tiveram perdas maiores, por isso a avaliação é importante para a correção de rumo. Essa avaliação tem de continuar sendo feita, por mais um, dois ou três anos. Corrigir o curso é possível e essa avaliação vai exigir planejamentos e re-planejamentos constantes. É preciso localizar o nível em que o aluno está, como era feito com a Provinha Brasil que não é mais aplicada”, diz o professor.
Avaliação genérica
Professora da rede municipal de São Caetano e também do Estado, Arlete Feres diz que a Prefeitura preparou uma avaliação este ano e que esta dá uma noção de onde começar a recuperação dos alunos mais atrasados. “Mas temos também as atividades do dia a dia que ajudam a mensurar as dificuldades dos alunos. Esse processo de verificação é diário, a avaliação é só mais um instrumento”, diz a professora, que só lamenta o fato de a categoria não ter participado da elaboração da avaliação. “Ela (avaliação) foi um pouco distante, foi bem genérica”, diz a educadora.
São Caetano implantou um curso de recuperação para os alunos, que funciona no contraturno das aulas. Para Arlete Feres, a iniciativa é boa, mas a maior parte da recuperação se dá no turno de aula normal, o que atrasa um pouco o restante da classe quanto ao conteúdo a ser ministrado, sem falar que não se pode garantir a presença dos alunos na aula do contraturno. “No mundo ideal o reforço deve ser trabalhado fora e avaliado com calma, mas no mundo real a gente trabalha junto com a turma. A gente consegue atingir o objetivo, mas é muito trabalhoso. O mais difícil é casar recuperação e o currículo a ser seguido. O professor do reforço é outro profissional, ele apenas dá um apoio”, diz a professora.
As maiores dificuldades dos alunos no primeiro semestre de 2022, que marcou a volta às salas de aula para todos, foram a interpretação e a produção de textos. Arlete comenta que não tem certeza, mas durante a aula online muitos pais, ao ajudar os filhos, acabaram dando respostas para as tarefas. “Errar na sala de aula é fundamental, porque é através do erro que o aluno vai aprender”, adverte a professora ao considerar que a recuperação total dos alunos não se dará em apenas um ano.
Para o coordenador do Observatório da Educação, os professores vão conseguir diagnosticar as dificuldades de cada aluno, pois essa já é rotina na escola. “Todo mundo pode aprender, só que cada um tem um ritmo”, diz.
Sobre os programas de recuperação, Garcia avalia que o ABC tem condições de fazer as ações. Acredita que região é muito mais avançada do que outras partes do País, portanto os municípios podem fazer a recuperação dos alunos. Muitas salas de aula já usam computadores, se uma cidade não tem para todos, ao mesmo tempo, tem para o uso dos alunos em uma sala específica. “Eu acho que a tecnologia pode ajudar bastante nessa recuperação e até sem a tecnologia é possível recuperar todos os alunos. Não podemos ajudar uns e esquecer outros”, completa Paulo Sérgio Garcia.
São Caetano
A segunda avaliação que São Caetano vai fazer com os alunos para aferir o nível de conhecimento será em agosto. A primeira foi em fevereiro. Minéia Fratelli, secretária de Educação, conta que no começo do ano os professores fizeram planejamento de atividades relacionadas ao currículo e de apoio pedagógico, então vão ver agora como é que isso impactou na aprendizagem dos estudantes. “Além de aferir qual foi o ganho, essa avaliação vai nos permitir planejar o segundo semestre e adequar esses projetos de apoio de acordo com as necessidades deles”, afirma. A avaliação é produzida pelo Cecape (Centro de Capacitação dos Profissionais da Educação Dra. Zilda Arns) e será impressa e distribuída pelas escolas.
Na cidade 10% dos 16 mil estudantes estão com aulas de reforço no contraturno. “Em agosto já teremos o resultado (da avaliação). Se aprendeu aquilo, ele não precisa mais fazer parte do apoio no contraturno. Então a gente reestrutura os agrupamentos e os conteúdos, porque o currículo traz uma complexidade e o segundo semestre traz novos desafios”, diz Minéia.
São Bernardo
São Bernardo criou programa específico para recuperação das perdas na Educação durante a pandemia. A Secretaria da Educação tem parceria com o Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora para avaliação censitária do 2º ao 5º ano do ensino fundamental com objetivo de monitorar a aprendizagem dos estudantes. Como forma de reforçar a aprendizagem em razão da pandemia da covid-19, a Prefeitura instituiu o Programa Aprender Mais em 2021, que oferece adicional de oito horas de atividades pedagógicas a 5.520 alunos, em 450 turmas de 73 escolas contempladas. Em 2022, as atividades complementares tiveram início em 14 de fevereiro.
Santo André
Santo André estabeleceu parceria para avaliação diagnóstica em 2021 e avaliações contínuas são realizadas pelos professores. A partir da parceria foi realizada uma avaliação diagnóstica de aprendizagem através da plataforma IClipe com alunos regularmente matriculados do 2º ao 5º ano do ensino fundamental. Na avaliação, identificou que todas as áreas do conhecimento tiveram prejuízos na aprendizagem, porém a maior preocupação está voltada para Língua Portuguesa e Matemática. Com isso, a rede municipal propôs o Programa Toda Criança tem Direito de Aprender, para atuar na recuperação das aprendizagens do ensino fundamental dos anos iniciais. O programa traz, além do comprometimento em recuperar as aprendizagens dos alunos, o principio à formação do desenvolvimento humano global.
Além do reforço pedagógico, o participante do programa de Santo André tem na grade curricular a formação nos macrocampos, que incluem manifestações artísticas, rítmicas e culturais; práticas pré-desportivas, artes marciais e lutas; e cidadania, cultura de paz e cooperação. Esta grade curricular gera uma mobilização de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores que ajudam a resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania, além de fortalecer a auto-estima de alunos que apresentarem, de alguma maneira, seu processo de aprendizagem diminuído nos anos de 2020 e 2021 em decorrência da pandemia que ainda vivemos. O programa chega aos 12 CESAs (centros educacionais de Santo André ), em parceria com a Emeief que compõe o conjunto educacional de cada espaço. As aulas são ministradas no contraturno, das 11h às 13h, para os alunos que estudam das 13h às 18h no horário regular e das 12h às 14h para quem estuda das 7h às 12h no horário regular. Desta forma, os estudantes ampliam em duas horas diárias o tempo na escola de segunda a quinta-feira.
Diadema
Diadema fez um diagnóstico no começo do ano, a Prova Diadema, para medir os impactos da pandemia nos estudantes. Em fevereiro aplicou questionários de português e matemática e, a partir dos resultados, foi formulado o Plano de Desenvolvimento da Educação. O plano traz conjunto de ações de recomposição educacional para que, no fim do ano, haja redução drástica na defasagem apresentada no nível de ensino dos estudantes. Tem metas, como investir na educação integral, com atividades contraturno para mais de 3,5 mil alunos; criação do Grupo de Recomposição de Aprendizagem com a participação de 2 mil estudantes do 3º ao 5º ano com mais dificuldades; lançamento do projeto Escola Aberta, com oficinas e jogos de alfabetização e letramento matemático para os não-alfabetizados; e curso de Pró-Letramento em Língua Portuguesa e Matemática, as duas disciplinas usadas no teste da Prova Diadema.
As prefeituras de Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra não detalharam como funcionam seus programas de recuperação na área de Educação.