
Em agosto uma polêmica colocou em xeque o papel das guardas civis municipais, as GCMs. Decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) criou insegurança jurídica em relação ao poder que as corporações teriam em prender criminosos fora de equipamentos públicos municipais. Ação posterior do STF (Supremo Tribunal Federal) validou ações das guardas que poderiam auxiliar na segurança pública e esse também foi o entendimento do Consórcio Intermunicipal. O fato é que grande parte dos municípios paulistas já tem GCM, treinada e armada. Mas, em plena campanha, a maior parte dos candidatos ao governo do Estado não cita a cooperação entre as forças de segurança estaduais e municipais. Um erro de estratégia na visão de especialistas em segurança pública.
Para José Vicente da Silva, coronel da reserva, que já comandou a PM de São Paulo e que foi secretário nacional da Segurança Pública, as ações de segurança com bom resultado só acontecem em colaboração com os municípios. “No Estado já existe um entendimento de ampliar ao máximo possível essa cooperação. As guardas estão evidentemente com sua limitação bem clara, mas elas têm um potencial importante de colaboração. Existem algumas cidades que já têm inclusive o COI (Centro de Operação Integrada) em que há esse tipo de trabalho, como São Bernardo, que tem cerca de 900 integrantes, acho que mais que o efetivo da PM na cidade, mas eles têm 500 instalações municipais para cuidar, como escolas e pronto-socorros”, diz.
Para o coronel, a Prefeitura pode ser uma importante parceira do Estado, não apenas com a GCM, mas com outras políticas públicas que, indiretamente, ajudam na prevenção de crimes. O que se espera, diz, é um melhor entendimento porque a prevenção se faz não apenas com patrulhamento por policiais militares e guardas municipais, isso é uma visão equivocada. A prevenção vai da identificação dos pontos de maior incidência criminal e se verificar o que pode ser feito de cada parte. “Exemplo que tive esses dias foi que uma rua na Vila Prudente (Capital), onde se verificou uma sequência de casos de estupro. Com a participação da Prefeitura na melhora da iluminação e uso de duas vias de mão de trânsito, aumentou-se a atividade na rua e os estupros desapareceram”, relata.
José Vicente da Silva acredita que essa é uma forma moderna de prevenção, não ficar só preocupado em prender ou assustar bandido, mas criar dificuldades e reduzir oportunidade para a atividade criminosa. De forma crescente vai se procurar isso, não apenas a cooperação entre polícia e guarda, mas ir mais a fundo, porque a Prefeitura tem instrumentos importantes. O coronel atuou em Diadema, numa parceria da Prefeitura e o Instituto Fernand Braudel, no final dos anos 1990 em um estudo que resultou na queda da violência na cidade. “Junto com a Prefeitura, colocamos ordem nos bares da periferia e isso ajudou muito na redução da violência que acontecia nesses locais”, conta.
Pouco efetivo
O professor de Direito Penal e coordenador do Observatório de Segurança Pública da USCS (Universidade Municipal de São Caetano do Sul), David Barbosa de Siena, também considera importante o papel das GCMs. Afirma que do ponto de vista legal o STJ está certo, pois a GCM não está no rol das polícias, mas do ponto de vista político e da administração pública fica estranho, pois desconhece no mundo uma cidade sem a própria polícia. “A PM não tem efetivo suficiente para atuar sozinha. Eu sou entusiasta da polícia municipal e vejo na GCM um potencial. Além disso, a guarda, por não ser militar, tende a ser menos hostil com os civis”, analisa.

Siena considera que, apesar das GCMs de não serem consideradas no rol das polícias, isso é apenas questão de mobilização política que pode ser resolvida. “A Polícia Penal, por exemplo, entrou para o rol, basta uma emenda constitucional”, sugere. O professor de Direito Penal avalia que a GCM pode ajudar muito na estratégia de segurança pública quanto ao aspecto da regionalidade. “Os planos de governo, em geral, não levam em consideração aspectos regionais. O ABC tem características próprias e precisa de políticas que dêem conta das questões regionais, e o Consórcio Intermunicipal pode ajudar, pois o bandido não enxerga fronteiras nem a cor da farda”, diz. Siena sugere que deveriam estar colocados nos planos de governo investimentos poderosos na investigação criminal. “A Polícia Civil paulista já foi a maior da América Latina, hoje está sucateada”, comenta.
Mas apenas três dos 10 candidatos a governador do Estado – Fernando Haddad (PT), Tarcísio Gomes de Freitas (Republicanos) e Vinícius Poit (Novo) –, mencionam cooperação com as forças municipais nos planos de governo.
Vinicius Poit
O candidato Vinícius Poit (Novo) foi o único que pontuou, tanto no plano de governo, quanto em nota enviada ao RD, o incremento para as GCMs. No plano, aponta o apoio para a implantação da GCM nos municípios, com recursos do Fundo Estadual de Segurança Pública, e fala da integração com a PM no policiamento comunitário. O plano também cita investimento em inteligência policial, integração das polícias Civil e Militar com as GCMs, além da criação de boletim de ocorrência único. Poit citou ainda que é preciso enxugar a máquina do Estado para investir em segurança. “Um dos principais desafios para a segurança pública hoje é o orçamento e para trabalharmos nossas propostas precisamos tirar de áreas onde sobra verba. Assim, conseguiremos priorizar a criação de um órgão de gestão dentro da Secretaria de Segurança Pública. Além disso, apoiar a implantação da GCM nos municípios, com recursos do Fundo Estadual de Segurança Pública”, diz.
Sobre o ABC, Poit defende mais verbas. “Melhorar o direcionamento de verba para a região, especificamente modificar a estrutura da segurança local, equipar a GCM nos municípios e integrar com as demais polícias do ABC. O trabalho integrativo é mais eficiente porque permite compartilhar informações relevantes que estão dispersas em diversas frentes e plataformas da polícia. Queremos integrar com o objetivo de combater o crime de maneira mais ágil. Com isso, podemos enxugar verba e investir mais no que necessitamos, como o salário do policial, da guarda municipal ou equipamentos sociais de proteção ao cidadão”, sustenta.
Fernando Haddad
A única menção do candidato Fernando Haddad (PT) às guardas civis, em seu plano de governo vem quando cita a criação dos gabinetes de gestão integrada. De acordo com o plano, os GGIs articulariam o “trabalho das diversas forças de segurança do Estado: Polícia Militar, Polícia Civil, Polícia Técnico-Científica, em colaboração com o Corpo de Bombeiros, Polícia Militar Rodoviária, Polícia Federal e as Guardas Civis, na implementação das políticas de segurança. O esforço conjunto produz mais e melhores informações; ações mais potentes; complementaridade, com mais eficiência do gasto público; segurança mais próxima dos cidadãos e cidadãs”, diz trecho do plano.
Tarcísio de Freitas
Candidato ao governo do Estado pelo Republicanos, Tarcísio Gomes de Freitas defende a integração com as GCMs e expõe isso no plano de governo. “Tecnologia de ponta e a integração das bases de dados sobre o crime nos níveis federal, estadual e municipal, e diferentes poderes, para o combate a todo tipo de atividade criminosa. Incentivar também a integração na atuação de todos os agentes ligados à segurança pública: Polícia Militar, Polícia Civil e GCM, trabalhar em estratégias conjuntas para promover a segurança da população”.
Candidatos da extrema esquerda defendem fim da PM
Os candidatos considerados de esquerda ou extrema esquerda colocam em seus planos de governo o fim da Polícia Militar e a criação de nova de caráter civil. Além da desmilitarização da polícia, defendem o combate a violência contra a juventude negra, a comunidade LGBTQIA+ e as mulheres.
Carol Vigliar
A candidata do UP, Carol Vigliar defende reforma do sistema de Justiça e do sistema prisional. Propõe o fim da PM e a criação de uma polícia desmilitarizada. “Acreditamos que segurança pública não significa armar e militarizar cada vez mais as polícias. Um projeto de segurança que tenha como objetivo proteger a vida do povo trabalhador, exige mais investimento na criação de empregos e investimento em setores sociais como saúde, educação e lazer. Nos últimos anos vimos um aumento da política de pensar a segurança pública num viés da repressão e do armamento, e isso não tem resolvido em nada o problema”, diz.
Sobre o ABC, Carol acredita que a reindustrialização com a consequente geração de empregos poderia melhorar indiretamente a segurança. Para isso propõe abertura de frentes de trabalho emergenciais. Sobre integração do trabalho da PM com as GCMs a candidata discorda. Diz que é preciso cuidado quando se fala de integrar a GCM com a PM e a Polícia Civil. As GCMs devem contribuir com a preservação do patrimônio público, não podem exercer função de polícia. “Como dissemos, não é com mais policiamento ostensivo que vamos resolver o problema. O trabalho de inteligência é importante e economiza recursos públicos, mas não podemos nos iludir, achar que a solução é a GCM se transformar em mais uma polícia. Isso tem sido feito nos últimos anos, com aumento da militarização das GCM, e o povo não tem se sentido mais seguro, pelo contrário, cotidianamente aparecem casos de violência da GCM contra a população”, diz.
Altino Prazeres
Candidato do PSTU, Altino Prazeres defende o fim da PM e defende justiça pelos assassinatos dos negros nas comunidades pela polícia e exige punição dos envolvidos em massacres. “Pelo fim da PM e a criação de uma polícia civil única com eleição de comandantes e participação das comunidades”, destaca. Ao RD, Prazeres defende a criação de polícia civil única, com direito de organização, sindicalização e com relação direta com as comunidades. “A polícia do Estado vai receber forte investimento em inteligência e nossa ação será focada em desarticular os grandes esquemas do crime organizado, ao contrário do que é feito hoje, que se prendem os pequenos em baixo enquanto os que ganham dinheiro de verdade com o crime seguem livres. Vamos seguir com câmeras nos uniformes dos policiais que se mostraram bom instrumento para proteger a população e os policiais. No nosso governo o abuso da violência não só não será incentivado, como será punido”, afirma.
O candidato do PSTU citou os números divulgados pelo RD, referentes à segurança pública no ABC em que roubos cresceram 7,9% e furtos 36,8% entre janeiro e julho deste ano. Para ele são reflexo do desemprego e do aumento da pobreza. “Além de medidas sociais para atacar a raiz do aumento da violência, vamos garantir uma ação das polícias que pense de maneira integrada as diferentes regiões do Estado, em parceria com as GCMs”, aponta.
Edson Dorta
O candidato Edson Dorta (PCO) não cita a GCM e defende o fim da PM. “Dissolução da Polícia Militar e de todo aparato repressivo; direito de autodefesa dos trabalhadores da cidade e do campo; formar comitês de autodefesa dos trabalhadores da cidade, do campo e nas comunidades indígenas”, diz o plano de governo. Questionado sobre a cooperação com o municípios o candidato não se manifestou.
Gabriel Colombo
O candidato do PCB, Gabriel Colombo, defende lutar em âmbito nacional pelo fim da PM e a desmilitarização do Corpo de Bombeiros. Enquanto isso não acontece, defende a ampliação das câmeras corporais para 100% do efetivo da PM, como medida de controle da atuação policial. Colombo propõe a criação de Conselhos de Segurança Popular voltados para a proteção e o apoio à população, com equipe técnica de assistência jurídica, social, e apoio psicológico. Também propõe a realização de conferências e plebiscitos anuais em cada bairro e município do Estado, onde os próprios moradores possam definir prioridades em termos de política de segurança local e estabelecer prêmios aos órgãos policiais que cumpram com as metas locais.
Elvis Cezar
Ao contrário dos candidatos mais à esquerda, o pedetista Elvis Cezar defende que a PM precisa de mais investimento. Diz que a questão essencial da segurança pública é investir no profissional da corporação com valorização salarial e com novas tecnologias que auxiliem o trabalho dos policiais. O plano cita ainda a implantação de mais bases de segurança comunitária, melhores condições para a Polícia Civil e a criação de cinturão de segurança nas divisas do Estado. Apesar de não citar nominalmente a GCM, o candidato cita no plano a articulação com os municípios.
Rodrigo Garcia não cita cooperação com os municípios
O atual governador e candidato à reeleição, Rodrigo Garcia (PSDB), não cita as GCMs no plano de governo e também não respondeu aos questionamentos feitos pelo RD. O único ponto do plano de governo é o que cita a integração com municípios ao falar da Atividade Delegada, onde os policiais são remunerados para trabalhar em dias de folga e em situações específicas. “Aumentar a Atividade Delegada com consórcios de municípios e Dejem com secretarias de Estados”, diz o plano. O Dejem consiste em oito horas contínuas de atividade operacional de polícia ostensiva, fora da jornada normal de trabalho policial.
Antonio Jorge
O candidato do DC, Antonio Jorge, é bastante sucinto nas propostas para segurança pública. “Desenvolver e aplicar Política Estadual de Segurança Pública Abrangente tendo como objetivo fundamental assegurar a todas as pessoas o direito de andar sem medo e viver em paz”, escreve o candidato no plano de governo.
Colaborou Carlos Carvalho