
Um terreno à margem da linha férrea da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) e bem perto da estação Utinga, em Santo André, chama atenção pela quantidade de barracos de lona perfilados. Trata-se de mais uma ocupação de área por movimento de habitação que espera sensibilizar o poder público para a construção de moradias populares. Santo André conta, segundo a Prefeitura, com 38 mil famílias inscritas à espera de moradia com subsídios governamentais.
O abrigo, para quem olha de fora, gera preocupação. É mais um núcleo habitacional carente de toda infraestrutura que surge na cidade. Mas do muro para dentro, a realidade de quem enfrenta os poderes para garantir o direito constitucional à habitação não é fácil. Se misturam no terreno famílias despejadas por não conseguirem pagar o aluguel, pessoas em situação de rua e outras que vieram de outras ocupações que não conseguiram seu objetivo. É o retrato da população sem moradia.
Este mês a Polícia Militar foi chamada para garantir a reintegração de posse de um terreno particular em outra área de Santo André, no Morro da Kibon. A área de 47 mil metros quadrados teve que ser desocupada por ordem judicial e os moradores resistiram, queimaram pneus, fizeram barricadas, e quando chegou o dia de deixar a área, 17 de novembro, dois ônibus foram queimados nas imediações. Apesar da resistência, não houve confronto e a polícia apenas acompanhou os trabalhos de retirada das famílias e a derrubada dos barracos.
Idosos, crianças e risco de dengue
O terreno vizinho à estação de Utinga foi denominado Ocupação Lélia Gonzalez e abriga atualmente 80 famílias, que vivem com dificuldade em barracos improvisados, sem ao menos água e saneamento. Mas o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) tem provido os ocupantes de atenção, não apenas para a organização em prol da moradia, mas de alimentação e outras providências para que o grupo resista até conseguir uma moradia. Segundo Joana D’Arc Nunes, uma das organizadoras da ocupação, a situação é crítica e o movimento precisa de doações para se manter. Entre os ocupantes estão 16 idosos e cerca de 20 crianças, algumas com necessidades especiais.
O perfil dos ocupantes é de gente que perdeu moradia, porque não conseguiu pagar o aluguel, mães solo, outras que vieram com os filhos vítimas de violência doméstica, alguns que já vieram de outras ocupações onde o terreno teve reintegração de posse e, ainda, pessoas que estavam vivendo em situação de rua. “Nós acolhemos todos aqui”, diz Joana D’Arc Nunes, ao relatar que o movimento não conta com nenhum apoio governamental em qualquer nível. “Necessitamos muito de doações, quem puder doar, qualquer coisa, de roupas até alimentos pode nos procurar no terreno (alameda Roger Adan, próximo à estação Utinga) ou entrar em contato com as nossas redes sociais”, diz. Para alimentar a todos a ocupação conta com cozinhas comunitárias que se valem das doações de alimentos.
Joana conta que a Prefeitura não foi cadastrar as famílias para nenhum programa de habitação. “O cadastro que existe é o que nós mesmos fazemos. Mas aqui tem gente que já é inscrito na Prefeitura e está há 16, 18, 20 anos no aguardo e não conseguiu casa ainda”, explica. Reclama que nem fralda para as crianças especiais conseguem no CRAS (Centro de Referência e Assistência Social). Oa ocupantes ainda enfrentam infestação de mosquitos. “É porque tem muita gente que junta materiais recicláveis que acumulam água e está chovendo bastante, então o problema que vemos é com a dengue. A Prefeitura faz a desinsetização na rua, mas não entra no terreno porque é particular”, explica.

Dona do terreno
O terreno pertence à Nordon Indústrias Metalúrgicas, que entrou com pedido de reintegração de posse na 4ª Vara Cível de Santo André, em abril, logo que a área foi ocupada. O pedido era para que fosse concedida uma liminar para desocupação da área, porém o juiz Alexandre Zanetti Stauber negou a liminar diante da decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), que impedia as reintegrações de posse por conta da pandemia da covid-19 até 30 de junho.
“Teve esse pedido de reintegração de posse e o proprietário perdeu. De lá para cá a negociação não avançou”, diz Joana D’Arc. Apesar de ser uma área industrial, como muitas na região, o terreno não é contaminado por resíduos, segundo apurou o MTST.
Apesar de o MTST informar que os ocupantes são trabalhadores e desabrigados que precisam do auxílio social dos governos, há quem veja a ocupação como fator de risco para segurança. Um motorista de aplicativo, que preferiu não ser identificado, contou ao RD que teme por mais uma favela em Santo André. Diz que se preocupa com a segurança do entorno, já que pega muitos passageiros naquela região. “Eu gosto da cidade limpa e organizada, ali estão destruindo tudo, cortando árvores”, afirma.
Em nota, a Prefeitura informa que há pouca coisa que o município possa fazer já que as famílias estão em terreno particular. “A Prefeitura de Santo André, por meio da Secretaria de Habitação e Regularização Fundiária, esclarece que o terreno em questão é particular e o responsável entrou com processo de reintegração de posse. O terreno, como informado, é particular e, portanto a GCM não atua nesta questão. Em relação à situação de vulnerabilidade, o CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) é aberto para a população e qualquer família em situação de vulnerabilidade social pode procurar auxílio”, resumiu a administração. A CPTM informa que a ocupação ao lado dos trilhos não oferece risco à operação dos trens.