
A temporada de chuvas fortes mal começou e o ABC já registrou pelo menos duas mortes nos últimos 15 dias em decorrência de enchentes. Há três décadas a região tem recebido milhões em investimentos para a construção de piscinões, mas as enchentes persistem. São 20 reservatórios sob gestão estadual no ABC outros 15 sob a tutela dos municípios. O governo estadual investe agora R$ 323 milhões na construção do Piscinão Jaboticabal, na divisa entre São Caetano e a Capital, para tentar acabar com as cheias da junção dos ribeirões Dos Couros e Dos Meninos e há ainda projeto para a construção de outros dois reservatórios, um em Santo André e outro em Mauá.
Ambientalista ouvida pelo RD discorda completamente da estratégia de combater as cheias como o tipo de obra.
No dia 23 de novembro um homem de 56 anos morreu quando seu carro foi arrastado pela enxurrada e foi parar em um Córrego na Estrada do Britador, em Mauá. No sábado (3/12) um homem de 50 anos foi arrastado pelas águas do córrego que passa junto à rua Cravinhos, em São Bernardo. O corpo foi encontrado nesta segunda-feira (5/12). As duas cidades contam com piscinões.
Para a ambientalista e docente de biologia da USCS (Universidade Municipal de São Caetano do Sul), Marta Marcondes, é inconcebível que uma estratégia que já não deu certo continue a ser usada para consumindo centenas de milhares de reais. Para a professora, também coordenadora do IPH (Índice de Poluentes Hídricos) da USCS e do projeto Expedição Mananciais, o dinheiro é mal utilizado.
Segundo Marta Marcondes, impermeabilizaram todas as cidades e ocuparam as várzeas, canalizaram e retificaram os córregos, com isso a água chega muito rápido ao fundo de vale e não há tempo para escoar. “Há 30 anos se pensava que o piscinão funcionaria como a várzea do rio, mas o potencial de armazenamento não é suficiente. Além disso, se constrói com uma dificuldade enorme e tem outra dificuldade de manter limpo”, diz Marta sobre os problemas dos piscinões.
Risco de mais tragédias
Para a professora da USCS, os resultados seriam muito melhores – e mais baratos – se os governos investissem em pequenos reservatórios ao longo dos rios, ou mesmo usassem soluções que a própria natureza oferece, que é aumentar as áreas permeáveis, com a criação de espaços para absorver a água da chuva. “Propomos soluções que impeçam a água de chegar rapidamente ao fundo de vale; fazendo no topo e nas encostas áreas de absorção, como jardins de chuva, calçadas permeáveis e o uso de asfalto permeável. Fazer piscinão e usar toneladas de concreto impermeável não vai resolver nada. Se continuarem insistindo nisso, vamos ver mais das tragédias que vimos esses dias, mais gente morrendo, mais famílias perdendo suas casas”, adverte.
Segundo a ambientalista, é possível fazer as intervenções mesmo nas cidades já com os espaços todos tomados, pois não é preciso uma grande área, como no caso dos piscinões, e necessário que se tenha várias áreas pequenas. “A Prefeitura de São Paulo, por exemplo, está fazendo 370 jardins de chuva que vão ser feitos nos canteiros das avenidas”, aponta.
Dentro do seu trabalho no IPH, Marta Marcondes disse que fez a coleta de água acumulada nos piscinões para análise e encontrou vários deles com lixo, barro e mato, o que compromete a capacidade de armazenamento. “Além de não resolverem o problema ainda trazem outros. Comunidades vizinhas relatam problemas de doenças por conta da infestação de insetos e roedores que são atraídos pelo lixo acumulado nos piscinões”, relata.
Estado constrói piscinão gigante e quer fazer mais dois
O DAEE (Departamento de Águas e Energia Elétrica), órgão vinculado à Secretaria Estadual de Infraestrutura e Meio Ambiente do governo do Estado e responsável por 20 piscinões existentes na região, diz que esses reservatórios são responsáveis pela retenção de 4 milhões de metros cúbicos de água da chuva. Quando estiver pronto, o Piscinão Jaboticabal vai somar mais 900 mil litros a essa conta. A previsão é que ele seja entregue em julho.
O órgão estadual também diz que a limpeza é feita regularmente. “O trabalho de manutenção dos piscinões tem início em fevereiro e se estende por todo o ano. A limpeza é feita de 2 a 3 vezes por ano, dependendo do volume de acumulação de terra, areia, entulho e lixo decorrente das chuvas”, informa.
Além do Jaboticabal, o governo estadual tem planos para outros dois piscinões na região. Só nos estudos de viabilidade técnica está sendo investido R$ 1,1 milhão. Os dois projetos, o RT-15 e o RT-16 serão construídos junto ao rio Tamanduateí, sendo um em Santo André e outro em Mauá.
O RT-15 vai ficar entre o viaduto Salvador Avamileno e a avenida Comendador Wolters, paralelamente à avenida dos Estados, em Santo André. Ele vai ocupar 70 mil metros quadrados e terá capacidade para 150 milhões de litros. O RT-16 será feito entre a avenida Santa Catarina e a rua Rui Barbosa, paralelamente à via férrea da CPTM, em Mauá. A área tem 40 mil metros quadrados e capacidade para 120 milhões de litros.
Cidades
Além dos 20 piscinões sob gestão do Estado, o ABC tem outros 15 que são construídos e conservados pelos municípios. Eles estão nas cidades de São Bernardo e Santo André.
Só em São Bernardo são 10 reservatórios, entre piscinões, estações elevatórias, tanques e polders, que são áreas alagáveis. O maior dos reservatórios é o Piscinão do Paço com 220 mil metros cúbicos de capacidade. Os demais são o Tanque das Mulatas, na Vila Vivaldi (com capacidade para 16.940 m³); Polder Pauliceia (350 m³); Piscinão da Leroy Merlin, no bairro Planalto (2.200 m³); Elevatória Ipiranga, na Vila Vivaldi (5.500 m³) e no bairro Rudge Ramos são cinco estações elevatórias; a Nelson Patrizzi (850 m³); Elevatória Jacquey (6.200 m³); Elevatória Vila Helena (4.000 m³); Elevatória Vivaldi (28.500 m³) e Elevatória Rio Claro (37.000 m³).
Em nota, a Prefeitura diz que a manutenção é frequente. “A manutenção é realizada periodicamente, em duas etapas: desassoreamento e limpeza geral. A primeira fase é executada antes do período das chuvas, entre setembro e outubro. Recentemente, o município concluiu os trabalhos de limpeza e desassoreamento do Piscinão do Paço, obra símbolo do fim das enchentes na cidade. Ao todo, foram investidos R$ 350 mil nas intervenções. Durante os trabalhos, foram retiradas cerca de 2.500 toneladas de materiais, entre resíduos e garrafas pet”, diz.
Os outros cinco piscinões municipais estão em Santo André. Atualmente o Piscinão Santa Teresinha é o maior da cidade em operação. Fica na várzea do rio Tamanduateí, construído paralelamente ao córrego Jundiaí, na rua Eng. Olavo Alaysio de Lima. O local possuía capacidade para armazenar 19 mil m³ operando desde 1995 e com término das obras em 2020 este volume foi ampliado em 25%, passando a ser de 23.878 m³, segundo a Prefeitura. A última manutenção no local, segundo a Prefeitura, foi no dia 30 de novembro.
O Piscinão Jardim Bom Pastor fica na várzea do Ribeirão dos Meninos e foi construído junto ao leito do córrego Araçatuba, trecho da rua Dom Silvério Pimenta até a rua Xingu. Tem capacidade para 19.300 m³, opera desde 1994 e a última manutenção foi feita em 18 de outubro.
O Piscinão Vila América fica na avenida Capitão Mário Toledo de Camargo com a rua Erato, junto ao córrego Guarará. Tem capacidade para 3.000 m³ e opera desde 2001. Segundo a Prefeitura, a última manutenção foi feita na segunda-feira (5/12).
O Piscinão Jardim Irene fica na rua Caminho dos Vianas e entregue em 2018 junto ao córrego André Magini. A capacidade do reservatório é de 19.000m³. A última manutenção no local foi em 11 de novembro.
O Piscinão Homero Thon fica na avenida Giovanni Battista Pirelli. Ele é um tanque subterrâneo com capacidade para 2.300 m³. A manutenção deste tanque foi feita em abril de 2021.
Licitação
Santo André pretende iniciar em 2023 a construção do maior piscinão municipal, com capacidade para armazenar 216 mil de metros cúbicos de água. O equipamento será subterrâneo e ocupará a área onde fica o Parque da Juventude Ana Maria Brandão. “A Prefeitura está, no momento, em análise das propostas das empresas e consórcios que concorrem à licitação internacional. O prazo de conclusão só poderá ser estimado após o início da ordem de serviço para a execução do reservatório de contenção”.