
Imóveis abandonados e em estado de ruína fazem parte do cenário de qualquer grande cidade. Estão lá por vários fatores, principalmente pendências judiciais e falência de empresas. Mas o fato é que esses prédios, sem função social, só geram problemas, além da interferência na paisagem urbana, como perda de receita municipal, riscos à segurança e à saúde pública. Isso acontece porque o Estatuto da Cidade, em vigor há mais de duas décadas, é pouco aplicado pelos municípios para evitar o tipo de imóveis.
O primeiro passo é saber quantos são, onde estão e qual a condição atual de cada um desses imóveis abandonados. Apenas quatro das sete cidades responderam ao questionamento feito pelo RD sobre imóveis estão nesta condição. Três municípios (Santo André, São Caetano e Diadema) não têm contabilizado um número e apenas São Bernardo tem levantamento além de uma legislação específica, que prevê a arrecadação desses imóveis pela Prefeitura.
Em São Bernardo, são 80 imóveis que constam como em estado de abandono. Do total, 14 são de uso residencial, 11 comercial, 8 industrial e 47 são apenas terrenos. Em nota, a administração diz que realiza levantamento periódico para efeito de arrecadação de bens imóveis de modo a verificar se são preenchidas as condições estabelecidas na lei nº 6.691, de 28 de junho de 2018, que autoriza a Prefeitura a tomar posse de imóveis particulares abandonados e com dívidas acumuladas com município para a transformação em espaços públicos, e no decreto municipal nº 20.460, de 19 de julho de 2018.

As outras três prefeituras disseram que estudam como farão um levantamento sobre esses imóveis. Mas não é difícil encontrar. Todo morador sabe onde existem prédios abandonados e terrenos sem uso. Em geral, nas áreas industriais há sempre um ou outro prédio devorado pela ação do tempo.
Nos centros comerciais também há prédios fechados há anos, como postos de combustíveis. Caso do posto que fica na esquina da praça Bom Jesus de Piraporinha com a avenida Moinho Fabrini, no bairro de Piraporinha, em Diadema. Abandonado há cerca de oito anos, está no meio de um centro comercial onde o preço do metro quadrado é bastante valorizado.
Ainda em Diadema, um imóvel industrial em ruínas foi ocupado pelo MLB (Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas), em agosto de 2021. Cerca de 150 famílias ocuparam o imóvel e pressionam por negociação com o proprietário e a Prefeitura por moradias populares.
Foi em um posto de combustível abandonado que São Bernardo deu o pontapé inicial para o programa de arrecadação de imóveis abandonados. Em julho de 2019, foi inaugurada a sede do Samu na cidade, entre as ruas Jurubatuba e Joaquim Nabuco, no Centro. A atribuição de uso social para o imóvel colocou fim a uma situação de degradação da área que era foco de doenças e abrigo precário para pessoas em situação de rua.

A habitação é a maior carência do ABC. Segundo o urbanista Enio Moro Júnior, gestor do curso de arquitetura e urbanismo da USCS (Universidade Municipal de São Caetano do Sul), um estudo recente feito na Capital mostrou que, se utilizados todos os imóveis em estado de abandono na cidade, seria possível resolver de uma só vez o problema da falta de moradia para milhares de famílias.
No ABC, o mesmo raciocínio se aplica, mas para Enio Moro Jr., falta aos municípios encarar o problema. O professor diz que tem percebido o aumento do número de imóveis abandonados, pela inflexão econômica agravada na pandemia e pela situação traumática que é a mudança do perfil industrial para o de serviços na região. “Hoje os modelos de produção são muito segmentados e não há mais necessidade de grandes galpões, como antes, porém o mais grave é não haver política pública para tratar desses prédios abandonados”, analisa.
O retrofit, termo usado pela engenharia para designar processo de modernização ou mudança de uso de um edifício, é o que tem sido usado na Capital com os prédios comerciais que ficaram sem uso social e, aos poucos, se tornam moradias. Alguns também se consolidaram a partir de invasões por movimentos de moradia. “Existe dinheiro para investir em habitação pelo FGTS (Fundo de Garantia Por Tempo de Serviço). Basta os municípios usarem o Estatuto da Cidade, uma legislação que prevê que todo imóvel tem de ter uma função social”, explica Moro Júnior.

Obrigação
Na opinião do docente da USCS, é obrigação do poder público agir quando o imóvel está abandonado. Do contrário, pode gerar improbidade para o prefeito. A Prefeitura não pode se omitir, diz, tem que identificar os que estão nessa situação e notificar o proprietário, depois aplicar a alíquota progressiva de IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano). “Passando de 1% para 2% no primeiro ano, para 3% no segundo e até chegar a 5% no quinto ano. Se em cinco anos o proprietário não deu um uso ao imóvel a Prefeitura pode desapropriar e pagar em títulos da dívida ativa. De posse do imóvel a Prefeitura dá uma finalidade ou vende”, afirma.
No ABC, há muitos antigos imóveis industriais onde o terreno precisa ser avaliado quanto à contaminação por resíduos tóxicos. Neste caso a Prefeitura que desapropria, faz o estudo e desconta os gastos do valor a ser pago pelo proprietário. Muitas vezes, o montante em impostos atrasados e o gasto no local superam o valor comercial do imóvel, mesmo assim a disputa pode ir à Justiça. Segundo Moro Júnior, se o imóvel está abandonado, apenas para que o proprietário espere a sua valorização no mercado, isso também não pode e está previsto no Estatuto da Cidade como uma das razões para a desapropriação. “Primeiro as prefeituras têm de enfrentar o tema e esse é um debate de longo fôlego”, completa o urbanista.