
Mário D’Amore Júnior, 74 anos, acusado de matar o vizinho, o engenheiro Francisco Nicolas Lopes Filho, 34 anos, após uma discussão na virada do ano, por conta de fogos de artifício soltos pela vítima, teve o recurso de conversão da prisão preventiva para a domiciliar negado. A decisão foi publicada nesta sexta-feira (13/01).
O juiz Fernando Martinho de Barros Penteado, da vara de execuções penais do Fórum de São Bernardo em seu despacho decide: “Em que pesem os argumentos apresentados pelo combativo Defensor, a situação fático-processual permanece inalterada desde a decisão que converteu a prisão em flagrante em preventiva no dia 03 de janeiro de 2023”. O parecer completo do magistrado pode ser lido no final desta reportagem.
A defesa do réu alega que ele, por conta da idade avançada e série de problemas de saúde, teria o direito de cumprir a pena em casa. Vale destacar, que o Ministério Público de São Paulo denunciou Mário D’Amore Júnior pelo crime de homicídio qualificado, por motivo fútil, sem chance de defesa para a vítima.
Delegados ouvidos pelo Repórter Diário, mas que não têm ligação com o caso, disseram que a pena prevista para este crime é de 12 a 30 anos e que a, priori, Mário, se condenado deve cumprir em regime fechado.
José Alejandro Nicolas, irmão da vítima, diz que a família recebeu com alívio a decisão judicial de que Mário não teve a prisão preventiva convertida em domiciliar, mas esperam mais. “Que haja Justiça. Um senhor com 74 anos, que é agressivo e atira é um perigo para a sociedade”, declara.
Dias antes do crime, Mário havia ameaçado a vítima, na frente de policiais militares que foram para atender ocorrência de “desinteligência” entre vizinhos. Na ocasião, o acusado teria jurado Francisco de morte. “Se este filho da p… passar na minha frente, eu vou matar ele”, a fala teria sido gravada pelas câmeras corporais dos PMs. As imagens foram solicitadas e serão incorporadas ao processo.
A vítima e o acusado têm um histórico de desentendimento. Há 10 anos, também, na virada do ano, Mário, com um facão, ameaçou Francisco após soltar fogos. A alegação é a mesma, de que espantaria cavalos em seu sítio e que seria “pai de um policial”.
Vizinhos de Mário contam que ele sempre foi agressivo. Sua agressividade subia a um nível mais alto, sempre que fazia uso de bebidas alcoólicas.
No dia do crime, 2 de janeiro, Mario saiu de casa armado e após ameaçar a família e atirar contra Francisco voltou para a casa e dormiu. A polícia chegou no local uns 20 após o ocorrido e prendeu o acusado em flagrante.
José afirma que a família está “devastada”. “Minha mãe de 76 anos e minha irmã estão fazendo uso de remédios psiquiátricos. Minha sobrinha de nove anos também está em acompanhamento psicológico”, afirma.
A defesa de Mário foi procurada, mas até o fechamento desta reportagem não se manifestou.
Leia a íntegra da decisão judicial:
Vistos. Fls. 83/123 e 126/189: Trata-se de pedido formulado pelo ilustre Defensor constituído do indiciado MÁRIO DAMORE JÚNIOR, através do qual reitera o pleito de revogação da prisão preventiva e, alternativamente, requer a concessão da prisão domiciliar (fls. 126/140). O Ministério Público se manifestou contrariamente a fls. 192/198. É o relatório. DECIDO. Em que pesem os argumentos apresentados pelo combativo Defensor, a situação fático-processual permanece inalterada desde a decisão de fls. 66/68 que converteu a prisão em flagrante em preventiva no dia 03 de janeiro de 2023.
A respeito da alegação de ausência de fundamentação idônea do decreto judicial de conversão em prisão preventiva, entendo que a decisão de fls. 66/68 se encontra devidamente fundamentada e apontou suficientemente os fatos que indicavam a gravidade concreto da conduta “que envolveu suposto disparo de arma de pressão em direção ao ouvido esquerdo da vítima e ameaças a testemunhas, incluída uma criança de 9 anos de idade” , bem como os fundamentos jurídicos que lhe deram suporte. Portanto, a referida decisão não se ateve à gravidade em abstrato do delito, pois examinou as circunstâncias fáticas concretas e expôs isso em sua fundamentação.
Passa-se a examinar os demais argumentos defensivos, no caso, inexistência de risco à ordem pública em razão da idade da vítima, de seus problemas de saúde, por ser primário e portador de bons antecedentes, da não premeditação dos fatos e em razão de não ter fugido do local dos fatos. No que tange à primariedade e demais condições favoráveis do agente, importante lembrar que tais circunstâncias, não bastam, por si só, para impedir a decretação da prisão preventiva se presentes os requisitos do art. 312 do CPP, como se observa do caso concreto.
Nesse sentido: (…) 3. Ressalte-se que condições pessoais favoráveis, tais como primariedade, bons antecedentes, ocupação lícita e residência fixa, não têm o condão de, por si sós, desconstituir a custódia antecipada, caso estejam presentes outros requisitos de ordem objetiva e subjetiva que autorizem a decretação da medida extrema. 4. Ordem parcialmente conhecida, e, nessa parte, denegada. (STJ, HC 144.954/SP, Relatora Ministra LAURITA VAZ, DJ 15.09.2011).
A respeito da alegação de que o indiciado não fugiu do local dos fatos, em primeiro lugar deve ser mencionado que tal circunstância não foi utilizada no decreto prisional de fls. 66/68. De qualquer modo, ainda que tenha ocorrido tal fato no caso concreto (ou seja, o indiciado não fugiu e aguardou a vinda dos policiais), isoladamente, tal circunstância não tem força para impedir a decretação (ou a manutenção) da prisão preventiva, devendo ser avaliada em conjunto com as demais circunstâncias, notadamente a gravidade concreta da conduta.
No que tange à alegada ausência de premeditação, trata-se de circunstância que requer maior aprofundamento, principalmente ao se considerar o depoimento do policial militar Jonathan, onde constou que “Mário declarou que iria matar o vizinho caso ele passasse em frente à sua residência” (fls. 2/3).
Os requisitos da custódia cautelar estão presentes no caso concreto. Com efeito, a existência do crime está demonstrada pelo laudo necroscópico de fls. 208/2011, enquanto os relatos das testemunhas Rodrigo e Juliana (fls. 5 e 6) caracterizam indícios de autoria em desfavor do indiciado.
Por sua vez, o periculum libertatis está consubstanciado na demonstração da imprescindibilidade da custódia cautelar como forma de resguardo da ordem pública. Consta dos autos que o indiciado teria ameaçado a vítima no dia anterior, inclusive na presença de um policial militar (depoimento de fls. 2/3) e no dia dos fatos, antes de supostamente atirar contra o ouvido esquerdo da vítima, teria apontado a arma em direção a cabeça de outras pessoas, dentre elas uma criança.
Desta forma, tais circunstâncias demonstram a gravidade concreta da conduta e sinalizam no sentido da periculosidade do indiciado e, consequentemente, eventual risco de reiteração, seja pelo fato de que no dia anterior teria ameaçado a vítima na frente de um policial militar (e no dia seguinte houve situação de agressão), seja pelo aparente modus operandi (apontar a arma para outras pessoas, incluindo uma criança, e disparar em seguida no ouvido da vítima que aparentemente não reagiu). Não se ignora que vítima e indiciado aparentemente possuíam divergências entre si, principalmente pelo uso de fogos de artifício pelo primeiro e o fato do segundo possuir animais (que se assustavam com tal prática).
No entanto, ainda que vedada tal prática pela citada Lei estadual 17.389/2021, há que se levar em conta as circunstâncias (concretamente) graves do episódio ora apurado. Nesse sentido, entendo que as medidas cautelares diversas previstas no art. 319 do CPP são insuficientes, considerando-se a concreta gravidade da conduta, justificando-se, ao menos por ora, a manutenção da prisão preventiva por estarem presentes seus requisitos.
Por fim, quanto aos alegados problemas de saúde do indiciado, também não há que se falar em revogação da prisão preventiva exclusivamente por tais motivos, sendo o caso de se analisar a possibilidade (ou não) de substituição por prisão domiciliar, o que será abordada a seguir. Por tais razões, indefiro o pedido de revogação da prisão preventiva de MÁRIO DAMORE JÚNIOR formulado a fls. 126/140. Quanto ao pleito de substituição por prisão domiciliar com base no art. 318, II, do CPP, tal preceito legal autoriza a substituição da prisão preventiva pela domiciliar em caso de agente “extremamente debilitado por motivo de doença grave”.
Consta dos autos documento médico que refere doenças que acometem o indiciado, referindo-o como portador de hipertensão arterial, diabetes, doença pulmonar obstrutiva crônica, sequelas pulmonares de infecção por covid-19 e depressão (CID I 10, E11, J 44, U 07.1, F 32), necessitando fazer uso constante de distintos medicamentos para o controle de tais alterações (fls. 157). Em que pese o acometimento de tais doenças, a prisão domiciliar somente tem cabimento se comprovada tanto o estado debilitado em razão da enfermidade como também a impossibilidade de receber tratamento no estabelecimento prisional em que se encontra, Nesse sentido: “[…] 5.
Para o deferimento da prisão domiciliar com base no art. 318, inciso II, do Código de Processo Penal, não basta que o Réu esteja acometido de grave doença. É necessário, igualmente, a comprovação de que se encontra extremamente debilitado em razão da enfermidade, aliada à impossibilidade de receber tratamento no estabelecimento prisional em que se encontra, o que não se observa no caso em questão. […].” (STJ, AgRg no RHC 160.192, Relatora Ministra LAURITA VAZ, DJe 03/10/2022); “[…] o deferimento da substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar,nos termos do art. 318, inciso II, do Código de Processo Penal, depende da comprovação inequívoca de que o réu esteja extremamente debilitado, por motivo de grave doença aliada à impossibilidade de receber tratamento no estabelecimento prisional em que se encontra. […].” (STJ, RHC 58.378, Relator Ministro FELIX FISCHER, DJe 25/8/2015).
No caso dos autos, a declaração médica de fls. 157 refere que o controle das doenças do indiciado pode ser feita mediante uso de medicamentos, razão pela qual não se vislumbra, ao menos inicialmente, que continue sendo medicado no próprio estabelecimento prisional, não se vislumbrando qualquer prejuízo no tratamento das doenças. Ante o exposto, não havendo comprovação de impossibilidade de tratamento em ambiente prisional, indefiro o pedido de substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar ante a ausência dos requisitos do art. 318 do CPP.
Por fim, entendo relevante a justificativa apresentada em relação ao parentesco do indiciado com policiais, circunstância que deverá ser obrigatoriamente observada pela Secretaria de Administração Penitenciária quando do encaminhamento para estabelecimento adequado, de modo a garantir a integridade física e psíquica. Ademais, o indiciado possui diploma de curso superior (fls. 147/148), sendo necessário observar também o disposto no art. 295, inc. VII, do CPP quando de seu recolhimento. Fls. 220/223: Trata-se de denúncia oferecida pelo Ministério Público em desfavor de MÁRIO DAMORE JÚNIOR. Apresentados indícios de autoria e prova da materialidade, conforme fundamentação acima, RECEBO A DENÚNCIA em desfavor do acusado.
Cite-se o réu para responder à acusação por escrito através de advogado, no prazo de 10 (dez) dias, podendo arguir preliminares e alegar tudo o que interesse a sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificando as provas que pretende produzir e arrolar até 08 (oito) testemunhas com qualificação e pedido de intimação. Apresentadas preliminares ou juntados documentos na resposta à acusação, abra-se vista ao Ministério Público por 05 (cinco) dias.
Oficie-se ao IIRGD comunicando o recebimento da denúncia. Cumpra-se o art. 380 das NSCGJ. Cobrem-se os laudos eventualmente pendentes por e-mail junto ao IC e/ou IML. Sem prejuízo, oficie-se para a vinda do BOPMU841. Existindo arma(s) apreendida(s), uma vez juntado aos autos o(s) respectivo(s) laudo(s), cumpra-se o art. 509 das NSCGJ. Intime-se a Defesa pela imprensa e ciência ao Ministério Público.