
O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) vetou, sob alegação de inconstitucionalidade, o projeto de lei de autoria da bancada feminina da Alesp (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo) e que determinava a entrega de kits de higiene íntima feminina não apenas para estudantes, mas para jovens que estão em vulnerabilidade social, detentas e as que estão em situação de rua. O veto não agradou as entidades que buscam soluções para a chamada pobreza menstrual e também não recebeu boa avaliação no Legislativo estadual, pois as autoras do projeto, de correntes políticas de esquerda e de direita, prometem trabalhar para derrubar o veto do governador.
Para a socióloga e ex-secretária de Políticas para Mulheres de São Paulo, Dulce Xavier, que também integra a Frente Regional do ABC de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher, a decisão do governador representa um retrocesso.
Dulce diz que resta agora a mobilização política para a derrubada do veto do governador na Alesp. “Especialmente as mulheres encarceradas vivem um grande drama em relação a isso, porque elas não recebem nada, há casos em que elas usam jornal para conter o fluxo menstrual, o que é um grave problema de saúde pública; essas mulheres podem ter problemas reprodutivos para o resto da vida e ter de lidar com problemas sérios resultantes de infecções. Além disso, temos as mulheres e meninas que vivem em extrema pobreza e a maior parte das que estão nessa linha é mulheres negras, que têm uma dificuldade muito maior para conseguir emprego e quando conseguem ganham tão pouco que o dinheiro vai para o que é prioridade, a comida”, afirma a socióloga.

Segundo Dulce, a sociedade ainda trata a menstruação como tabu, mas faz parte do cotidiano da mulher. Afirma que adolescentes morrem de vergonha quando estão na escola e muitas vezes abandonam os estudos porque não têm acesso a algo tão simples. “O governo do Estado repete o tratamento dado ao assunto pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e alguns prefeitos seguem a cartilha, só dão o mínimo porque está na lei e não há vontade política para melhorar”, diz.
A ex-secretária de Políticas para Mulheres de São Paulo comenta, ainda, que a sociedade não incorporou a ideia de que metade da população é mulher que menstrua e tem filhos, portanto o kit de higiene íntima deveria fazer parte da cesta básica das famílias carentes, pois é uma questão de saúde pública, de direitos humanos ter um mínimo de dignidade, higiene e saúde. “Eu vejo que a pobreza menstrual é tão importante quanto outros temas que atingem diretamente a mulher, como a violência e a miséria, algo que a constrange muito”, completa.
A deputada estadual Delegada Graciela (PL) uma das autoras do projeto, disse à imprensa nesta sexta-feira (10/02) que fará tudo que for possível para derrubar o veto do governador à proposta de lei. A deputada Marina Helou (Rede) outra autora da propositura denominada Menstruação Sem Tabu, disse que o projeto passou por audiências públicas e pela análise inclusive da Secretaria de Finanças e não havia inconstitucionalidade até então. “É um triste retrocesso o governo de São Paulo vetar um projeto tão importante na vida de meninas e mulheres, que foi construído por deputadas da ALESP de diferentes partidos. O PL buscava acesso a absorventes higiênicos não só em lugares públicos, mas onde realmente precisam estar. A falta de informação e de recursos para enfrentar a menstruação pode causar traumas e constrangimentos desnecessários, e é por isso que esse projeto era tão essencial. Sinto muito que o Tarcísio tenha vetado”, disse a deputada Marina.
De acordo com Vanessa Aparecida dos Santos, integrante da Cufa (Central Única das Favelas) de São Bernardo e que cuida dos núcleos habitacionais dos bairros do Riacho Grande, a pobreza menstrual é um dos grandes problemas das comunidades. Ela disse ter ficado indignada com a atitude do governador. “Fico muito triste em saber dessa decisão do governo de São Paulo. É de extrema importância o tema da pobreza menstrual, pois muitas meninas e mulheres dependem de uma ajuda, principalmente nas escolas, UBS e de Ongs como nós da Cufa São Bernardo. Precisamos juntar forças contra essa decisão descabida do governo,que parece não ter Conhecimento das necessidades das comunidades”, lamenta.
Municípios
Enquanto a discussão segue no nível estadual, nos municípios a distribuição dos kits de higiene íntima, ou somente de absorventes, ainda é pequena e se resume basicamente no fornecimento para alunas do ensino Fundamental I e em alguns casos do Fundamental II. Isso porque a partir do Fundamental II o ensino é atribuição do Estado, salvo algumas exceções.
Em São Caetano, desde o ano passado as alunas da rede municipal que necessitarem recebem absorventes nas escolas de Ensino Fundamental. A prefeitura informou que em 2022 foram distribuídos 22 mil unidades de absorventes. “Os absorventes ficam disponíveis a todas as meninas da Unidade Escolar. A proposta é para utilização na unidade, no entanto, é disponibilizado às meninas que necessitarem levar para suas casas, em especial aquelas que estiverem em situação de vulnerabilidade”, informa a administração em nota. Em 2022 a prefeitura gastou neste programa R$ 5.250.
A prefeitura de São Bernardo gastou mais; foram R$ 730 mil no ano passado no seu Programa Dignidade Menstrual, que oferta absorventes, todos os meses, às alunas matriculadas no 4º e 5º ano do Ensino Fundamental II e Educação de Jovens e Adultos (EJA).
Em Diadema a distribuição abrange também as não alunas da rede. A cidade lançou em 2021 o programa “Ciclo do Bem – Diadema em Defesa da Dignidade Menstrual”. Além das estudante do Fundamental I, os casos identificados pela Secretaria de Educação são encaminhados ao programa Ciclo do Bem do Fundo Social de Solidariedade e as meninas passam a receber, gratuitamente, os absorventes íntimos. “O programa Ciclo do Bem recebe doações de absorventes femininos e itens de higiene e direciona à sede do Fundo Social e às 20 UBSs (Unidades Básicas de Saúde) da cidade. Também envolve rodas de conversa e sensibilização entre meninas e mulheres em escolas e outros programas e equipamentos, como nos CRAS, no EJA, com os Adolescentes Aprendizes e em espaços de acolhimento, como abrigos e centros de referência. Homens transexuais que ainda menstruam também recebem orientação junto ao Ambulatório Trans, no Quarteirão da Saúde”, informou a prefeitura. A cidade recebeu doação no ano passado de 390 pacotes (com 8 unidades cada), volume que foi distribuído para população em situação de rua. Neste ano, a primeira ação da Campanha Ciclo do Bem acontece no dia 06/03.
Santo André atende apenas as alunas. “A Secretaria de Educação de Santo André informa que a rede municipal de ensino atende crianças até o fundamental I (7 a 11 anos). Por conta da baixa demanda, quando ocorre algum tipo de necessidade, o Conselho de Escola realiza a compra e a distribuição de absorventes. Não há na cidade uma ação específica de distribuição dos itens para pessoas em situação de rua e em vulnerabilidade social. Quando o Fundo Social de Solidariedade recebe doações, repassa a entidades assistenciais do município”, informa nota do paço andreense.
As demais prefeituras não se pronunciaram sobre o tema.
Justificativa
O governo paulista diz que já mantém programas de distribuição gratuita de absorventes íntimos. Em nota, a assessoria de Tarcísio informa que além de alunas atende também às detentas. “O projeto de lei 177/199 foi vetado em razão de sua inconstitucionalidade. As políticas públicas para a distribuição de absorventes higiênicos íntimos, coletores menstruais, lenços umedecidos, sacos e respectivos dispensadores para descarte de absorvente para estudantes da rede estadual de ensino e internas do sistema prisional seguem vigentes e em execução em todo Estado de São Paulo. O programa Dignidade Íntima, por exemplo, distribui absorventes higiênicos para cerca de 1,45 milhão de estudantes na faixa etária de 10 a 18 anos em situação de vulnerabilidade na rede estadual de ensino e nas unidades do Centro Paula Souza (Etec e Fatec). Em 2022, foram investidos R$ 35,9 milhões. As estudantes recebem kits com os insumos mensalmente e podem utilizar os que ficam à disposição nas dependências das instituições de ensino”.