
Uma pesquisa conduzida pelo observatório Observa Infância da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) mostra que no país a cobertura vacinal para a hepatite B ficou em 75,2% em 2022, um dos piores índices da história. Isso significa que a cada dez bebês praticamente três não foram imunizados contra a doença e podem, no futuro, quando tiverem mais idade, sofrerem de cirrose hepática, cuja única cura é o transplante de fígado, ou um câncer, cujo tratamento é muito difícil. No ABC, há cidades com cobertura vacinal ainda pior que a média nacional, como Santo André, que está em 65%, já Diadema tem a melhor cobertura da região, com 85,41%.
Segundo o médico infectologista e professor da Faculdade de Medicina do ABC, Munir Akar Ayub os riscos para quem não for imunizado são grandes. “O contato com o vírus na infância aumenta a chance dessa criança ser portadora da hepatite crônica e quando for mais velha, terá 90% de chance de desenvolver uma cirrose hepática ou um câncer no fígado. O percentual em adultos é bem menor, em torno de 15%, muitas vezes o vírus é eliminado sem causar problemas”, explica.
Não há mecanismos legais para que os serviços de saúde informem a órgãos como o Conselho Tutelar, por exemplo, a ocorrência de famílias que se negam a vacinar seus filhos. Para o médico e professor da FMABC o que pode ser feito é a escola orientar. “Nas escolas públicas se exige a apresentação da carteira de vacinação, aí os pais são chamados para conversar, mas não se pode obrigar a vacinar se os pais não quiserem. A preocupação maior não é a criança transmitir para outras, porque o formato de transmissão é pelo sangue ou por relação sexual, mas o problema é com a saúde futura do indivíduo”, analisa.
Antivacinas
Para Ayub o movimento antivacinas, que era muito pequeno no país até há pouco tempo, cresceu nos últimos dos anos por conta de disputas políticas durante a pandemia da covid-19 e as fake news criadas para desinformar sobre as vacinas. “Não é apenas a adesão à vacina da hepatite B que está baixa, todas estão; a do sarampo, rubéola e poliomielite. Temos 50% da população que sequer tomou o reforço da vacina contra a covid-19 e tudo isso se deve às fake news e as campanhas criadas para o descrédito das vacinas. Antes da pandemia a cobertura vacinal para essas doenças era de 90% e hoje, dois anos depois do início da vacinação contra o novo coronavírus temos ainda notícias falsas que correm dizendo que a vacina faz mal”, diz o infectologista.
“As pessoas têm a falsa sensação de segurança e dizem que tais doenças não existem mais, mas se elas não existem é graças ao êxito da vacinação. Essas doenças ainda circulam fora do país, como na África, por exemplo, e se elas voltarem vão encontrar um monte de pessoas não vacinadas. No meu tempo de escola tínhamos várias crianças em cadeira de rodas, com membros atrofiados isso era a poliomielite, o que já não se vê mais, porém hoje existe um grande risco dessas doenças voltarem, principalmente a pólio e o sarampo”, lamenta o infectologista.
Para a infectologista Elaine Matsuda, quando a primeira vacina acontece já na idade adulta podem ocorrer problemas. “A vacina pode ser tomada a qualquer idade, o problema de se tomar mais velho é ter certeza que se está tomando a vacina sem ter a hepatite B. Se a pessoa já pegou e toma a vacina, vai achar que está protegido, quando na verdade pode ter pego a doença e já se curou, o que ocorre em 90% dos casos, ou está nos 10% que têm hepatite B crônica e acha que está protegido. Quando se vai tomar a vacina depois e já ter iniciado a vida sexual, ido em manicure, vale a pena fazer o teste rápido, igual o do HIV em todas as unidades de saúde”, recomenda.
A médica aponta que a doença evolui para a condição crônica em crianças porque o paciente não tem defesas e a doença se fixa, por isso a necessidade da vacinação logo que a criança nasce. Para a especialista, a não vacinação é passível de denúncia ao Conselho Tutelar, mas a interpretação sobre uma medida judicial ou não vai depender do entendimento do juiz. “A vacina é um direito da criança na prevenção das doenças infecciosas. Quando você dá a vacina, não protege só seu filho, protege a comunidade e quando o direito da comunidade suplanta o direito individual, é aí que a gente frisa porque a escola exige o comprovante vacinal”, disse Elaine.
A infectologista de Santo André, houve muita desinformação do último governo federal em relação às vacinas que fizeram surgir os movimentos antivacinas. “Uma mãe que nunca questionou as vacinas que eram dadas no seu filho passou a questionar a vacina contra a covid-19. É um retrocesso. A pessoa não toma a vacina, mas quando ela pega a doença, se interna e gera um custo para o SUS (Sistema Único de Saúde) todos nós pagamos, ou seja, além de não tomar vacina, transmitir para outras pessoas a gente ainda paga essa conta no final”.
Cidades
Em Santo André, em que pese a prefeitura destaque que não há falta de imunizantes, o percentual de vacinados é de apenas 65%, dez pontos percentuais abaixo da média nacional levantada pela Fiocruz. Em nota o paço andreense informou que na cidade o público alvo da vacina é de 8.598 crianças e, destas, cerca de 5.626 bebês foram vacinados. “A Secretaria de Saúde informa que a vacina contra hepatite B faz parte do Calendário Nacional e Estadual de Imunização, e está disponível para todas as idades. As crianças devem receber uma dose da vacina ao nascer, preferencialmente nas primeiras 24 horas de vida na maternidade. Além disso, aos 2, 4 e 6 meses, elas recebem a vacina Pentavalente (DTP+HIB+Hepatite B). O imunizante está disponível nas 34 Unidades de Saúde, sem necessidade de agendamento prévio, e também em três maternidades (Hospital da Mulher, Hospital e Maternidade Brasil e Hospital e Maternidade Christovão da Gama)”, informa a administração.
Em Mauá, os números estão acima da média nacional. A cobertura vacinal de hepatite B para menores de 1 ano na cidade está em 79,24%, o que equivale a 3.890 crianças vacinadas, segundo nota da prefeitura. “A vacinação é realizada de segunda a sexta, nas 23 UBSs (Unidades Básicas de Saúde) de Mauá. Não é necessário agendamento, basta o pai ou responsável levar a criança ou adolescente até a UBSs (Unidades Básica de Saúde) mais próxima de sua casa, de segunda a sexta, das 9h às 16h. No local é preciso apresentar a carteirinha de vacinação”, orienta a prefeitura.
Em São Bernardo a cobertura também está acima da média nacional. “As doses de hepatite B são preconizadas pelo Ministério da Saúde para bebês menores de um ano. Para essa faixa etária, com público alvo de 9.158 crianças, o percentual de cobertura vacinal no município é de 78,2%. Todas as 33 unidades Básicas de Saúde (UBS) ofertam a vacina, sem necessidade de agendamento”, informou a secretaria municipal de saúde.
São Caetano apresentou também boa adesão à vacina, segundo nota encaminhada pela prefeitura. “Em 2022, 84,2% do público alvo (1.525 bebês) foram vacinadas. É vacinação de rotina pode ser feita em qualquer UBS sem necessidade de agendamento. Temos o imunizante em todas as unidades”, diz o comunicado.
Diadema tem o melhor índice de vacinação do ABC, excluindo-se Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, que não informaram. O município atingiu a marca de 85,41% para crianças menores de 30 dias. A prefeitura diz que há vacinas disponíveis nos postos de saúde. “A dose inicial é realizada ainda na maternidade e as demais doses, na Unidade Básica de Saúde de referência. A vacina está disponível no calendário das crianças menores de um ano na Vacina Pentavalente e para as demais faixas etárias para os não vacinados ou que não tem comprovação da vacina. Para receber a dose e ficar protegido, basta procurar uma das 20 UBSs”, informa a prefeitura diademense que vai realizar no sábado (04/03) o Dia D para atualização de carteira de vacinação. A ação vai acontecer das 8h30 às 16h, em todas as UBSs.