
Nesta quarta-feira (8/03), o “feliz dia” será frequente nas mensagens destinadas às mulheres, em razão das ações em prol do Dia Internacional da Mulher, que pede por mais respeito e igualdade. Mas e quanto ao resto do ano? Quando se vê dados de violência contra as mulheres e as situações de desigualdade e intolerância, percebe-se que para muitos, é apenas mais uma data, e que no resto do ano, as atitudes são completamente opostas.
Para se ter ideia, somente em janeiro de 2023, a SSP-SP (Secretaria de Segurança Pública de São Paulo) contabilizou 8.501 casos de ameaça contra a mulher em todo o Estado, enquanto 128 mulheres vivenciaram situações de constrangimento ilegal e 47 passaram por maus-tratos. A delegada titular de polícia da Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) de Diadema, Renata Cruppi, comenta sobre os desafios que as mulheres ainda têm de enfrentar e as vitórias conquistadas, a serem celebradas neste 8 de março.
“A mulher passou por desafios consideráveis para ter seu espaço. Especialmente na área de segurança pública, isso ainda é um desafio que precisa ser superado, dia após dia”, avalia. A delegada conta que, historicamente, o setor carrega resistência e machismo no que se refere ao atendimento da mulher delegada. “Houve um período que ser delegada de polícia era possível só no masculino, e era preciso muito até ver que a mulher também é capaz de fazer um trabalho tão bom quanto ao exercido pelo homem”, conta.
Delegada de polícia há 14 anos, sendo 10 deles à frente da DDM como titular, Renata foi inspirada a entrar na profissão por um delegado que atendeu a ocorrência em que ela mesma foi vítima aos 8 anos de idade. “Justamente por ser muito acolhedor e por me atender muito bem, não me deixar com sentimento de constrangimento, fiquei encantada. Pude observar o ambiente, determinando o que seria feito com as ocorrências, e ali já sabia que seria minha carreira”, diz. A convicção era de que conseguiria fazer diferença na vida das pessoas, e não apenas trabalhar com o crime.
Foram necessárias muitas provas até que hoje, independente de quem coloque em dúvida sua competência como mulher, a delegada conseguisse, de forma muito tranquila, tirar as dúvidas de quem quer que seja e procura o serviço. “Precisamos sempre demonstrar que percebemos o questionamento, esclarecer e voltar o assunto”, afirma. A vitória são das mulheres que agora têm mais confiabilidade no seu próprio esforço, que têm o reconhecimento necessário e que conseguem conquistar seu próprio espaço.
Diante do 8 de março, a delegada diz ser um dia necessário ao debate e desconstrução de padrões culturais. “É dia de reflexão e de respeito para reduzir o número de violência contra as mulheres”, afirma. Segundo Renata, ainda há muito para conquistar e avançar para chegar em um patamar aceitável na questão da igualdade de homens e mulheres. “Então, ao invés de darmos flores nesse 8 de março, que tal optarmos por mais respeito, confiabilidade, menos assédio e mais olhar, reconhecimento?”, questiona.

Liberdade política e respeito
A socióloga e militante feminista, Dulce Xavier, coordenadora do curso de Promotora Legal Popular de São Bernardo, comenta que neste 8 de março, se comemora a volta da democracia. A reconstrução das políticas para as mulheres, para promoção dos direitos humanos e para a igualdade racial. “Falta muito para conquistarmos igualdade que esperamos, porém só avançaremos num contexto de liberdade política e respeito”, afirma.
Dulce comenta que as mulheres continuam sobrecarregadas com a sobrevivência. “Elas ganham menos que os homens e precisam dedicar mais horas no trabalho e nas tarefas domésticas, sem o apoio de creches e escola de tempo integral para suas crianças”, diz. Segundo a promotora, as mulheres negras acumulam ainda mais dificuldades para a sobrevivência, pois são a maioria entre as mais pobres, entre as desempregadas e as que demoram mais para encontrar trabalho. “Apesar de sentirem os efeitos das desigualdades de gênero, classe e raça, as mulheres têm pouco tempo para participar de movimentos sociais de reivindicação e para frequentarem espaços de formação”, explica.
A participação das mulheres como cidadã conscientes de que existem desigualdades e violências é cada vez maior, conforme diz a promotora. “As mulheres são maioria nos movimentos de luta por moradia, por exemplo. Estão mais atuantes nos partidos políticos, assim como em outros movimentos de mulheres por direitos, especialmente as mais jovens”, diz.
Dulce conheceu o Projeto Promotoras Legais Populares por volta de 2000, por meio de Amelinha Teles, que iniciou o projeto no Estado de São Paulo. “Achei a ideia de condensar num curso de educação popular as informações vitais para o fortalecimento e a autonomia das mulheres uma estratégia fantástica para, a longo prazo, conseguirmos derrotar o machismo e conquistarmos a igualdade”, diz. O que a inspirou integrar no projeto foi a possibilidade de contribuir na formação da vida de mulheres. Desde então, segue na luta, inclusive contribuiu com a elaboração do projeto Casa da Mulher Brasileira, para apoio e acolhimento das mulheres.
Mulher empreendedora
Assim como 40% dos brasileiros, a dona da Pink sua Vida, em Ribeirão Pires, Paula Olaf, começou a empreender por necessidade, e superou as camadas do machismo. Ficou desempregada em 2018, quando passou a oferecer serviço de prospecção a amigos. Após alguns meses, conseguiu emprego CLT e, ainda sim, buscou pessoas para dar continuidade ao trabalho freelancer. “Durante a pandemia, meu foco foi dar treinamentos de vendas para mulheres com intuito de ajudá-las com recolocação no mercado de trabalho”, diz.
Uma análise de dados do Ministério do Trabalho mostrou que 480 mil postos de trabalho com carteira assinada foram perdidos em 2020. Deste total, 462 mil eram ocupados por mulheres. “Tenho muitas mães solo no projeto, mães de filhos autistas ou com necessidades especiais e também mulheres que cuidam de pais acamados. Essa parcela de mulheres é excluída economicamente da sociedade. É muito mais difícil essa mulher conseguir um emprego”, salienta.

O maior desafio, diz Paula, é gerar renda para essas mulheres e garantir o empoderamento feminino dessas empreendedoras. “Uma mulher sem trabalho e uma fonte de renda vira refém de um relacionamento abusivo”, afirma. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) revela que uma em cada três mulheres – cerca de 736 milhões de pessoas -, é submetida à violência física ou sexual por parte de seu parceiro ou violência sexual por parte de um não parceiro.
Quem também investe na questão da empregabilidade é a consultora de empresas (RH e Carreira), Simone Pita do Nascimento. Além de ser educadora e ter trabalhado em empresas de diversos segmentos, Simone cria projetos sociais de impacto e direciona esforços para gerar valor a cada atividade que realiza. “Empreender vai muito além de ser uma mulher que empreende. Não é ter somente um ‘status’ de empresária, e sim de assumirmos uma trajetória de empoderamento e busca por nossos propósitos”, diz.
Entre alguns contextos que desafiam o papel da mulher no mundo dos negócios, Simone cita a aceitação e busca por condições igualitárias, justamente por aspectos que envolvem barreiras culturais, equiparação salarial, múltiplas jornadas e maternidade. No entanto, há, ainda que pouco, o que celebrar neste 8 de março, entre os pontos a maior participação da mulher no mercado de trabalho, o quão destemida a mulher está, cada vez mais, e como as mulheres tornam-se cada vez mais visíveis.
“Temos que comemorar o empoderamento e as possibilidades que este ‘lugar’ nos traz. Temos que comemorar os espaços que já conquistamos e aqueles que ainda vamos conquistar. Temos que comemorar a possibilidade dos caminhos para a discussão, para o debate, para a luta por direitos, em espaços que são de todos e não de ‘alguns’, frisa.