
Ao menos 261 profissionais ligados à administração pública de quatro, das sete cidades do ABC, seguem afastados de suas funções desde o início da pandemia da covid-19, em 2020. O grupo de trabalhadores precisa deixar temporariamente o serviço após apresentar problemas relacionados a saúde mental e/ou sintomas pós-covid que os impossibilitaram de retornar por fazerem parte de algum grupo de risco.
Levantamento feito pelo RD mostra que, de março até agora, 626 servidores de Diadema se afastaram por licença médica por transtornos mentais e comportamentais, sendo que a área mais afetada foi a da Educação. Do total de servidores, 93 ainda estão afastados para tratamento. Para reinserção do servidor no ambiente do trabalho, a Prefeitura possui programa de acolhimento e recuperação, escuta qualificada com plantão telefônico, acolhimento individual e rodas de conversa. Também há elaboração e divulgação de material informativo para população e servidores.
Algum tipo de doença mental
Em São Bernardo, desde abril de 2020 foram afastados 2.535 servidores por algum tipo de doença mental. Do total, 2.459 servidores retornaram para o ambiente de trabalho, mas 76 seguem em licença médica. Os reinseridos passam por atendimento médico, por meio de perícias, para acompanhamento do quadro de saúde e, quando necessário, há envolvimento do Serviço Social.
Já em São Caetano, afastamentos acima de 15 dias foram contabilizados de 301 profissionais, sendo a Saúde (217) a área mais afetada, seguida da Educação (84). Estão reinseridos no ambiente de trabalho 227 trabalhadores. Hoje, 55 seguem de licença e 19 profissionais de Saúde se desligaram da administração. Segundo a Prefeitura, o total de atestados por problemas relacionados a saúde mental foi de 1.524 no período destes três anos.
Para contornar os casos, foi criado um sistema de atendimento especial que engloba consulta com profissional especializado, avaliação médica que verifica também o estado emocional do trabalhador e acompanhamento por profissional da saúde mental. Além disso, as equipes multiprofissionais realizam ações e oferecem suporte terapêutico aos trabalhadores de todas as áreas da administração. As linhas de cuidado também se estendem aos munícipes.
Transtornos emocionais/psiquiátricos
Ao final da lista aparece Santo André, com 37 profissionais atualmente afastados do serviço. Em 2020, no primeiro ano de pandemia, foram 252 servidores afastados por transtornos emocionais/psiquiátricos e, deste total, 104 servidores eram da Educação, 86 da Saúde e 62 nas demais secretarias. No ano seguinte, foram 524 servidores (284 Educação), 131 da Saúde e 109 nas demais secretarias.
Do início de 2022 até 23 de maio deste ano, foram 1.069 servidores afastados – sem registro de afastamento por Burnout -, com ansiedade generalizada e transtorno depressivo entre os principais motivos. Do total, 858 são profissionais da Educação, 111 da Saúde e outros 100 das demais secretarias. Os servidores afastados recebem atendimento por meio do convênio médico oferecido pela Prefeitura, que presta suporte de acordo com a necessidade de cada funcionário.
Diagnóstico
Os transtornos mentais demandam de avaliação médica especializada. Enquanto em casos mais simples, médicos de outras especialidades são aptos a realizar diagnóstico, nos casos mais complexos é preciso avaliação médica psiquiátrica. “Esse diagnóstico baseia-se na história clínica, nos sinais e sintomas do paciente e outras condições biopsicossociais associadas, por isso a necessidade de um acompanhamento”, explica o psiquiatra da Rede D’Or São Luiz, Líbano Abiatar C. Monteiro.
Entre os transtornos mentais mais comuns estão os transtornos ansiosos (como da ansiedade generalizada e o pânico), transtornos depressivos e por uso de substâncias, a exemplo do álcool. Já nas populações que mais foram expostas a adversidades desde a pandemia, o médico cita que houve alta latente no número de diagnósticos em profissionais da saúde, segurança e educação, “além dos adolescentes, que também foram especialmente impactados”, afirma.
Sinais
O psiquiatra cita que mudança de comportamento e discurso é a forma mais segura de se observar algum tipo de sofrimento nas pessoas que nos rodeiam, e conversar é a melhor ferramenta. “Através de diálogo franco e acolhedor podemos detectar eventuais problemas que as pessoas estão enfrentando”, diz. Para Claudete Alves de Lima, psicóloga do Hospital Christóvão da Gama, de Diadema, manter uma rede de apoio e acolhimento também é de suma importância.
Para isso, a profissional defende que todos os ambientes precisam estar abertos a discutir a saúde mental. “Se faz necessário atuar em três pilares fundamentais: prevenção, percepção e tratamento, normalmente nessa ordem de prioridade”, recomenda. De acordo com Claudete, quando se abre a discussão com palestra informativa ou roda de conversa com o tema específico, a pessoa pode se sentir mais acolhida, bem como, saber as formas de procurar ajuda e se cuidar.
A psicóloga cita ficar triste ou ansioso diante de uma situação nova na vida (seja de ganho ou perda), problemas na concentração, distúrbios do sono, cansaço ou falta de energia, irritação, preocupação, choro fácil, pessimismo exacerbado e sentimento de desesperança como sinais que acendem alerta para procurar ajuda especializada.
Impacto no trabalho
Segundo a psicóloga, a pandemia da covid-19 desencadeou aumento de 25% nos casos de ansiedade e depressão geral em todo o mundo, além de expor o quão despreparados os governos estavam para o impacto na saúde mental, o que revelou uma escassez global crônica de recursos para a saúde mental.
Para o psiquiatra, as empresas podem ter um impacto bastante positivo no sentido de implementar programas especializados na área de saúde mental. “Voltar a atenção para a saúde mental dos colaboradores certamente reduz a chance de diversos transtornos. Além disso, estes podem ser detectados mais precocemente – o que melhora o prognóstico”. Na sua visão, felizmente é cada vez mais comum ver empresas se movimentarem neste sentido, porém conforme afirma o médico, muito ainda precisa ser feito.
Já no ponto de vista da psicóloga, este é o momento oportuno para desempenhar programas informativos que possam esclarecer sobre saúde mental e formas de tratamento, pois quanto mais informação correta e eficaz, maior a prevenção e possibilidades de tratamento. “Os transtornos psiquiátricos, devem ser cuidados para que a doença não evolua, pois é possível tratar para que o paciente possa ter uma vida menos angustiante e com mais qualidade”, afirma.