
Em maio foi comemorado o Dia Nacional da Adoção (dia 25), com atividades em diversas partes do País para conscientização sobre o tema. Segundo o TJSP (Tribunal de Justiça de São Paulo), somente no ABC há 544 crianças acolhidas institucionalmente, vivem em abrigos. Na outra ponta há 560 habilitados para adoção, sendo que neste cadastro cada interessado em adotar ou casal é contado como uma habilitação.
No cruzamento destes números surgem dúvidas e a principal delas é por que a conta não fecha. Se há tantas crianças em abrigos e tantos interessados em adotar, por que o número de abrigados continua a aumentar? Não é raro a criança crescer e completar maioridade sem ser adotada.
A explicação está nos processos judiciais que envolvem a criança, que são demorados. Ainda de acordo com levantamento feito pelo TJSP a pedido do RD, no ABC, das 544 crianças acolhidas, apenas 51 estavam aptas a serem adotadas, segundo dados atualizados até o dia 24 de maio. Essas que estão aptas, são aquelas cujo processo judicial já definiu a destituição do poder familiar da família biológica e entraram no Cadastro Nacional de Adoção.
Perfil da criança
Outro fator que impede maior número de adoções é o perfil de criança que a família busca. O histórico mostra que quanto mais velha, menor a chance de ser adotada. Grupos de irmãos também têm dificuldade de serem escolhidos pela nova família uma vez que a Justiça faz o possível para não separar irmãos. Crianças com doenças tratáveis e outras não tratáveis, ou portadores de síndrome de Down ou autismo, por exemplo, também ficam mais tempo nos abrigos.
Os interessados na adoção, que podem ser casais hétero ou homossexuais, ou ainda pessoas solteiras, devem passar por um processo de análise pelo Judiciário; a habilitação. Depois de se inscreverem no Fórum da cidade como interessados em adotar, passam por análise psicológica e social, feita por técnicos do fórum. Após isso, fazem um curso e aguardam o juiz decidir se estão habilitados para adoção.
Todos esses procedimentos podem demorar, diante da demanda do Poder Judiciário que traz morosidade aos processos. Mas para quem sonha em ter um filho e buscou a adoção para realizá-lo, nem mesmo a longa espera desiste. É o caso do casal Alvina Domingues dos Santos e Randolpho Carvalho Fonseca, que há quatro anos se uniram ao pequeno Eduardo, hoje com cinco. Há apenas um ano concluíram o processo de adoção cujo último ato é a emissão de uma nova certidão de nascimento com o nome dos pais adotivos e o novo sobrenome da criança adotada. A certidão antiga é anulada e os nomes dos pais biológicos não aparecem no novo documento.
O caso mostra que, mesmo já com a criança na família adotiva, o processo não termina até que a nova certidão de nascimento saia. Mas para Alvina e Randolpho esse foi um detalhe, porque antes de conhecer Dudu, como é carinhosamente chamado, o casal passou por um longo caminho em diferentes estados e que demorou cinco anos. O casal deu entrada no processo de habilitação em Niterói (RJ), mas depois se mudou para Porto Alegre (RS), para onde o processo foi transferido e depois novamente transferido para Santo André, onde a família vive hoje.
“Foi uma gestação longa, foram cinco anos”, comenta Alvina sobre a espera pelo filho. Alvina conta que o casal tinha dificuldades para ter um filho biológico e a adoção sempre parecia uma opção considerada para a formação da tão sonhada família. “Tentamos a gravidez, fizemos tratamento e chegamos a fazer uma fertilização in vitro, mas não deu certo. Como a barriga nunca foi meu desejo, passar pelo processo de gravidez, não fizemos mais outras fertilizações, partimos para a adoção”, conta.
Telefonema
Alvina diz que foi grande a angústia de esperar o telefone tocar e do outro lado da linha alguém do fórum dizer que havia uma criança disponível para adoção. Em geral os pretendentes à adoção aguardam com muita ansiedade este momento. Para Alvina e Randolpho, isso demorou cinco anos. “Eu fui fazer outras coisas, para não ficar na angústia. Tanto que quando o Dudu chegou eu estava com 43 anos de idade, cheguei a pensar se ainda valeria a pena, chegamos a repensar a adoção, porque parecia que o telefone nunca ia tocar, mas não desistimos. Até que um dia ele tocou. Foi uma correria, tivemos que ir de Porto Alegre para o Rio de Janeiro para buscá-lo e, como sabíamos que ia demorar, já fiz as malas para vários dias”, conta a mãe.
Uma parte marcante pela qual os casais passam é o encontro e as perguntas feitas no fórum. “Me perguntavam, insistentemente, se eu realmente queria aquela criança. Mas claro que sim, eu respondia. Essa é a hora do meu parto, como perguntam se eu tenho certeza? Mas deu tudo certo em quatro dias meu filho saiu do abrigo e saímos comprando correndo tudo o que ele precisava, contamos com a ajuda da família e até de vizinhos que tinham filhos da mesma idade”, conta.
A família formada pela adoção enfrenta as mesmas dificuldades de uma família cujos filhos são biológicos, são desafios como a educação, a saúde e a relação familiar. No caso de Alvina, Randolpho e Eduardo a aceitação da família foi imediata, quanto à saúde Dudu tinha alguns problemas alérgicos que precisavam ser tratados. “Quando pegamos ele no abrigo ele estava em tratamento com algumas feridas pela pele e mesmo assim ele só sorria, no abrigo o apelido dele era bebê sorriso”, relembra.
A adoção interracial, caso de Dudu que é negro e tem pais brancos, é outro obstáculo que as famílias têm de enfrentar. “Aqui em São Paulo, não é muito assim porque os povos se misturam , mas em Porto Alegre é muito diferente, meu filho era a única criança negra na escola. Isso motivou a gente a vir para São Paulo, também para ficar perto da família”, explica a mãe.
Em Santo André, onde a família se fixou, Alvina e Randolpho passaram a frequentar o Grupo de Apoio à Adoção Laços de Família, que auxilia quem pretende adotar e quem já adotou. “Fomos super bem acolhidos, a gente já estava com nosso filho, mas procuramos o grupo para nos ajudar mais na questão afetiva. Desde o início tínhamos a intenção de que o Dudu soubesse que é uma criança adotada, não queremos esconder isso dele. Ele sabe, do jeito dele, de uma criança de cinco anos, que nasceu da barriga de outra mãe e tudo bem para ele. O grupo ajudou muito nesse aspecto. Em Porto Alegre não há grupos como esse, que ajudam muito”, completa.