
Quem já não se surpreendeu de ter comprado um produto recentemente e perceber que acaba antes do previsto? Isso pode acontecer como sabão em pó, sabonete, massas e até papel higiênico. Essa é a chamada reduflação, nova estratégia da indústria que diminui a quantidade do conteúdo nas embalagens para maquiar a alta dos preços, mas na prática não há redução de preço em comparação com o produto na antiga embalagem. Há casos em que até há aumento. Especialistas em levantamento de preços e direito do consumidor dizem que a prática encarece em torno de 20% a mercadoria e é abusiva com base no código do consumidor.
Para o engenheiro agrônomo Fábio Vezzá De Benedetto, que coordena a pesquisa da cesta básica no ABC realizada pela Craisa (Companhia Regional de Abastecimento Integrado de Santo André), a reduflação tem deixado rombo no bolso do consumidor que tem levado menos para casa pelo mesmo preço ou até mis caro. Segundo o engenheiro, até os meios de pesquisa usados para apurar o valor da cesta básica tiveram de se adaptar aos novos formatos das embalagens de produtos.
Foram diversas mudanças nas embalagens ao longo dos últimos meses. Benedetto aponta para os casos do pacote de 200 gr da bolacha salgada cream cracker que agora pesa 165g; e do molho de tomate de 340g, agora com 300g. Outros exemplos são do creme dental de 90g para 70g; sabão em barras de 200g para 180g; esponja de aço de 60g para 45g; papel higiênico folha dupla de 30m para 20m; e cartela de ovos de uma dúzia agora com 10 unidades.
Benedetto diz que houve alta de preço em média de 20%. “Para mascarar essa alta dos produtos reduziram a embalagem. O pior mesmo foi no sabão em pedra e no sabão em pó que, praticamente, dobraram de preço de um ano para cá e, para mascarar reduziram bastante o tamanho da embalagem. O sabão em pedra que tinha um quilo no pacote com cinco unidades caiu para 900g. O sabão em pó sofreu um processo, no começo da pesquisa o pacote tinha 3,6kg e hoje está com 800g e já vi até embalagem de 400g que é para quem não tem dinheiro. Devem falar que é para família pequena, mas é porque está caro mesmo”, comenta.

Menos metros de papel higiênico
O papel higiênico é o item que se o consumidor não ficar atento às letras pequenas na embalagem vai levar menos produto. Até meados dos anos 2000 o produto vinha em rolos de 40 metros e nas compras em atacadistas se encontrava até em rolos maiores. Agora, a indústria disfarça o produto com embalagens com maior quantidade de rolos, só que com menos metragem. “O rolo de papel higiênico diminuiu de 30 para 20 metros a quantidade. Da outra vez teve mais divulgação, mas dessa vez não muito. O que fazem é colocar pacote com 18 rolos de 20 metros para colocar mais barato do que o de 16 rolos com 30m, mas a pessoa é enganada, porque o de 16 com 30 metros tem cerca de 30%”, adverte.
Sabonete perdeu 20g em dois anos
Para o advogado Victor Paulo Ramuno, especializado em Direito do Consumidor, o consumidor não é comunicado dessas mudanças e simplesmente aceita o que encontra no supermercado sem muitas opções. Ramuno ressalta que é essa é uma atitude abusiva por parte da indústria. “É difícil de detectar, a menos que o consumidor leia a letra minúscula da embalagem. Essa situação é muito mais ligada à fiscalização do Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia) do que do direito do consumidor, porque são eles quem autorizam essas alterações, o problema é que o consumidor não é consultado, então mesmo sem querer, acaba leva menos, como no caso do sabonete, que perdeu 20g em dois anos. O papel higiênico é outro que diminuiu muito”, afirma.
Ramuno cita, também, os casos em que mudam a composição de produtos, colocam no rótulo apenas ‘nova fórmula’, o que fazem o consumidor levar gato por lebre. Foi assim com o composto lácteo, vendido como se fosse leite em pó, e não é. Ambas as embalagens eram absolutamente iguais, exceto pela letra minúscula que o consumidor nem sempre consegue ler”, afirma.
Nos supermercados
O próprio Ramuno se surpreende com a situação dos produtos que se encontram nos supermercados. “Um pote de capuccino, por exemplo tem dois dedos a menos na embalagem, eu cheguei a pesar. A publicidade feita numa coisa dessa tem de ser muito maior e se o preço não reduz não tem porque diminuir a quantidade. O comércio deveria colocar publicidade para essa situação e o governo também deveria tomar providência, porque a indústria forma uma espécie de cartel”, diz.
Ramuno afirma que o consumidor deve se manifestar quando encontra seu produto preferido com uma embalagem menor e o mesmo preço ou mais caro do que era antes. “Ele deve registrar sua insatisfação junto aos serviços de atendimento da empresa, mostrar sua indignação e trocar de marca, usar produtos substitutos, porque só quando as vendas caírem é que a indústria vai saber que fez uma grande bobagem”, explica.

Victor Paulo Ramuno também diz que, apesar da dificuldade de enquadramento em crime na relação de consumo, há no CDC (Código de Defesa do Consumidor) artigos que destacam a proteção do cliente. “O consumidor pode ir ao Procon da sua cidade também, porque os artigos 4° e 6° do código falam que o consumidor tem de ser protegido, se todas as decisões ficam no âmbito da empresa ele acaba vulnerável e toma prejuízos, porque a maior parte desses produtos está na cesta básica e as quantidades menores fazem o trabalhador ter de comprar mais itens e isso aumenta o endividamento”, completa.
A corretora de imóveis e moradora de Mauá, Cirles Silva, diz que essa situação não é de hoje que tem ocorrido nos supermercados com os produtos de primeira necessidade. “Não era para ser assim, mas tem sido frequente. Eu ainda observo as marcas, confirmo peso e o valor, nunca vou ao supermercado na correria, analiso tudo. Recebo também encartes de supermercado pelo Whatsapp que ajudam a pesquisar e comparar os preços. Não temos muita opção, não dá para ficar de mercado em mercado à procura, só se for um do lado do outro, porque o custo não compensa”, conta.
Cirles relata a dificuldade de encontrar as informações nas embalagens, quando se suspeita que o produto ficou menor desde a última compra. “As letras são bem miúdas, eu tenho de usar a câmera do celular para ampliar e conseguir enxergar, porque essa é uma ferramenta que está sempre na mão”, diz a consumidora que se sente prejudicada pelos fabricantes. “Me sinto lesada, porque a minha jornada de trabalho não diminuiu, meu salário não acompanha esse prejuízo. Deveríamos ser comunicados com antecedência dessas mudanças, mas o consumidor é sempre o último a saber”, completa.