
A obesidade infantil é a nova realidade entre crianças brasileiras, isso é o que dizem pediatras, nutricionistas e órgãos de saúde de todo o Brasil. A Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN) reconheceu, em 2022, que a obesidade é, atualmente, um problema de saúde pública. Apenas no ABC, mais de 360 crianças foram diagnosticadas com obesidade nos primeiros cinco meses de 2023. Em todo o ano de 2022, foram registrados 2.124 na região.
Segundo o último levantamento da PNAN, realizado em parceria com o SUS (Sistema Único de Saúde), mais de 340 mil crianças brasileiras entre 5 e 10 anos possuem obesidade. Outra pesquisa, feita pela Organização Mundial da Saúde (OMS), estima que o Brasil tenha 11,3 milhões de crianças obesas até 2025, caso o Ministério da Saúde não encontre soluções eficientes nos próximos anos. Mas e no ABC? Quais ações são feitas para combater a obesidade infantil?
Santo André
Nas cidades da região, existem algumas ações como o projeto Jeito de Criança, parceria realizada com o Centro Universitário da Faculdade de Medicina do ABC e Santo André. O programa foi implantado com intenção de sensibilizar e capacitar os profissionais de saúde quanto aos aspectos multifatoriais relacionados à obesidade e que devem ser acompanhados e orientados sobre alimentação saudável, combate ao sedentarismo, vigilância alimentar e nutricional e o resgate do brincar.
Segundo o Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan), foram identificados 835 casos de obesidade infantil em 2022 no município e, em 2023, até o momento, foram registrados 224. O diagnóstico de obesidade infantil é realizado nas consultas realizadas nas unidades de saúde e em ações coletivas de avaliação antropométrica. As crianças identificadas com obesidade são acompanhadas regularmente pelas equipes das unidades.
A alimentação oferecida nas creches municipais de Santo André também passou a ser mais natural com o programa Crescer Saudável, voltado a crianças de 0 a 3 anos de idade. A partir desta iniciativa, realizada com a Secretaria de Educação, a Craisa (Companhia Regional de Abastecimento Integrado) tem utilizado estratégias, como uso de produtos agrícolas com frutose, que contém o açúcar natural dos alimentos, para adoçar o leite de 8 mil alunos desta faixa etária. As refeições nas creches e Emeiefs incluem desjejum, almoço para as turmas da manhã e da tarde, e lanche da tarde. O programa Merenda Legal oferece ações de Educação Alimentar e Nutricional. Um dos diferenciais é o atendimento aos alunos com necessidades nutricionais específicas, como os que apresentam doença celíaca, diabetes, alergias, obesidade, intolerâncias, dentre outras. Estes estudantes recebem alimentos produzidos especialmente para atender suas necessidades.
Além disso, Santo André realiza ações com foco no combate ao sobrepeso e à obesidade das crianças da rede municipal de ensino, como o Programa de Alimentação Escolar, que visa fornecer alimentação saudável, adequada, variada e segura, respeitando a cultura, a faixa etária e garantindo a segurança alimentar e nutricional dos alunos durante a permanência na escola. Outro programa é o Saúde no Prato, que presta assistência nutricional, social e psicológica para a criança em seu domicílio, garantindo que ela receba em casa a mesma alimentação saudável oferecida nas unidades escolares, inclusive aos finais de semana. A iniciativa inclui também orientações para os pais ou responsáveis.
São Bernardo
Em São Bernardo, o tema sobrepeso e obesidade está nas Linhas de Cuidados da saúde municipal. Além disso, o município desenvolve nas 33 Unidades Básicas de Saúde (UBSs), o Programa Saúde na Escola (PSE) com temas relacionados à alimentação saudável. Desde 2018, a Administração também está inserida no Programa Federal Crescer Saudável, que traz hábitos de alimentação saudável e atividade física nas escolas de educação Infantil e Fundamental 1 da rede municipal. As ações são desenvolvidas pelas equipes da Estratégia da Saúde da Família (ESF) e do Núcleo de Apoio a Saúde da Família (NASF), em parceria com os profissionais da Educação.
O programa Coração de Estudante é uma ação que acontece anualmente por meio de parceria das secretarias de Saúde, Esporte e Educação, além do apoio dos estudantes de medicina da USCS (Universidade de São Caetano do Sul). Os alunos recebem orientações para que tenham um estilo de vida saudável, associado a alimentação equilibrada e atividade física regular. Além disso, aprendem sobre doenças cardíacas, as formas de prevenção e recebem treinamento de ressuscitação cardiopulmonar com a técnica da massagem torácica. Entre janeiro e maio do ano passado, 153 atendimentos de obesidade infantil foram feitos na cidade, enquanto no mesmo período deste ano foram 136.
Além disso, há controle na merenda escolar que exclui alimentos processados e frituras. E um programa de alimentação saudável nas escolas. Três escolas da rede municipal de São Caetano, a EMEI Rosana Aparecida Munhos, EMEI Cleide Rosa Auricchio e EMEF Anacleto Campanella foram citadas como referência de boas práticas em alimentação escolar pela FAO (Food and Agriculture Organization of the United Nations), Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura. Uma das escolas selecionadas foi a EMEF Anacleto Campanella, que faz trabalho de incentivo ao consumo de alimentos nutritivos, ao convidar as crianças a experimentarem novos sabores.
A EMEI Rosana Aparecida Munhos, também busca envolver os alunos em escolhas alimentares saudáveis, em atividades pedagógicas na Cozinha Experimental, onde crianças de 2 a 5 anos estudam os alimentos, o preparo e provam novos alimentos. Além disso, para garantir que as refeições sejam nutritivas a equipe segue orientações que promovem a substituição de açúcares e farinha branca por frutas nas merendas. Na EMEI Cleide Rosa Auricchio, por meio do projeto “É gostoso comer bem”, as crianças plantam e colhem hortaliças que serão utilizadas em receitas ou incluídas no cardápio. A participação ativa das crianças no pomar incentiva o consumo desses alimentos.
Diadema
As ações desenvolvidas na rede de Atenção Básica de Diadema para prevenir e combater a obesidade infantil são acompanhamento individual de crianças/famílias, visitas domiciliares, vigilância alimentar e nutricional, atividades coletivas (grupos) por meio do núcleo Ampliado de Saúde da Família (NASF), incentivo a prática de atividade física e alimentação saudável, acompanhamento de gestantes, puérperas e bebês com apoio, promoção e proteção ao aleitamento materno, além de ações do Programa Saúde na Escola e oficinas com educadores e manipuladores de alimentos sobre alimentação saudável.
Ano passado, 477 crianças de zero a quatro anos estavam obesas, o que representa 3,86% da população dessa idade. Na faixa etária de cinco a 10 anos, eram 659 crianças com obesidade, indicando 7,41% desse público. As informações deste ano não foram divulgadas pela Administração.
Questionadas, as Prefeituras de Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra não divulgaram as ações realizadas no combate à obesidade infantil.
Especialistas dizem que prevenção deve começar cedo
Em entrevista ao RD, a nutricionista e professora de nutrição da FMABC (Faculdade de Medicina do ABC), Narjara Pereira Leite, afirma que existem diferentes formas de realizar a introdução alimentar de formas simplificada para os pequenos. “O objetivo dessas técnicas são favorecer a aceitação alimentar e práticas alimentares saudáveis. O ideal é oferecer a alimentação saudável desde o início, com pequenas quantidades, adequando a textura dos alimentos. Outro ponto é ter um ambiente tranquilo e sem distrações para estímulo da alimentação”, orienta.
Sobre o aumento na procura de nutricionistas para crianças, Narjara diz que pais de crianças entre 4 e 10 anos foram os que mais buscaram os especialistas em alimentação. “É nesta faixa etária que existe uma grande seletividade alimentar e consumo exacerbado de alimentos ultraprocessados como biscoito recheado, salsicha, bebidas açucaradas, macarrão instantâneo, doces, entre outros. É de suma importância ressaltar que o excesso de peso na infância além do consumo inadequado de alimentos está associado ao excesso de telas e consequente diminuição da prática de atividade física, em resumo as crianças não brincam como deveriam”, destaca.
O endocrinologista e professor da FMABC, Fernando Valente, explica que a pandemia impactou diretamente no número de casos de obesidade infantil e que prevenção da obesidade infantil começa antes do que se imagina. A prevenção da obesidade infantil, diz, começa pelos cuidados ainda na vida intrauterina, evitando-se ganho de peso excessivo na gestação e tendo hábitos saudáveis durante a gravidez. O aleitamento materno também tem grande importância na prevenção da obesidade.
Além disso, é fundamental ter um estilo de vida saudável, que começa pelo exemplo dos pais e familiares, segundo o médico. Alimentação equilibrada e nutritiva, rica em fibras, mais focada em alimentos in natura, evitando-se o consumo excessivo de ultraprocessados, bebidas e alimentos ricos em açúcar e gordura saturada. “É importante também praticar atividade física diária por pelo menos 1 hora por dia, limitar o tempo de tela, evitar um ambiente de muito estresse e ter um acompanhamento médico regular para identificar precocemente o ganho de peso e os potenciais fatores de risco para a obesidade”, recomenda.
Ao ser questionado sobre o acompanhamento e tratamento de crianças com obesidade infantil, Valente expõe que envolvem uma equipe multidisciplinar, que estimulam a mudança do estilo de vida, criando-se uma rede de apoio familiar, fazendo-se um trabalho de educação e combate contra o preconceito. Se não houver melhora no IMC através da adoção de alimentação saudável e atividade física, comenta, a recomendação é a ingestão de alimentos com baixa densidade calórica por meio de refeições estruturadas, atividade física supervisionada e acompanhamento nutricional regular. “Não havendo boa resposta, o contato com uma equipe multidisciplinar precisa ser mais próximo, adotando-se outras estratégias comportamentais e de monitoramento. A falha nessa etapa sinaliza para a necessidade de dietas restritivas, medicamentos ou até cirurgia em casos mais graves. É importante ressaltar que dietas muito restritivas devem ser evitadas, pois podem afetar o crescimento e desenvolvimento da criança e do adolescente, além de não contribuírem para a adoção de hábitos saudáveis. O apoio psicológico é fundamental, pois essas crianças têm maior probabilidade de baixa autoestima, depressão e de sofrer bullying”, completa o endocrinologista.