O progresso das discussões sobre o novo arcabouço fiscal, em substituição ao atual modelo de teto de gastos, e a reforma tributária criam um ambiente mais positivo para o País, na visão do presidente do Itaú Unibanco, Milton Maluhy. Segundo ele, porém, o crescimento das receitas não pode ser o foco único das discussões sobre os gastos do governo federal: é preciso enfrentar o debate sobre as despesas públicas.
“A nossa preocupação é a de não entrar em uma agenda muito de curto prazo, com aumento de impostos e de carga”, disse ele, em entrevista.
O executivo afirmou, por outro lado, que a mudança da perspectiva da nota de crédito do Brasil pela agência de risco S&P para positiva, anunciada nesta semana, é uma notícia positiva, bem como a queda do dólar, que ajuda a arrefecer a inflação e pode abrir espaço para que o Banco Central comece a reduzir a taxa Selic no terceiro trimestre deste ano.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
O Itaú elevou a expectativa de crescimento do PIB para este ano. Alguns dados de atividade têm vindo acima do esperado. Isso muda o apetite de crédito do banco para este ano?
Continuamos com cautela, dados o cenário e as perspectivas. A parte mais relevante do crescimento (do PIB) do primeiro trimestre veio do agro, e essa é uma carteira em que temos crescido ano após ano. Então, em setores em que temos visto oportunidades nosso apetite segue o mesmo. Em outros segmentos, dado o que vimos na pessoa física, especialmente em alguns públicos mais específicos, há um apetite menor. Vemos um emprego mais estável e um consumo mais resiliente. Temos observado sinais mais positivos, tanto para a economia brasileira quanto sinais lá fora que ajudam o País. Um exemplo é o ritmo de aperto monetário nos Estados Unidos, que permitiu que o real se aprecie na medida em que países com taxas de juros mais altas se beneficiam de fluxo em um momento como esse. Ainda tem uma agenda reformista importante: reforma tributária, o arcabouço fiscal.
Como avalia o andamento das reformas?
O arcabouço trouxe uma certa tranquilidade para o mercado, mostrando uma vontade do governo de buscar metas fiscais relevantes. Ao mesmo tempo, vemos uma oportunidade do ponto de vista de gastos. A nossa preocupação é de não entrar em uma agenda muito de curto prazo, com aumento de impostos e de carga. O arcabouço tem um papel muito importante e na quarta-feira (passada) tivemos uma perspectiva positiva (para a nota de crédito do País atribuída pela agência de risco S&P), uma ótima notícia. Mas precisamos de disciplina no gasto.
O País vai discutir gastos no curto prazo?
Para cumprir o arcabouço e manter a dívida estável, a ambição é importante. São 0,5% (do PIB) de déficit neste ano, equilíbrio no ano que vem, 0,5% de superávit em 2025 e, no seguinte, 1%, o que requer um grau grande de esforço. Vemos a equipe do ministro da Fazenda, (Fernando) Haddad, fazendo um esforço importante, trazendo essa consciência, mas tem desafios.
A discussão da reforma tributária está na direção certa?
Sim, existe uma boa intenção. Os benefícios são de médio e longo prazos, mas é algo que precisa ser enfrentado e precisa de um espírito coletivo para que se saia com algo que é melhor para o País, e não para cada setor. A equipe técnica é competente e tem feito um bom trabalho.
Diante disso tudo, estamos chegando ao momento de baixar os juros?
O processo de juros é algo que o Banco Central fará. Eles acompanham a inflação corrente, sem dúvida, e tivemos sinais importantes de que ela vem cedendo. A inflação de serviços ainda está um pouco mais resiliente, mas a queda do câmbio ajuda muito. O Banco Central saberá tomar a decisão no momento certo. O mais importante é que não exista nenhum risco de desancoragem das expectativas. A nossa melhor expectativa é de que, já no próximo trimestre, as condições estejam dadas para que esse processo se inicie e que isso aconteça em setembro.
A qualidade de crédito no Brasil no segundo semestre será como se esperava, melhor ou pior?
Tínhamos uma expectativa de que a inadimplência da pessoa física iria se estabilizar no primeiro trimestre, o que, de fato, aconteceu. O que temos visto em pequenas e médias empresas é uma normalização gradual do atraso e não observamos “credit crunch” (crise de crédito) no mercado corporativo.
O programa do governo federal Desenrola para ajudar na renegociação de dívidas terá impacto sobre a qualidade do crédito de pessoa física neste ano?
Alguma recuperação, sem dúvida, é esperada. Entendo ser um programa único, que não vai ser reproduzido, mas ainda está em fase de operacionalização, processos, sistemas. É muito difícil fazer qualquer tipo de expectativa sobre os resultados. Vamos trabalhar da melhor forma possível para fazer com que esse programa chegue para os nossos clientes.