
O déficit de policiais civis no ABC chega perto de 40%. De cada 10 cargos fixados em lei, apenas seis estão ocupados, o que prejudica uma das principais funções da polícia judiciária que é investigar crimes. Faltam 638 policiais, segundo o Sindpesp (Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo) com base em dados de outubro de 2022. Em outubro de 2021, o mesmo levantamento apontava 738 cargos vagos na região. Houve redução do déficit, mas a situação atual ainda prejudica o funcionamento da polícia, na opinião da delegada Jacqueline Valadares, presidente do sindicato.
Para a delegada, o ABC não se destaca diante dos números do restante do Estado. “Infelizmente esse não é um problema pontual, é generalizado que alcança todas as regiões do Estado, umas um pouco mais, outras um pouco menos. Em média o déficit no Estado é de 38%. Temos 16 mil profissionais a menos nos nossos quadros, sendo assim o ABC está dentro dos padrões deficitários em que o Estado se encontra”, lamenta Jacqueline,
São Bernardo puxa as perdas
De acordo com os números apurados pelo Sindpesp, o maior déficit de policiais civis está na Delegacia Seccional de São Bernardo, que engloba todas as delegacias do município e também as que ficam em São Caetano. Dos 770 cargos previstos em lei, apenas 471 estão ocupados, ou seja, faltam para as duas cidades 299 policiais civis, um déficit de 39%.
Em seguida vem a Seccional de Diadema, onde o déficit é de 38%. A cidade deveria ter 359 policiais civis, mas tem apenas 224 em atuação. Na Seccional de Santo André, à qual estão subordinados os distritos policiais da cidade e de Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, o déficit é de 37%. As delegacias destas quatro cidades deveriam ter 819 policiais, mas 304 cargos não estão ocupados.
Os números apontam que a única carreira da Polícia Civil onde não faltam ou faltam poucos profissionais é a de delegado. Nas demais carreiras, como as de investigador, agente policial e escrivão, os déficits são muito maiores. Para a presidente do Sindpesp, com a falta de 16 mil profissionais na Polícia Civil, as delegacias não funcionam como deveriam. “Com um cenário desses é inviável que uma delegacia preste o serviço com a eficiência e a celeridade que a população necessita e o próprio profissional hoje se vê extremamente frustrado diante da impossibilidade de dar um atendimento eficiente e célere para a população. Muitas vezes o policial precisa selecionar a ocorrência que vai ser investigada a fundo, onde ele vai poder dar continuidade em uma investigação mais robusta, uma vez que o número de boletins de ocorrência tem aumentado anualmente e, em contrapartida, o déficit não diminui”, compara a delegada.
O Sindpesp apurou junto à Secretaria de Segurança Pública, que a Polícia Civil perde, em média, perto de 100 policiais por mês, por exonerações, demissões, aposentadorias, falecimentos, entre outros motivos. “Esses números não são repostos de forma rápida e eficiente, ao contrário, os concursos públicos demoram até cinco anos para serem realizados. O governo deve ter a preocupação da realização célere de concursos e rotineira, de forma anual, para que esses quadros sejam repostos de forma urgente”, aponta a presidente do sindicato.
Jacqueline Valadares acrescenta que os pedidos para deixar a Polícia Civil são cada vez mais frequentes e estão ligados à sobrecarga de trabalho e aos baixos salários. “Apesar de ser o Estado mais rico do País, São Paulo paga um dos piores salários aos servidores policiais. O Estado deve perceber a necessidade de valorizar o policial para, consequentemente, prestar aos cidadãos a segurança pública de qualidade que dele se espera”, afirma.
A cobrança por mais concursos e a conclusão daqueles que estão em andamento têm sido constantes do Sindipesp. “Cobramos o governo pelo chamamento imediato dos aprovados e que os concursos sejam rotineiros. Não se faz investigação sem Polícia Civil, não se combate criminalidade apenas com prisões em flagrante pontuais. Redução da criminalidade se faz com investigação, com prisões de integrantes de organizações criminosas e essa sensação de insegurança que a população tem hoje está ligada à desvalorização e ao desmonte que a Polícia Civil sofreu nos últimos anos”, diz a policial.
Mulher
O déficit de policiais civis é mais um fator que dificulta o funcionamento das unidades da DDM (Delegacia de Defesa da Mulher) 24 horas. O governo federal sancionou uma lei há mais de dois meses que determina que todas delegacias como esta devem funcionar ininterruptamente. O governo paulista considera que a lei não é clara e diz que para que isso seja implantado no Estado seria necessária a contratação de mais 2,8 mil policiais, sendo 700 delegados, 700 escrivães e 1,4 mil investigadoras.
A lei 14.541 determina que todas as delegacias especializadas de atendimento à mulher do País passassem a funcionar 24h. Para a sindicalista, a lei tem uma excelente essência, que é fazer com que as unidades especializadas funcionem nos horários mais críticos de atendimento; período noturno, finais de semana e feriados, quando as vítimas ficam mais vulneráveis, uma vez que se encontram no interior das residências com os agressores.
“A essência da lei é positiva ao fazer com que a vítima fique tutelada nesse período. O problema prático dessa lei é a sua aplicabilidade. Muitos estados têm duas, três, quatro delegacias de atendimento à mulher, já São Paulo tem a maior rede de atendimento à mulher do País, são 140 DDMs, das quais apenas 11 funcionam 24h. Seria necessário um deslocamento muito grande de servidores para que todas pudessem funcionar 24h e considerando o déficit que a gente tem hoje no Estado, essa realidade é impraticável; não existe a possibilidade disso acontecer sem a realização de concursos públicos que visem o preenchimento e o aumento do quadro de policiais”, completa Jacqueline.
O que diz a Secretaria de Segurança Pública
Em nota, a SSP diz que a recomposição salarial é prioridade do governo e nega prejuízo ao registro de ocorrências e à investigação dos crimes. “A atual gestão tem adotado um conjunto de ações emergenciais para reduzir o déficit das polícias paulistas, que é de 33,16% na Polícia Civil. Estão em andamento concursos para a seleção de mais 8.539 policiais – sendo 2.750 para Polícia Civil. Outras 3.135 vagas para a instituição foram autorizadas. Os editais estão previstos para serem divulgados no 2º semestre de 2023. Além disso, no último dia 12, o governador Tarcísio de Freitas sancionou o projeto de lei de autoria do Executivo que estabelece aumento salarial de até 31% para as carreiras das forças de Segurança do Estado. Foi o maior reajuste salarial já concedido no primeiro ano da gestão. Entre o mês de março e junho 5.414 armas foram entregues à Polícia Civil de todo o Estado, também há um processo em andamento para a compra inicial de 380 novas viaturas com investimento previsto de cerca de R$ 56,4 milhões. A Polícia Civil esclarece que as delegacias que atendem as cidades citadas permanecem abertas para atendimento à população, sem qualquer prejuízo aos registros das ocorrências e andamento nas investigações”.