
escorraçados, em vez de apoiados (Foto: Divulgação)
Por Ricardo Castilho
Há mais de 30 anos vejo pessoas vagando pelo centro de São Paulo, personagens do movimento que se convencionou chamar Cracolândia – eufemismo para identificar usuários de crack e afins e que até hoje é uma pedra no sapato dos responsáveis pelas políticas públicas de São Paulo. Como operador do Direito, sei que a Cracolândia é uma das faces visíveis do complexo fenômeno da violência. Problema de saúde pública, também. Mas pode ser mais do que apenas isso. E aqui ouso lembrar do que disse Shakespeare em uma de suas geniais criações: Há mais mistérios entre o céu e a terra do que a vã filosofia dos homens possa imaginar.
O fato é que, no efeito sanfona para resolver o problema, os usuários são escorraçados, em vez de apoiados. Enquanto isso, continuam presa fácil e inerme dos emissários do caos, prontos para “reavivá-los” com as mais modernas ofertas de ilusão, como a devastadora droga K. Longe de ser fatalista, é plausível supor que o problema tem todas as premissas de tragédia anunciada e pode se espalhar como metástase irrefreável pelas capitais do país se os governantes paulistas não passarem rapidamente dos discursos para a prática. É, em última instância, um enigma para a sociedade mas, principalmente, para o Poder Público, a quem cabe a obrigação e a responsabilidade constitucional de resolvê-lo.
Não seria a hora de os governantes reconhecerem a sua incompetência e pedir ajuda? De se desvestirem da arrogância e da prepotência do cargo e calçarem as sandálias da humildade? A sociedade civil pode ter soluções. Tem sido ouvida? A verdade é que perdemos a mão e não estamos conseguindo compreender o que é necessário fazer para salvar as pessoas que se drogam, suas famílias, os transeuntes que torcem o nariz quando passam por eles, os comerciantes e escolares que temem a violência que, a cada investida da administração pública, aumenta. E a violência é o mais grave problema que a Humanidade está enfrentando nesses primeiros anos deste terceiro milênio.
Aquelas pessoas e nós, cidadãos, precisamos de ajuda, senhores governantes. Vocês precisam de ajuda, senhores governantes! Bertrand Russell, crítico social e pacifista, disse que “o princípio supremo, tanto na política quanto na vida privada, deveria ser o de promover tudo o que for criativo e, assim, diminuir os impulsos e desejos que giram em torno da posse.” Não disse nada de novo, mas busco essa referência para refletir. A ganância de ter, seja posse material ou posse de prestígio junto à mídia, embaça o olhar de quem observa, ungido pelos cargos, esse problema que sempre vão deixando para depois, quando passa o momento da cobrança e os espectadores esquecem temporariamente do assunto, até que o governante de plantão anuncie a mesma solução mágica de sempre:
mudar o sofá da sala. Até quando?
*Ricardo Castilho é jurista e escritor, pós-doutor pela USP e Universidade Federal de Santa Catarina. É diretor acadêmico da Escola Paulista de Direito.