O comerciante de Santo André, Renato Trevellin, e a esposa Cátia, travam uma luta incansável para a conquista de tratamentos, medicamentos e até de oportunidade de educação inclusiva para o filho Gianlucca, de 11 anos, portador da AME (Atrofia Muscular Espinhal) uma doença degenerativa que causa perda da força muscular. Os médicos disseram quando ele era pequeno que suas chances eram pequenas, mas ele está se desenvolvendo e estuda com a ajuda do computador e tem aula presencial uma vez por semana. O desenvolvimento se deve muito pela luta dos pais que conseguiram que um medicamento novo não apenas fosse aprovado, mas custeado pelo Ministério da Saúde. Hoje, além de Gianlucca, outras mil pessoas já se beneficiam do uso desse medicamento, mas a luta pelos direitos do filho não cessa.
“Depois de uma internação longa em Santo André, deram uma semana, depois um mês e depois disseram que ele não passaria de um ao, hoje ele faz onze anos e conseguimos provar que os que disseram isso não eram deuses”, diz Trevellin em entrevista à jornalista Mariana Fanti, do RDTv.
O pai diz que, apesar das dificuldades com os movimentos o cognitivo de Gianlucca está preservado e ele sabe e compreende tudo à sua volta. Agora os movimentos vão ficando cada vez mais consistentes desde a utilização do medicamento Spinraza. Trevellin relata como foi a pressão internacional que a família protagonizou para conseguir que o filho pudesse ser medicado com o fármaco. “Entre 2014 e 2015 um medicamento em teste ganhou evidência nos EUA e Europa isso foi muito pouco mostrado no Brasil. Criamos então um grupo no Facebook, fizemos uma grande campanha por esse medicamento acompanhando as etapas do medicamento, pressionamos a farmacêutica porque vimos crianças evoluindo nos EUA. Fizemos pressão sobre a farmacêutica para submeter à FDA, a Anvisa do governo americano. Batalhamos muito para aprovar nos EUA em 2016. Depois pressionamos para submeter no Brasil, foi em abril que submeteram e em agosto foi aprovado pela Anvisa. Em meio a isso entramos na justiça porque o medicamento custava R$ 3 milhões o primeiro ano de tratamento. Foi uma decisão histórica, o juiz mandou até prender o secretário da saúde. O tratamento iniciou no dia 9 de março de 2018, faz cinco anos que o Gianlucca faz o tratamento e vive uma vida totalmente diferente”, relata.
O comerciante andreense diz que o filho foi a primeira criança a receber, via Ministério da Saúde o Spinraza e hoje já são mais de mil no Brasil fazendo uso do medicamento e mais de 14 mil no mundo. “A gente fica feliz em fazer parte dessa nova realidade para a Ame. O Gianlucca tem mais autonomia nos braços e tem mais força nas pernas já consegue brincar no computador e ficar em pé, o que não era possível antes. A coluna está se fortalecendo, na parte respiratória ele consegue ficar sete ou oito horas sem o respirador, antes diziam que ele não conseguiria ficar nem um segundo sem, hoje ele tem um futuro e uma esperança melhor do que alguns anos atrás”, conta Renato Travellin.

Essa mobilização toda não foi fácil, foram mais de 20 viagens até Brasília, na luta pelo medicamento. O ativismo que a família fez chegou até o Senado e, a convite do senador Romário, fez palestra na casa de leis federal. Eventos na Capital paulista e mais recentemente nos Estados Unidos, em julho fizeram parte desta caminhada. Até um livro já foi feito para contar essa história.
A luta é contínua. Esse ano, em março, com as aulas já em curso, a família não conseguia da prefeitura de Santo André aulas em casa para o filho. O RD fez uma reportagem sobre o assunto na época e após ela, o município iniciou as aulas em domicílio com Gianlucca. Só que agora ele está na quinta série do Fundamental I e no ano que vem não terá mais espaço na rede municipal e terá que migrar para escola do Estado. Até novembro a família será comunicada de qual escola irá receber o menino. “O Gianlucca vai ser matriculado, só não garantiram que nesta escola vai ter a inclusão. O que a gente precisa é que o Estado dê o mesmo tratamento que foi dado pelo município. Hoje ele tem aula três vezes por semana em casa e uma vez por semana na escola. Graças a Deus a condição de saúde permite ele ir para a escola uma vez por semana”, diz o pai.
O estudante vai às aulas acompanhado de uma enfermeira do convênio médico da família, cuja conquista também não foi fácil. “A gente espera que seja dado o mesmo tratamento (pelo Estado) e que não haja necessidade da gente procurar a imprensa para a gente procurar um direito que é dele. Tudo a gente tem que procurar a imprensa, tivemos problema com o convênio médico, com o ministério da saúde e com a educação. Depois da publicação do Repórter Diário, em março, recebemos muitas mensagens de mães que estavam buscando seus direitos também. A gente só quer que as nossas crianças, que já não levam uma vida fácil com doenças graves, sejam respeitadas”, observa Travellin.
O tratamento do Gianlucca é coberto pelos planos de saúde por ser composto por medicamentos de uso hospitalar, mas os planos de saúde criam dificuldades segundo o pai. Os planos ainda assim descumprem. Esse medicamento não tem restrição para nenhum tipo de paciente, na bula daqui e também nos EUA. Ele é aprovado em mais de 30 países, mas o nosso Ministério da Saúde cria um protocolo clínico que retira o direito de alguns pacientes em receber o tratamento como são os portadores de AME tipo 3 e 4. Então a nossa bandeira é beneficiar a todos assim como é lá fora. Que nossas crianças tenham direito a educação. O Gianlucca aguarda com tanta ansiedade o dia de ir para a escolinha e como não dar isso para uma criança? Os nossos governantes estão lá para isso. Tirar o sonho de uma criança é muito triste”
A família formou uma associação, para dialogar com a farmacêutica e órgãos do governo também. “Em uma das idas a Brasília tivemos contato com a farmacêutica do remédio do Gianlucca. Eles passaram que não poderiam ter contato com a gente porque nós éramos pais e pais teriam que ser atendidos pelo SAC. Para ter conversa sobre medicamentos somente via associação então duas semanas depois era o que nós éramos. O Instituto de Luta contra Ame Gianlucca Trevelin iniciou como Unidos contra a Ame, tivemos muita participação em Brasília, audiências públicas, exposição em São Paulo, contatos com a farmacêutica, o Senado, o Gianlucca chegou a ter contato com a mulher do ex-presidente, com o governador, sem a associação seria difícil ter tudo isso”, explica.
Renato Trevellin diz que os pais não devem desistir dos direitos, por mais difíceis e inacessíveis que possam parecer. “Meu recado é: não desista. A primeira vez que entrei na internet para pesquisar sobre a AME em 2013 a primeira imagem que me apareceu foi ‘O perigo da palavra AME´, naquela hora me arrepiei todo e o que vinha depois era pior que o título. Ao longo do crescimento do Gianlucca vimos de crianças falecerem, que o Ame era a segunda doença que mais matava no mundo e o desespero era gigantesco. O nosso ponto de honra era lutar para mudar essa história e o nosso filho foi um instrumento de Deus para ajudar outros a terem essa esperança. O Gianlucca faz a lição no computador, no início ele fazia essa lição com o piscar dos olhos. Hoje brinca com as mãos, o médico disse que ele nunca sairia do respirador, tudo que disseram, todas as dificuldades do início, deram mais força para a gente lutar e tentar provar que eles estavam errados”, conclui.