
A cidade de Aparecida, no interior do Estado, é o principal ponto de peregrinação religiosa de São Paulo. A Secretaria Estadual de Turismo estima que cerca de 250 mil pessoas devam chegar à cidade para visitar a Santuário Nacional de Aparecida, para assistir as missas especiais no dia da santa, pagar promessas ou até mesmo para conhecer as igrejas da cidade e testemunhar a fé católica. Muitos saem do ABC, como o dentista Daniel Fernandes Sales, que enfrentou parte da caminhada de 50 quilômetros, mesmo com uma fratura no pé. Boa parte destes visitantes chega em romarias, alguns em ônibus de excursão e outros fazem uma longa caminhada de como prova de fé. O médico Raffael Marum Bachir, membro titular da ABTPé (Associação Brasileira de Medicina e Cirurgia do Tornozelo e Pé), fala dos problemas que os romeiros podem enfrentar caso não tenham se preparado para a longa caminhada.
“Essa caminhada é uma atividade biomecânica e ósseo muscular expressiva, que seria mais para um atleta amador, mas os romeiros não têm o preparo físico de um atleta por isso eles devem ter uma boa preparação, se possível perda de peso, fazer exercícios de musculação e treino de marcha para se prepararem para essa longa jornada. Essa é uma caminhada que mistura superfícies irregulares que podem trazer alto impacto aos ligamentos e à musculatura”, alerta o especialista.
Bachir diz que os romeiros devem usar calçados adequados, com tecnologia de amortecimento de impacto e fazer períodos de repouso, além de muita hidratação. “Nunca se deve chegar no limite, o ideal é ir parando, pois a romaria não é uma competição. A desidratação é um gatilho para várias situações, uma delas é a muscular, então além de muita água a alimentação também deve ser adequada”, explica o especialista nas articulações dos membros inferiores.
Não carregar muito peso em mochilas e usar um apoio como um cajado pode ser de grande ajuda para evitar a sobrecarga nas articulações. Para o médico os romeiros não devem ignorar sintomas de dores, mesmo que leves. “É comum em romarias o fiel ignorar seus limites, para eles chegar é o que importa, mas a qualquer sinal de dor se deve parar, pois o problema pode se agravar. Por isso os grupos devem ser organizados por idade, com uma subdivisão composta por profissionais de saúde. Massagistas, médicos, fisioterapeutas e enfermeiros podem ajudar a identificar situações de maior gravidade”, orienta.

Os idosos podem sofrer mais na romaria, pela fragilidade óssea, e também por outros problemas como a desidratação, pressão, tudo agravado pelas altas temperaturas. “O idoso tem menor retenção de cálcio e estão mais propensos a fraturas por stress o que pode trazer problemas mais sérios na coluna, no quadril, pés e tornozelos. Antes da caminhada eles devem fazer uma avaliação vascular e cardiológica”.
E não é porque chegou ao destino que o romeiro pode relaxar com os cuidados com sua saúde, isso por conta do desgaste sofrido durante a viagem. “Massagens podem reduzir a tensão em determinados pontos e a aplicação de compressa com gelo, além de analgésicos e antiinflamatórios podem ajudar também. Em geral, se não houver fratura ou entorse, em dois dias a pessoa já está totalmente recuperada”.
Romeiros
A fé dos romeiros supera as dores do corpo, que são ignoradas visando o objetivo principal que é chegar à Basílica de Aparecida. Relatos de fiéis dão conta de que ao chegar a sensação de bem estar é maior do que o cansaço físico.
O dentista Daniel Fernandes Sales, de 48 anos, é um dos romeiros. Ele faz o trajeto entre São Bernardo e Aparecida desde 2010 e está na sua 13ª romaria. Ele conta que começou a caminhada sozinho, motivado pela sua fé mesmo, não teve um gatilho, uma perda ou um motivo como saúde, como o que motiva muitos a pagarem promessa fazendo caminhada até o santuário. Na primeira caminhada teve alguma dificuldade, mas foi amparado pelo grupo Família Caminhada. “Eles me adotaram e a partir de lá caminho com eles todos os anos”, diz o romeiro.
Apesar do apoio do grupo, Sales diz que há muitas dificuldades. Como profissional de saúde orientou várias pessoas sobre o uso de analgésico para a dor nas pernas e braços. “Meu apelido na trilha é Tandrilax. Em uma caminhada passei por uma pessoa que estava com dores muito intensas, na época esse medicamento exigia receita, eu fui até a farmácia eu fiz o receituário peguei o medicamento e aquela pessoa conseguiu concluir a romaria. Aí ganhei o apelido. “As pessoas não enxergam os limites, o importante é o foco no objetivo aí o corpo reage”, diz o dentista que saiu de São Bernardo no domingo (08/10) e chegou na noite desta quarta-feira (11/10) ao santuário. O trajeto tem cerca de 50 quilômetros os quais ele fez metade caminhando, já que no dia 30 de agosto quebrou o pé, então uma parte do trajeto foi feita no carro de apoio. O resto do caminho ele fez em um carro de apoio que ajuda os romeiros na caminhada com água, isotônicos e lanches.
O dentista de São Bernardo diz que é muito devoto e diz que o sentimento quando da chegada à Basílica é de que se pode vencer tudo. “A gente bota a Dutra no pé e vai. Quando eu chego vou agradecer pelas minhas mãos, já que são meu instrumento de trabalho e peço proteção. Tudo que pedi à Nossa Senhora ela me atende, ela é muito presente na minha vida. Nesses 13 anos vi muitas pessoas com doenças em estágio terminal se curarem”.
Danilo Soares de Camargo, de 35 anos, funcionário público, testemunha a superação da depressão. Ele se considera um católico devoto de Nossa Senhora, mas não é batizado, situação que ele pretende mudar no próximo ano com o batismo. “Eu tenho uma briga diária comigo mesmo, tive um período de dificuldades com a depressão e a ansiedade, fiz uma promessa de que se Nossa Senhora me curasse eu faria a romaria. Em 2018 eu fiz minha primeira, saí de Juquitiba, onde moro, passei pela Capital, mas travei no Campo de Marte. Pedi ajuda dela para continuar a caminhada e em menos de cinco minutos passou por mim um romeiro que ofereceu ajuda. Isso para mim foi um sinal”, disse o romeiro que também passou a caminhar com o grupo Família Caminhada.
“Quando a gente chega a Aparecida é uma sensação muito boa de que a gente pode vencer e que Deus está conosco. Todo ano eu choro muito quando chego é um momento de gratidão pela vida”, completa Camargo.