
Nos últimos anos a política de atendimento para a população LGBTQIA+ avançou pouco no ABC. Apenas três cidades têm setores específicos para atendimento social e de saúde para este público. Para quem atua há anos com amparo à essa população, como Paulo Araújo, presidente fundador da Casa Neon Cunha, o atendimento público é deficiente, tanto que a casa atende gente de toda a região. Agora o Consórcio Intermunicipal do ABC prepara a realização de um censo sobre esse público que pode ajudar na criação de políticas públicas.
Araújo afirma que algumas cidades tiveram avanços, criaram ambulatórios trans, como em Diadema, São Caetano e Santo André, e coordenadorias, mas em outras cidades não vê avanços. As maiores reclamações são por acesso a consultas médicas e psicólogos. “Vemos também algumas iniciativas na área de empregabilidade, no geral percebemos que algumas cidades têm mais sensibilidade que outras, mas ainda é pouco. Lutamos para sermos vistos, mas o ABC ainda é muito conservador”, diz Araújo.
O presidente da Casa Neon Cunha, que fica em São Bernardo, diz que os atendimentos públicos existentes são muito poucos, tanto que ele recebe pessoas de todas as partes do ABC. “Santo André tem no Poupatempo da Saúde onde há laboratórios para atendimento específico para a população LGBT, em São Caetano também tem equipamentos, mas apenas ter não significa que funciona com qualidade. Eu diria que em termos de políticas afirmativas, o ABC ainda engatinha. Apenas duas prefeituras – Diadema e Santo André – têm coordenadorias”, lamenta.
Há uma parte da população LGBT que vive nas ruas da região e nos albergues, segundo Paulo Araújo, não estão preparados para receber esse público. “A verdade é que essas pessoas até preferem ficar na rua do que irem para um albergue”, aponta. Os problemas nos albergues são hostilidades que acabam sendo alvo. Na Casa são feitos vários tipos de atendimentos e a luta por recursos é grande. “Alimentação é a maior demanda e atendemos todos que chegam com refeições. Temos um time multidisciplinar para atendimento e tudo isso é bancado com doações. A gente trabalha para conseguir um dia implantar atendimento 24h e também abrigar essas pessoas que estão nas ruas”, completa.
Pesquisa
Para o estabelecimento de políticas públicas, seja para qualquer tipo de público, primeiro é preciso conhecer o universo com que se vai trabalhar. Hoje é apenas estimada a população LGBTQIA+ na região, mas isso pode mudar com uma pesquisa que será contratada pelo Consórcio Intermunicipal. O colegiado de prefeitos recebeu uma verba de emenda parlamentar estadual para realizar essa pesquisa e já deu início à licitação para a escolha da empresa que fará o censo desta população. A entidade regional também recebe denúncias de LGBTfobia ou discriminação de pessoas que convivem com HIV por meio da Ouvidoria LGBTQIA+ Regional.
O que as prefeituras oferecem
Diadema conta com Coordenadoria de Políticas de Cidadania e Diversidades (fica na rua Almirante Barroso, 264 – telefone 4051-1210), que também a Ouvidoria de Crimes de LGBTfobia. “É a CPOCD que orienta todas as secretarias municipais sobre como melhor lidar com a população LGBT (por meio de palestras, campanhas e formações e capacitações de servidores públicos) e a acolhe em suas questões e demandas. A ouvidoria, por sua vez, recebe as denúncias de agressões, crimes e violações de direitos das pessoas LGBT+. Para atender a saúde da população trans, Diadema criou o Ambulatório DiaTrans, que já conta com mais de 300 pacientes e funciona no 2o andar do Quarteirão da Saúde (rua Antônio Piranga, 700). Todos os serviços funcionam de 8h às 17h”, informa a Prefeitura. Em maio, a coordenadoria atendeu 721 pessoas e empresas e o ambulatório recebeu 580 pessoas trans, não binárias, travestis e familiares.
Diadema também ajuda, com apoio jurídico, a retificação do nome na certidão de nascimento e demais documentos. No comércio são distribuídos cartazes com as legislações locais anti-LGBTfobia e os telefones para ligar em caso de violação de direitos. Trabalhadores LGBT são encaminhados para vagas. A coordenadoria também apoia manifestações da sociedade civil organizada, como o Grito da Diversidade, e organiza periodicamente, a Conferência Municipal LGBT+. Na saúde, a população trans recebe apoio psicológico, clínico, tratamento hormonal, de fonoaudiologia, grupos terapêuticos para homens e mulheres trans e seus familiares. Oferece, ainda, vacinas e exames. Para os profissionais do sexo e pessoas com mais exposição a riscos, também são oferecidas possibilidades de prevenções combinadas, medicamentos que previnem o HIV e que podem ser tomadas antes ou depois da prática sexual.
Ambulatório Travessias em Santo André
Outra cidade com coordenadoria para a população LGBT é Santo André. O Ambulatório Travessias, espaço multidisciplinar de cuidados para pessoas com variabilidade de gênero, funciona dentro do Poupatempo da Saúde, no Atrium Shopping. O local oferece acolhimento e atendimento para a população transgênera e não binários. No Ambulatório Travessias é feito o acompanhamento para o processo de transição de gênero (hormonioterapia, encaminhamento para cirurgias, retificação do nome social, apoio psicológico e avaliação endocrinológica). No ambulatório também há atendimento para pessoas mais expostas a DSTs/ISTs. “Essa temática aparece nos atendimentos com os profissionais do Ambulatório Travessias e também há o Centro Médico de Especialidades Referência em Infectologia (rua Paulo Novais, 501 – Vila Vitória). O Consultório de Rua, ligado à Saúde Mental, faz abordagens sistemáticas com essa população no intuito de promover saúde. Outro endereço de saúde é o Caps IJ (Infanto Juvenil), na na rua David Campista, 220 – Vila Guiomar.
São Caetano e o SerTrans
São Caetano possui um centro de referência de saúde para população LGBTQIAPN+, o SerTrans. O serviço para população LGBTQIAPN+ funciona na rua Heloisa Pamplona, 269, bairro Fundação, com atendimento de segunda a sexta das 8h às 19h. Para mais informações é possível entrar em contato pelo e-mail sertrans@saocaetanodosul.sp.gov.br ou telefone/Whatsapp 4233-7639. “Acompanhamos 93 munícipes e fizemos 67 atendimentos no últimos 30 dias. O SerTrans oferece atendimento médico, psicológico, nutricional, serviço social, jurídico, oficinas de convivência, auxílio para oportunidades de emprego e qualificação profissional. Nos casos de pessoas em extrema vulnerabilidade social, o SerTrans aciona o CRAS do município para encaminhamentos e providências. No caso de pessoas que vivem com HIV/AIDS ou outras ISTs, o cuidado é compartilhado com o Cepadi (Centro de Prevenção e Assistência às Doenças Infecciosas)”, detalha a Prefeitura.
São Bernardo
Apesar de São Bernardo não ter coordenadoria, dentro dos serviços já existentes há atenção para o público LGBT. “A rede municipal de Saúde disponibiliza linha de cuidados para este público-alvo nas 34 Unidades Básicas de Saúde (UBSs), rede hospitalar, policlínicas, CAPSs (Centros de Atenção Psicossocial) e UPAs (Unidades de Pronto Atendimento). Estão à disposição profissionais treinados para acolhimento inclusivo. As unidades oferecem atendimento médico, grupos educativos e terapêuticos, exames preventivos e testes rápidos para ISTs e distribuição de preservativos. O sistema de informação contempla identidade de gênero e orientação sexual. Além disso, o município oferta tratamento em hormonioterapia na Policlínica Centro, com acompanhamento com médicos endocrinologistas e equipe multiprofissional para o acompanhamento destes pacientes antes e depois da hormonização. No âmbito da Assistência Social, as equipes das unidades CRAS, CREAS e serviços de acolhimento institucional atuam junto à população LGBTQIA+ na condução de processos de acompanhamento que envolvem a realização de atendimento social e, ou, psicossocial”, diz a nota da Prefeitura.
São Bernardo diz, ainda, que os acolhimentos para a população em situação de rua contam com amparo à população LGBTQIA+. “Atualmente os serviços de acolhimento institucionais municipais voltados à população em situação de rua – Casa de Passagem (acolhimento 24h com acesso por demanda espontânea na rua Tapajós, 10, Vila Scopel) e Moradia Provisória (acolhimento 24h na Rua Jose, 1.000, Rio Grande, com acesso por encaminhamento do Centro Pop) – atendem a população LGBTQIA+ em integração com a população que não compõe este grupo populacional específico (pessoas heterossexuais e cisgênero). Em maio, os serviços de acolhimento atenderam oito usuários (as/es) que compõem a população LGBTQIA+. A Casa de Passagem oferece, ainda, 150 vagas de pernoite, sendo 130 masculinas e 20 femininas, com o fornecimento de refeições e espaço físico e estrutura para higienização pessoal e lavagem de roupas. Os dormitórios e sanitários são identificados por gênero masculino e feminino e os usuários (as) acessam de acordo com o gênero que se identificam”, completa a administração.
Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra não responderam.