ABC - domingo , 30 de junho de 2024

Prefeituras do ABC se movimentam para vender carteira de devedores

Além dos programas de refinanciamento de dívidas, agora as prefeituras estudam vender os créditos da dívida municipal para empresas.  Ribeirão Pires estuda a securitização das dívidas dos munícipes que hoje estão em R$ 550 milhões. (Foto: Divulgação/PMETRP)

As prefeituras do ABC já estão se mobilizando para se adequarem ao Projeto de Lei Complementar 459/17, aprovado pelo Congresso e que aguarda sanção ou veto pelo presidente Lula. A medida prevê a chamada securitização dos créditos públicos que, na prática, significa a venda para grupos econômicos da sua carteira de devedores, que podem ser dívidas de tributos diversos. Santo André foi a primeira na região a já aprovar um projeto de lei neste sentido, mesmo antes da proposta federal ser sancionada. Para economista ouvido pelo RD a medida, que enche os cofres municipais num primeiro momento, pode trazer prejuízos aos municípios a longo prazo.

Santo André tem R$ 2,3 bilhões em créditos tributários em estoque. “Diante dessa realidade, adotamos esta iniciativa numa visão moderna e arrojada, com vistas a incrementar a arrecadação e a expectativa de obter meios próprios para um maior desenvolvimento de modo que possamos realizar ainda mais investimentos em todas as áreas do governo, na promoção da eficiência administrativa e sustentabilidade”, diz o prefeito Paulo Serra (PSDB) em sua mensagem ao Legislativo. O projeto de lei foi aprovado por 15 votos favoráveis e quatro contrários.

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As empresas ou fundos de investimento poderão comprar essas dívidas com deságio, mas ao cobrar dos devedores não poderão impor condições diferentes de pagamento. Devem “manter inalterados os critérios de atualização ou correção de valores e os montantes representados pelo principal, os juros e as multas, assim como as condições de pagamento e as datas de vencimento, os prazos e os demais termos avençados originalmente entre a administração municipal e o devedor ou contribuinte”, diz parágrafo da lei municipal.

Além de Santo André a prefeitura de Ribeirão Pires disse já tem estudos para propor um projeto de lei sobre a securitização das dívidas dos munícipes. “Prefeitura de Ribeirão Pires esclarece que avalia regulamentar a securitização da dívida. Há estudos para adequação do município à nova lei federal. A Dívida Ativa de Ribeirão Pires está estimada em R$ 550 milhões”, informou a administração.

As prefeituras de São Bernardo e São Caetano disseram que avaliam a questão enquanto aguardam a sanção da lei federal. Diadema disse, em nota, que só irá avaliar essa possibilidade após a sanção presidencial. Mauá e Rio Grande da Serra não responderam.

Perdas

A medida não é um consenso entre economistas, entes públicos e entidades que já se manifestaram contra a securitização. O Fonasefe (Fórum das Entidades Nacionais dos Servidores Públicos Federais) divulgou nesta terça-feira (25/06) uma nota pública em que solicita o veto da medida pelo presidente Lula. “Este PLP, que autoriza a securitização de créditos públicos, representa um risco significativo para a transparência, a eficiência e a sustentabilidade das finanças públicas. Ao permitir que créditos tributários e não tributários sejam vendidos a investidores, o PLP 459/2017 cria um ambiente propício para a falta de controle e fiscalização, além de abrir brechas para a corrupção e a má gestão dos recursos públicos”, diz a entidade.

Volney Gouveia destacou que há pontos negativos importantes a serem considerados na securitização. (Foto: Reprodução RDTv)

Para o gestor do curso de Ciências Econômicas, da USCS (Universidade Municipal de São Caetano do Sul), Volney Gouveia, a aplicação da securitização das dívidas para com os municípios de forma indiscriminada pode trazer sérias perdas para o município a longo prazo. “O legislador tem que criar dispositivos para que isso não seja feito de forma indiscriminada, isso porque ao vender esses créditos a prefeitura incorre em um deságio muito alto e essa diferença seria muito importante para as finanças municipais”, aponta o economista.

Segundo Volney há vantagens e desvantagens na securitização, mas ele destaca como mais preocupante os fatores negativos. “Em 2022 o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) publicou um relatório em que diz que 35% das pendências judiciais são de tributos com entes municipais, e tudo isso aí é passível de securitização. O tempo de tramitação de um processo desse é de sete anos, relativamente longo e alguns autores apontam vantagens, como o recebimento de valores imediatos e redução do custo de captação. Quanto às desvantagens está o comprometimento dos investimentos; a securitização também tira a transparência do orçamento e a sua prática indiscriminada acaba transferindo para o privado ganhos extraordinários e o deságio pelo recebimento imediato do valor pode não compensar lá na frente e a prefeitura tivesse esperado para receber”, destaca.

O professor de economia da USCS diz que a prática da securitização, da mesma forma que as prefeituras fazem com os Refis (Programa de Refinanciamento de Dívidas) podem fazer parte de um ciclo que vão acabar esvaziando mais os cofres municipais. “Veja temos o risco moral, com os acordos de refinanciamento e perdão de multas para o pagamento de tributos em atraso, que premiam os devedores. Aí o cidadão com dívida com a prefeitura perde a oportunidade de aderir a esses programas, o débito vai para a Dívida Ativa e acaba securitizado. Então a prefeitura perde a oportunidade de cobrar o valor integral e ainda oferece deságio para vender essa dívida. As prefeituras deveriam ser mais criativas para estimular o munícipe a ficar adimplente. “Poderiam fazer um cashback, oferecer alguma compensação para quem paga em dia, como não reajustar o IPTU dele, por exemplo, ou, na outra ponta, ser mais severo com quem está inadimplente”, completa.

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