ABC - segunda-feira , 28 de abril de 2025

Da indignação à ação: caminhos urgentes para o ABC e o Brasil

Gustavo Donato é professor associado da Fundação Dom Cabral, professor titular (licenciado) e ex-reitor da FEI – Foto: divulgação

Por Gustavo Donato

Por que o ABC Paulista, outrora um gigante industrial, deve se reinventar para liderar a inovação e o desenvolvimento econômico no Brasil.

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A região do ABCDM, outrora um dos principais polos industriais do Brasil, enfrenta uma grave crise de desindustrialização, refletindo a perda de empregos e a redução da atividade econômica. No entanto, essa região, composta por cidades como Santo André, São Bernardo, São Caetano, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, ainda possui potencial para se reinventar.

A chave para essa transformação está em um olhar crítico sobre a situação atual e em ações coordenadas e estratégicas como região para revitalizar o ambiente de negócios, a atratividade e, consequentemente, a economia local.

Embora o PIB da região tenha apresentado avanços no início de 2024, com crescimento da atividade industrial e da geração de empregos, não se pode perder de vista as grandes transformações em curso na região. Por exemplo, na década de 1970 o ABC era responsável por 4,57% do PIB brasileiro, fatia que decresceu para 2,52% em 2004 e menos de 2% após o ano de 2020; ou seja, uma queda vertiginosa de mais de 50% na participação do PIB nacional em menos de 50 anos.

Uma vez que a região é historicamente ancorada na cadeia automotiva, é também importante avaliar o que tem ocorrido com o setor na região. O ABC era responsável por 82% da produção nacional de veículos na década de 1980, o que passou a representar algo em torno de 23% em 2005; novamente, uma redução de protagonismo muito intensa e que levou consigo não somente operações de montadoras e centros de PD&I, mas também indústrias de autopeças e diversos outros agentes das cadeias, com impactos diretos em outras atividades de sustentação.

A realidade atual da região envolve uma dicotomia. Se por um lado observamos as montadoras que operam no ABCDM com anúncios de investimentos relevantes, como por General Motors, Mercedes-Benz, Scania, Volkswagen e Eletra (ônibus elétricos), testemunhamos o encerramento recente das operações da Ford, da Toyota, o enxugamento de alguns centros de engenharia instalados na região e não temos obtido êxito em atrair investimentos de novos players industriais de forma sistemática, a exemplo das fabricantes automotivas chinesas (sejam de leves ou pesados) ou de outras empresas industriais de setores emergentes.

Se faz necessária a autocrítica de que mesmo diante de tantas pressões e sinais de urgência pela transformação, o parque industrial do ABCDM não tem correspondido à modernização que o habilite para a eficiência das indústrias 4.0 e 5.0, não tem diversificado sua atuação para cadeias de alta tecnologia e emergentes, como de energia, agro, eletrificação, bioeconomia, TI, entre outras, assim como continua fundamentalmente voltado para o atendimento do mercado interno, deixando na mesa valor não capturado e uma valiosa atenuação de volatilidade de demanda. Embora a região esteja crescendo em serviços, em real state e em logística, o crescimento da indústria é essencial para a retomada da tão importante complexidade econômica sendo perdida ao longo das últimas décadas.

A concorrência de outros municípios pela atração de investimentos também tem sido não só maior, como altamente competitiva. A atratividade a investimentos fabris de grande monta requer cadeia produtiva atualizada, eficiente, capital intelectual, assim como entram na equação as vantagens tributárias e condições imobiliárias e logísticas. É evidente que o ABC possui localização estratégica, malha rodoviária, suporte logístico em expansão e proximidade com o porto de Santos. Mas é também verdade que na equação de múltiplas variáveis, que envolve uma decisão de investimentos, tem perdido para outras regiões – só para falar do entorno, vejamos casos de cidades como Sorocaba, Jundiaí, Barueri e outras que, mesmo próximas da Capital, têm implantado políticas diligentes de desenvolvimento regional e conquistado protagonismo no desenvolvimento do Estado de SP.

Olhar o contexto Brasil para fazer melhor

De acordo com um estudo do International Institute for Management Development (IMD), em colaboração com a Fundação Dom Cabral, lançado em junho de 2024, o Brasil perdeu mais duas posições no ranking global de competitividade – ocupa a 62ª posição, entre 67 países avaliados; e preocupa ver a educação em todos os níveis e também a educação em gestão na última ou penúltima posições. Observando por sua vez os resultados do Global Innovation Index 2023 da WIPO, mesmo sendo a 9ª maior economia do mundo, o Brasil está na 49ª posição em termos de competitividade global. A situação é ainda mais alarmante quando se observa a interação entre universidades e empresas, onde ocupamos a 78ª posição, e o ambiente de negócios para investimentos internacionais, onde estamos em 118º lugar entre 132 países.

Esses números revelam uma desconexão profunda entre o potencial econômico do país e sua capacidade de inovar e competir no cenário global. Embora a balança comercial brasileira seja superavitária, isso se deve predominantemente à exportação de commodities como soja, milho e minério de ferro, que nos são muito importantes, mas que possuem baixo valor agregado. A balança comercial de produtos transformados pela indústria e de alta intensidade tecnológica, no entanto, é negativa e continua em declínio.

Se por um lado as constatações acima são alarmantes, são oportunidades para estados e regiões que desejam reverter tal quadro, em um país que possui a quarta matriz elétrica mais limpa do mundo, abundância de recursos naturais e localização privilegiada não só geograficamente como do ponto de vista logístico, climático e de desastres. E não se faz necessário aguardar uma grande política industrial ou movimento nacional – deve-se agir imediatamente.

Planejamento de longo prazo e governança

O que distingue organizações e regiões de sucesso é a essencial visão de longo prazo e estratégica, tanto por parte do poder público quanto das empresas e universidades. A região precisa de um planejamento que transcenda mandatos políticos e se baseie em gestão profissional e uma governança eficiente e ambidestra. Uma mentalidade ambidestra envolve entregar resultados no hoje, mas ao mesmo tempo zelar pela construção de um amanhã competitivo e sustentável.

Se questionarmos o Consórcio Intermunicipal do ABC e os prefeitos sobre qual é a visão de futuro para o ABCDM em 5, 10 e 15 anos, receio não encontrarmos uma resposta em uníssono ou, pior, talvez não encontrarmos uma resposta. O fortalecimento do consórcio e o desenho de uma visão e políticas ambiciosas e articuladas para a região, com a participação ativa de entidades representativas do comércio e da indústria, são vitais para criar uma mobilização efetiva em torno de um projeto de futuro.

A urgência da educação e da inovação

No processo de reversão do quadro acima delineado, é imperativo investir na educação em todos os níveis, desde a básica até a superior, passando por cursos técnicos e profissionalizantes. É preciso fortalecer a formação de profissionais qualificados em áreas estratégicas como tecnologia da informação, engenharia, gestão e logística. Isso é essencial para sustentar inovação, eficiência produtiva, capacidade de geração de valor nos negócios e um processo de neoindustrialização que reinsira a região de forma competitiva em cadeias atuais e emergentes.

Além disso, é crucial fomentar o ecossistema regional de inovação, pensando a região, por exemplo, à luz do conceito de distrito de inovação. Isso inclui fortalecer centros de pesquisa e desenvolvimento nas empresas, incentivar o patenteamento, fortalecer os laços entre universidades, poder público, parques tecnológicos e empresas, e apoiar startups. A promoção de um ecossistema robusto de inovação é fundamental para aumentar a competitividade da região.

Indignação como motor de mudança

A indignação com a atual situação deve ser uma força motriz para a ação dos agentes regionais. A região do ABCDM merece uma estratégia clara e ações concretas que voltem a fazer bom uso dos tantos recursos disponíveis, do amplo capital intelectual e humano, trazendo desenvolvimento e atratividade por meio de um novo posicionamento competitivo, profissional e sustentável em variadas cadeias produtivas que se projetem para além do automotivo.

Educação, inovação e visão de longo prazo devem ser pilares de um projeto de futuro integrado e com chances reais de revitalizar a economia local, proporcionar uma melhor qualidade de vida para a população e, quiçá, se tornar um caso futuro de desenvolvimento sustentável para o Brasil.

Essa transformação não será fácil ou imediata e exigirá esforço, disciplina e colaboração de todos os agentes e setores da sociedade. Mas se há uma certeza é a de que o não agir não é opção para o ABCDM.

 

Gustavo Donato é conselheiro de empresas, professor associado da Fundação Dom Cabral, membro do B20 e ex-reitor da FEI. É engenheiro mecânico (FEI), MBA em Administração (FGV-EAESP), doutor em Engenharia (POLI-USP) e conselheiro formado pela Fundação Dom Cabral, com vivências internacionais, formação executiva (MIT) e em Futures Studies into Strategy (Copenhagen Institute for Futures Studies). Liderou dezenas de projetos de PD&I e estratégia com empresas, recebeu prêmios científicos e de gestão e é autor de mais de 140 artigos, capítulos de livros ou patentes.

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