ABC - domingo , 20 de abril de 2025

Aumenta número de pessoas nas ruas enquanto verbas de alimentação diminuem

Entrega de alimentos pela ONG Anjos da Sopa, de Santo André. (Foto: Divulgação)

O atendimento social e de saúde para as pessoas em situação de rua é feito por uma rede que inclui serviços públicos ou conveniados às prefeituras, mas sobretudo por entidades da sociedade civil que trabalham com doações e preparam milhares de refeições todos os dias, sem nenhum amparo do poder público. Entidades garantem que a população em situação de rua aumentou significativamente, sobretudo durante a pandemia, e as doações e número de voluntários também caiu.

Oficialmente, segundo as estimativas de seis das sete prefeituras da região (Mauá não informou) são mais de 1,4 mil pessoas que dormem em calçadas, sob viadutos e marquises. Mas o número é muito maior, segundo o CadÚnico (Cadastro Único para Programas Sociais), o ABC tem 2.763 pessoas nas ruas, praticamente o dobro da estimativa dos municípios, segundo dados de novembro de 2023.

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Enquanto as cidades trabalham considerando um número menor de moradores de rua do que o que realmente existe, as vagas ofertadas em albergues informadas pelos municípios não chegam nem perto de atender esse público, tirando Mauá e São Caetano, que não informaram o número de vagas em albergues, as demais cidades ofertam juntas apenas 520 vagas.

A alimentação é o ponto mais sensível para estas pessoas que vivem em situação de extrema vulnerabilidade, considerando apenas números oficiais das refeições servidas em abrigos, e aquelas fornecidas pelos Restaurantes Populares e os Restaurantes Bom Prato a preços que variam de R$ 1 a R$ 2, são fornecidas diariamente 19 mil refeições por dia. Estes restaurantes públicos atendem não apenas que vive na rua, mas a população de baixa renda em geral.

Mas a grande força que prepara e distribui alimentação para os moradores de rua, não se vê nos números oficiais, são entidades, algumas ligadas à igrejas e outras não, que, sem nenhuma ajuda governamental reúnem voluntários e com doações preparam marmitas e entregam também roupas e cobertores. Essas instituições da sociedade civil nunca passaram por tantas dificuldades para fazer esse trabalho como passam atualmente.

Anjos

Segundo Gisele Capelli, presidente da ONG (Organização Não Governamental) Anjos da Sopa, em Santo André, o aumento da população a ser atendida e a redução das doações é um fato, e que levou a alguns cortes do atendimento, mesmo assim são cerca de 8 mil refeições por mês, preparadas por 148 voluntários que atuam na sede da entidade, na “Cozinha Rosa”, que divide espaço com o comércio de propriedade de Gisele. “Antes além das sopas a gente fazia 1.500 lanches, mas tivemos de cortar e concentrar na sopa. Os lanches custavam para nós R$ 7,3 mil por mês e ficou pesado”, explica.

Segundo a presidente dos Anjos da Sopa, as doações caíram e também o número de voluntários desde a pandemia da covid-19 iniciada em 2020. “Lutamos para voltar ao que era antes, mas para isso a gente precisaria de uma empresa que nos ajudasse”, diz. Os voluntários percorrem cidades da região como Santo André, Mauá, São Bernardo e parte de São Paulo, chegam em locais já conhecidos onde a população de rua se concentra e já esperam pela sopa. “Nos dividimos em 10 equipes para ter certeza de que essas pessoas estão alimentadas e vestidas”, completa. As doações podem ser feitas por PIX (chave: 11972154435) e os alimentos, cobertores e roupas podem ser entregues na sede da entidade na rua Javri, 449 – Vila Assunção, em Santo André.

Cufa

Para Marcos Miranda, o Marcão, presidente da Cufa (Central Única das Favelas) de São Bernardo, o problema para atendimento a população que vive nas ruas é mesmo a redução de doações. “Hoje entregamos cerca de 200 marmitas por quinzena, mas chegamos a fazer mais de 100 por dia durante a pandemia. Durante a pandemia tivemos dois momentos primeiro, uma preocupação social maior, mas depois foi caindo. Pessoal para fazer as refeições nós temos, cozinha também, mas as doações caíram 90%”, conta.

Marcos Miranda, o Marcão, presidente da Cufa de São Bernardo diz que entidade poderia produzir mais marmitas se tivesse mais doações. (Foto: Reprodução)

É muito frequente ver pessoas ou grupos de pessoas em situação de rua nos centros das cidades, onde eles procuram, doações, alguns trabalhos sendo o principal deles a coleta de materiais recicláveis, porém, segundo Marcão, nas periferias também já têm muitos moradores de rua. Ele aponta que parte deles, são dependentes químicos ou de álcool. “Na periferia aparecem muitos moradores de rua, por causa das mini cracolândias, que não são reconhecidas pelo poder público”, diz.

Marcos Miranda diz que foi grande a preocupação das entidades em relação à proposta de lei que tramita na Câmara de Vereadores da Capital, que prevê punição de até R$ 17 mil para entidades que fazem doações de alimentos. “A gente ficou assustado com isso, e esperamos que absurdos como esse não cheguem por aqui”, completa.

As doações para a Cufa, podem ser feitas na sede da entidade que fica na Estrada do Poney Club, 90 – no bairro Alvarenga. Contatos podem ser feitos pela página da Cufa no Instagram.

Diocese de Santo André

A preocupação de que legisladores da região tentem copiar a proposta colocada na câmara paulistana também é da Igreja Católica no ABC. O padre Ryan Mathew Holke, vigário episcopal para a Caridade Social, da Diocese de Santo André, também classificou a proposta como preocupante. Ele relata também que a população de rua já está nas periferias também já há algum tempo. “Na região do Alvarenga (São Bernardo) e na Vila Luzita (Santo André) há maior concentração, mas estão distribuídos por todas as cidades”, diz o religioso. O Vicariato que Holke coordena foi criado para reunir as ações sociais e os grupos das paróquias do ABC que já trabalhavam com doações e alimentação e criar uma coordenação. Essa articulação começou em 2019 e se consolidou em 2022 com a criação da Pastoral do Povo da Rua.

De 30 a 120 grupos saem às ruas para a doação de alimentos e conversar com a população de rua. “A população de rua aumentou neste período de pandemia e tem crescido. Antes até mesmo quem tinha um teto recebia auxílio emergencial, conseguia se manter, tinha mais doações de cestas básicas, agora a situação ficou mais precária e grande parte desta população é invisível para o poder público. Muitas entidades do terceiro setor que até tinham convênio com governos passaram por dificuldades financeiras, não conseguiram renovar esses convênios e fecharam as portas. Voluntários que nos ajudavam, hoje são ajudados”, relata padre Ryan.

Padre Ryan diz que o que mais afeta o morador de rua é o fato de se sentir invisível. (Foto: Reprodução RDTv)

Pedras pontiagudas sob viadutos

Para o vigário, o poder público muitas vezes não contribui para que essa população seja atendida. Holke se refere à arquitetura hostil, conceito que prefeituras adotam para dificultar que moradores de rua se abriguem em determinados locais, como colocar pedras pontiagudas sob viadutos e retirada de bancos de praças.

“Existe muito preconceito com a população de rua e essa política higienista permeia o ambiente político. A cidade encontra várias desculpas para não encarar de frente essa realidade. O povo da rua é composto por pessoas que precisam de cuidado e isso é um sintoma de que algo na cidade não vai bem. Essas pessoas nos relatam que a sensação de invisibilidade é o que mais as machuca”, afirma.

Ryan Holke também diz que além do poder público o empresariado da região poderia contribuir mais. “Temos empresas muito grandes e algumas poucas iniciativas que são boas, mas no todo a ajuda que recebemos do setor empresarial é muito pouca. Já o poder público, com a criação da política nacional para a população de rua, sancionada em janeiro, se espera que cada cidade trace plano de atendimento, e as entidades, grupos e empresas podem estar juntos nestes esforços para uma rede de proteção social e de acolhida”, completa. As doações para a Pastoral do Povo de Rua podem ser feitas e qualquer uma das paróquias da região.

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