ABC - quarta-feira , 16 de abril de 2025

Billings chega ao nível mais baixo em 10 anos e especialistas criticam falta de ações

Marcas nas margens da Represa Billings mostram o quanto a água já recuou. (Foto: IPH-USCS)

O Sistema Rio Grande, do qual a represa Billings faz parte, sofre com o longo período de estiagem. Nas margens da represa já é possível ver o quanto as águas recuaram e deixam transparecer partes do fundo do reservatório. Nesta terça-feira (8/10), segundo o Portal dos Mananciais da Sabesp, o sistema estava com 63,24% da capacidade, nível só foi verificado em novembro de 2014, portanto há 10 anos e em plena crise hídrica. A Sabesp nega problemas de abastecimento e diz que a operação integradas dos reservatórios permite tranquilidade, mas não é o que dizem quem conhece bem a represa.

Questionada nas últimas semanas sobre a situação persistente de seca a Sabesp diz que os níveis das represas garantem o abastecimento. “A Sabesp informa que o Sistema Integrado Metropolitano (SIM) opera com índice semelhante à média dos últimos cinco anos: 50,0%. O SIM é composto por 7 mananciais, o que permite abastecer áreas diferentes da metrópole com mais de um sistema. Anualmente, a Companhia adota o plano de operação de estiagem, acionando a integração para priorizar o uso de sistemas com maior volume e poupar aqueles com menor nível. Desde a crise hídrica, investimentos como a interligação entre as represas Jaguari e Atibainha e o Sistema São Lourenço tornaram o SIM mais robusto e flexível. A Sabesp mantém estudos e investimentos para ampliar a segurança hídrica, levando em conta as alterações climáticas, a demanda futura por água, séries históricas de vazões e chuvas, entre outros. A Interligação Itapanhaú-Alto Tietê, que vai captar até 2,5 m³/s de água, entra em operação em 2025”, detalha a companhia.

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A Sabesp diz que não há risco de desabastecimento e sustenta que faz campanhas de conscientização. “A Sabesp realiza permanentemente campanhas e divulgações sobre uso consciente. Ações simples, como usar balde e vassoura para limpar áreas externas, não usar água corrente para descongelar alimentos e estar atento a vazamentos, podem fazer grande diferença, beneficiando toda a população. Mais informações no link: https://site.sabesp.com.br/site/sociedade-meioambiente/dicas.aspx”, diz nota da companhia.

Bancos de areia

Ambientalistas e quem lida diariamente com a pauta hídrica não têm o mesmo otimismo. “Dá vontade de chorar, de ver o nível da represa como está, em vários pontos se vê o que antes era o fundo da represa exposto, a água já recuou bastante”, comenta a bióloga e coordenadora do programa IPH-USCS (Índice de Poluentes Hídricos da Universidade Municipal de São Caetano do Sul), Marta Marcondes, que percorreu esta semana, de barco, a represa para a coleta de amostras da água para análise.

Professora Marta Marcondes, da USCS, diz que até a navegabilidade da Billings começa a ficar comprometida. (Foto: Reprodução RDTv)

A professora da USCS diz que o nível da represa baixou tanto que bancos de areia surgem em locais que sempre foram cobertos por água e já afeta a navegabilidade em alguns trechos. “A gente percorreu a represa na margem de São Paulo e por lá o Aquático – embarcação que faz transporte de passageiros – já enfrenta dificuldades, tendo que fazer várias voltas para chegar ao destino. Logo as balsas também podem ter problemas”, explica.

A Emae (Empresa Metropolitana de Águas e Energia) informa que a navegabilidade das suas embarcações operadas no reservatório Billings está normal e que não há limite predefinido de profundidade para a operação das balsas. “As inspeções detalhadas são feitas uma vez por semana e, diariamente, é realizada nas embarcações uma manutenção preventiva e, quando necessário, corretiva. Na travessia João Basso, que liga o Riacho Grande ao bairro Tatetos, são realizadas, em média, 164 viagens por dia, com o transporte de 58 ônibus, 2.929 veículos, 60 caminhões e 4.535 pedestres”, diz o órgão, em nota.

Precisa de campanha

Para o professor da disciplina de instalações hidráulicas do IMT (Instituto Mauá de Tecnologia), Helio Narchi, passou da hora da Sabesp fazer campanhas para que a população passe a economizar água. “Eu me preocupo muito com isso, diariamente vejo os níveis das represas e vejo que não está bom. Pelo menos estamos no fim da estação mais seca do ano. Se estivesse assim em julho ou agosto, seria mais grave, tudo indica que agora deve começar a chover”, analisa. Porém, o professor também destaca outra situação negativa, que são as previsões climáticas que antevêem dias mais quentes e menos chuvas. “Por isso não entendo porque a Sabesp ainda não acelerou as campanhas. Não é para grande alarme, mas eu já faria campanhas agora”, comenta.

Da mesma forma que na crise de 2014 foram feitas obras para captar água do volume morto do sistema Cantareira, Narchi acha que é possível tirar água de outros pontos da Billings, porém de uma qualidade muito pior e muito cara para ser tratada. “No braço do Rio Grande, onde é captada, a água tem mais qualidade e volume do que nas áreas mais ao centro da represa. Também é preciso se definir claramente o foco da represa. Ela foi criada há quase 100 anos para gerar energia, hoje em uma quantidade muito pequena, e ao longo dos anos se tornou reservatório para abastecimento público. É preciso definir que a água é a prioridade e à partir daí. Esse cenário de mudanças climáticas pode forçar outras medidas; aqui na Mauá nós estamos com o curso de pós graduação para aproveitamento de águas cinzas em condomínios, isso hoje só é viável para os novos condomínios, para os antigos não é economicamente possível, mas não se sabe se no futuro vamos precisar disso, então temos que estar preparados para isso e a população deve colaborar para evitar desperdícios”, completa Narchi.

Billings

Para a engenheira civil e professora de Hidráulica e Drenagem na UFABC (Universidade Federal do ABC), Melissa Graciosa, a situação também é grave. “Muita atenção vem sendo dada aos cuidados com o tempo seco, à precauções para a saúde e pouco ou nada se tem falado sobre uso racional ou consumo consciente de água. Não gosto de especular sobre as causas da pouca atenção das campanhas sobre determinada temática, mas é fato que o momento justificaria uma intensificação das campanhas. Há que se ressaltar também que pouco ou nada evoluímos nas práticas de reuso de água, que seriam fundamentais em uma situação de escassez permanente que vivemos na Região Metropolitana de São Paulo (Bacia do Alto Tietê), agravada pela situação de seca. Quando fazemos a relação disponibilidade versus demanda, temos uma situação de permanente escassez hídrica, ou seja, não precisamos de uma crise hídrica para intensificar as medidas de adaptação. Esta situação é resultado de termos metade da população do Estado, 10% da população do país, residindo em uma única bacia hidrográfica, a do Alto Tietê. A seca persistente vem agravar uma situação que já é de fato crítica”, analisa.

Professora Melissa Graciosa, da UFABC, diz que já estamos vivendo os efeitos das mudanças climáticas e o momento é de adaptação à nova realidade. (Foto: Reprodução RDTv)

A professora aponta que a Billings precisa de muitos cuidados. “É um dos mananciais mais comprometidos em termos de qualidade, senão o mais comprometido. E não é apenas manancial, mas tem uma importância ambiental e social muito relevante para a região. É preciso intensificar as medidas de regularização fundiária que permitirão a redução do aporte de esgoto in natura no corpo hídrico. Também é preciso intensificar as ações de fiscalização integrada das ocupações irregulares, que vão progressivamente comprometendo a qualidade do manancial. A Billings abriga comunidades ribeirinhas muito importantes, quilombolas, indígenas e pescadores. É preciso que seja tratada com mais cuidado e mais respeito. às vésperas de completar 100 anos, a represa segue com graves problemas ambientais, urbanos e sociais”, diz Melissa.

Analisada apenas a Represa Billings isoladamente do sistema Rio Grande, nesta terça-feira (08/10) ela estava com 13% da sua capacidade. Ao comentar sobre os efeitos das mudanças climáticas a professora da UFABC diz que esses efeitos já estão presentes e podem piorar ainda mais com os eventos climáticos extremos, como secas e enchentes.

“Eu diria que infelizmente isso já é uma realidade, essas mudanças climáticas já estão aqui e o momento é de adaptação, não só quanto a situação de seca, mas de extremos. A situação de seca que a gente está vivenciando é resultante do El Niño e dessa grande massa seca que se formou entre as regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, que impediu a passagem da umidade vinda do sul que ocasionou as enchentes no Sul, esse é o mesmo fenômeno que trouxe a seca para o Sudeste. O fato de entrarmos agora no período chuvoso, deve acarretar a ocorrência de chuvas intensas, típicas de verão, que produzem enchentes, mas não necessariamente teremos as chuvas que enchem reservatórios, aquelas de intensidade mais moderada e que duram mais dias. Podemos ter, ao mesmo tempo, as chuvas de verão, mas que não enchem reservatórios, vai depender da transição dos eventos climáticos. O momento é de adaptação aos extremos climáticos”, completa Melissa Graciosa.

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