ABC - quarta-feira , 16 de abril de 2025

Plataformas mantém transporte com moto que não é autorizado no ABC

Usuários podem optar por motos ante os carros (Foto: Divulgação/Uber)

As plataformas de transporte por aplicativo Uber e 99 mantém o serviço de transporte de passageiros com motocicletas, mesmo sem regulamentação em nenhuma cidade do ABC. A polêmica, instalada na Capital, entre o prefeito Ricardo Nunes (MDB) e a 99Moto que começou a operar esse ano o serviço, está instalada, de um lado o emedebista diz que a empresa não tem autorização do município e, portanto não pode operar, de outro a empresa alega que está baseada na lei de mobilidade, que é federal e que permite sua operação. A resistência dos municípios está baseada no alto índice de acidentes com motos, que cresce ano após ano.

Em 2024 197 pessoas morreram em acidentes de trânsito no ABC, dentre os mortos 46% eram motociclistas; pedestres foram 29%; ciclistas mortos, 6% e caminhoneiros foram 3% das fatalidades. Os números são do Infosiga (Sistema de Informações Gerenciais do Trânsito) do Detran. Desde 2015, quando a estatística começou a ser feita a participação dos motociclistas entre os mortos só aumenta. No primeiro ano eles eram 34%, no ano seguinte foram 40% dos óbitos, o pico foi em 2023 onde 49% das mortes no trânsito foram de motociclistas.

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Em junho do ano passado Yaritza Vitória do Nascimento, de 19 anos, morreu em Santo André, num acidente de trânsito quando estava em  na garupa de um mototáxi. Era uma moto contratada para uma corrida através da plataforma da 99. O motociclista tentou passar entre um carro e uma moto, mas a manobra não deu certo, houve choque e a jovem acabou atropelada pelo coletivo. O condutor foi socorrido. Na época a plataforma disse, em nota, que disponibilizou pessoal para para acolhimento e a disponibilização de informações sobre o acionamento do seguro e do auxílio psicológico, para a família da jovem e do motociclista.

Yaritza morreu, em junho, em acidente com a moto que contratou por aplicativo para uma corrida. (Foto: Rede Social)

Procurada novamente, a 99 reafirmou que as viagens de moto são seguras graças às funcionalidades do aplicativo. “A 99 opera com a 99Moto desde 2022, tendo realizado mais de 1 bilhão de viagens em cerca de 3.300 municípios, incluindo às cidades do ABC. Durante esse período, foi comprovado que a tecnologia deixa o modal mais seguro. Em 2024, apenas 0,0003% das corridas tiveram algum acidente de trânsito. Isso foi possível graças às 50 funcionalidades de segurança, incluindo alerta de velocidade, que emite avisos em casos de excesso; governança contra direção perigosa no trânsito, que promove a conscientização e, se necessário, também bloqueios a motociclistas imprudentes; cursos e orientações preventivas sobre direção; além de checagem de dados, monitoramento das corridas; entre outros. Atualmente, a 99 tem mais de 1.5 milhão de motoristas e motociclistas parceiros”, diz nota da empresa.

A Uber, que também oferece o serviço de transporte por motocicleta na região, nada disse sobre a operação sem regulamentação municipal nas sete cidades do ABC.

Contrários

O urbanista Enio Moro Junior, gestor do curso de Arquitetura e Urbanismo da USCS (Universidade Municipal de São Caetano do Sul) sustenta que o serviço de transporte de passageiros por moto não oferece a segurança necessária para funcionar. “Apesar da plataforma dizer que tem, não há um controle efetivo de velocidade da moto, as motocicletas andam entre os carros então, numa situação urbana, como a da maioria das cidades do ABC, densas e com muito movimento, eu não recomendo e não vejo possibilidade de regulamentação”, avalia.

O professor diz que a regulamentação poderia forçar o cumprimento de regras em nome da segurança, mesmo assim ele acredita ser difícil a fiscalização. “Se tiver regras muito claras, limitação claríssima de velocidade, rotas específicas e mais seguras, porque o aplicativo tem como indicar rotas com menos movimento, com tudo isso até poderia ser algo para se discutir, mas da maneira que acontece hoje, acho muito temerário. Essa resistência do prefeito da Capital, Ricardo Nunes, eu acho muito válida. Importante analisar as experiências que se tem em outros países, eu vi modelos na Índia e na China, onde a preocupação é somente com o custo, não é com a segurança. Esse debate  então desqualifica o que o poder público tem que fazer, que é oferecer um transporte público de qualidade e eficiente, com ar-condicionado, segurança e precisão no tempo. Portanto, com as condições atuais, eu sou completamente contra a liberação e a não fiscalização dessa atividade”, completa.

Luiz Carlos Mantovani Néspoli, superintendente da ANTP. (Foto: Divulgação)

Para Luiz Carlos Mantovani Néspoli, superintendente da ANTP (Associação Nacional dos Transportes Públicos), entidade que se dedica a pesquisas na área, a regulação sobre os serviços de transporte cabe ao município, portanto a atividade de mototáxi contratada ou não pelo aplicativo, se não regulamentada, é irregular. “A lei federam que as plataformas usam para argumentar é a Lei da Polícia Nacional de Mobilidade Urbana, mas elas veem a medida de uma forma equivocada. O prefeito da cidade tem a competência para regulamentar, no caso da Capital a 99 se baseia no argumento de que não é uma empresa de transporte e sim uma moderadora da atividade e por isso ganhou no STF (Supremo Tribunal Federal) porque não se pode impedir o aplicativo de funcionar, o problema é que ela é o meio para acessar a atividade remunerada de transporte que, se não estiver regulamentada, não pode ser prestada. Do meu ponto de vista ela se baseia na permissão do serviço, desde que regularizado pela prefeitura”, analisa

“Nós, da ANTP, do ponto de vista da segurança, não aconselhamos a permissão desse tipo de transporte, porque muitos passageiros não estão habituados a andarem como carona em um veículo que tem um comportamento dinâmico e acrescentam um risco maior. A nossa posição é não para esse moto de transporte de passageiros que é inseguro, altamente sujeito a sinistralidade e aí são duas as vítimas, condutor e passageiro”, diz Néspoli. O presidente da ANTP diz ainda que o transporte por moto é atrativo para o usuário e para o motociclista diante de um trânsito cada vez mais caótico em que cada centímetro é disputado por carros, motos, ônibus e caminhões. “A necessidade surge quando se tem um trânsito congestionado e o transporte público é ruim. É sedutor pagar pouco e ter velocidade, no caso do usuário da plataforma. Da parte do motociclista é importante que ele tenha renda extra, mas nem tudo que o cidadão deseja é possível permitir, por razões de segurança”, completa.

Prefeituras

As prefeituras reafirmaram o posicionamento do ano passado, quando o RD abordou o mesmo assunto após a morte da jovem. Apesar de falarem em fiscalização, nenhum motociclista foi autuado por transporte irregular de passageiros no ABC no ano passado. Apesar do alto custo para o sistema público de saúde, os municípios do ABC dizem não ter como calcular o quando cada um dispende com o atendimento de vítimas de acidentes com moto.

Enio Moro Júnior, da USCS, é contra a regulamentação da atividade pois entende que ela não oferece segurança. (Foto: Reprodução/RDTv)

Em São Caetano não existe lei específica para atividades de mototáxi. Segundo a prefeitura a Semob (Secretaria de Mobilidade Urbana) trata do assunto quando existe algum tipo de denúncia de casos da modalidade, sendo que em 2024 nenhum caso foi identificado como sendo do aplicativo de motocicletas.

A prefeitura de Rio Grande da Serra diz que estuda regulamentar a atividade. “Atualmente não existe uma legislação que regulamenta o serviço de mototáxi no município, o município segue a lei n° 12009 de 29 de julho de 2009 sancionada pelo governo federal, que regulamenta o exercício das atividades dos profissionais em transporte de passageiros, “mototaxista”, em entrega de mercadorias e em serviço comunitário de rua, e “motoboy”, com o uso de motocicleta. Porém, há estudos para a implementação de uma lei que regulamente este tipo de transporte no município futuramente”.

A prefeitura de São Bernardo judicializou a situação do transporte de passageiros por moto. “A legislação que regulamenta o transporte prevê apenas veículos de passeio. Quaisquer outros meios de transporte por aplicativo, portanto, são considerados proibidos. Como não existe no âmbito municipal uma legislação que regulamente o mototáxi, uma vez que a prática está em desacordo com os preceitos da lei nº 6.382/2014, a prefeitura já notificou as empresas para se abster da prática. Atualmente, a discussão está no Judiciário e o serviço opera graças a uma liminar obtida na Justiça”, diz nota do paço.

A prefeitura de Santo André respondeu que o serviço não é regulamentado na cidade e que a discussão sobre a autorização para essa atividade deve ser tratada de forma regional no Consórcio Intermunicipal do ABC.

Nota da prefeitura de Diadema confirma que a cidade não tem regulação para a atividade de transporte de passageiros por moto, mas diz que também não autua por não ter uma lei específica para tal. O paço diademense deu entendimento de que estuda uma regularização para a atividade. “A nova gestão municipal está analisando o novo cenário e deverá se posicionar em breve”, diz o comunicado. Mauá e Ribeirão Pires não se pronunciaram.

Legalidade

A Amobitec (Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia), entidade que representa as empresas de tecnologia prestadoras de serviços relacionado à mobilidade, divulgou nota sobre a polêmica na Capital, mas não respondeu a questionamentos feitos sobre a operação no ABC, onde também não há regulamentação para a atividade. “A Amobitec vê com estranheza a volta do debate defasado sobre a legalidade do transporte de passageiros por motocicletas intermediado por plataformas digitais. O serviço é uma atividade privada, legal, regida pela Política Nacional de Mobilidade Urbana, e sustentada pela Lei Federal n° 13.640. Desta forma, os aplicativos têm autorização legal para atuar em todo o território nacional, entendimento apoiado por 20 decisões judiciais no país. A associação, que representa as principais plataformas do país, esclarece ainda que às prefeituras compete regulamentar e fiscalizar a atividade com exigências específicas, mas não proibir”, diz a entidade.

 

Veja a seguir a íntegra da nota da Amobitec: 

A Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec) vê com estranheza a volta do debate defasado sobre a legalidade do transporte de passageiros por motocicletas intermediado por plataformas digitais. O serviço é uma atividade privada, legal, regida pela Política Nacional de Mobilidade Urbana, e sustentada pela Lei Federal n° 13.640. Desta forma, os aplicativos têm autorização legal para atuar em todo o território nacional, entendimento apoiado por 20 decisões judiciais no país.

A associação, que representa as principais plataformas do país, esclarece ainda que às prefeituras compete regulamentar e fiscalizar a atividade com exigências específicas, mas não proibir. A mesma legislação estabelece que o serviço de transporte de pessoas intermediado por aplicativos não se enquadra na categoria de transporte público individual, como o mototáxi. O Supremo Tribunal Federal já decidiu em 2019 pela impossibilidade de proibição do serviço, por se tratar de atividade legítima, exercida de livre iniciativa e autorizada pela Constituição.

A Amobitec contesta análises infundadas que atribuem aos aplicativos a responsabilidade por eventuais aumentos de acidentes de trânsito por motos. Deve-se observar que os cerca de 800 mil motociclistas cadastrados no Brasil nas três maiores empresas do setor (99, iFood e Uber) representam apenas 2,3% da frota nacional de 34,2 milhões de motocicletas, motonetas e ciclomotores, segundo dados da Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran/2024). 

Além disso, 53,8% dos motociclistas no Brasil não têm habilitação, totalizando 17,5 milhões de condutores irregulares, segundo a Senatran. No caso das associadas da Amobitec, 100% dos condutores têm obrigatoriamente a CNH e a documentação regular de seus veículos.

As empresas associadas à Amobitec adotam camadas de segurança adicionais às previstas em lei para buscar cada vez mais proteção por meio de ferramentas tecnológicas que atuam antes, durante e depois de cada viagem com o objetivo de evitar ocorrências e preservar a integridade física de condutores e usuários.

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