
Há três anos, os moradores dos bairros Capelinha e Cocaia, no Riacho Grande, em São Bernardo, enfrentam uma situação crítica de falta de água. De acordo com relatos, quem vive na região chega a ficar até cinco dias sem abastecimento, enquanto precisam com cobranças excessivas nas contas e um poço abandonado que desperdiça cerca de 100 mil litros de água por hora.
Apesar de uma decisão do Ministério Público em maio de 2023 que ordenou que a Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) construísse um poço para suprir a demanda da região, a obra permanece inacabada e o problema só parece piorar.
O poço, localizado na rua Pedro José de Carvalho, próximo ao número 315, foi construído após pressão do Ministério Público, mas nunca foi finalizado. Com 250 metros de profundidade, ele hoje se encontra abandonado, vazando água de forma descontrolada. Segundo Gilcimar Almeida, vice-presidente da CUFA São Bernardo e líder comunitário na região, o poço não tem capacidade de abastecer os dois bairros, e a Sabesp tem recorrido a caminhões pipa para suprir a demanda. No entanto, mesmo essa medida é insuficiente.
“O poço está jorrando água para todo lado, e a Sabesp não finalizou a obra. Pagamos uma conta alta, mas no cano só sai pressão, não vem água”, desabafa Gilcimar, que mora na região há 37 anos. Ele ainda relata que a Sabesp informou ao Ministério Público que só concluirá a obra em dezembro de 2025, o que ele considera um absurdo. Enquanto isso, os moradores seguem sem água por dois dias seguidos, tendo que recorrer a caixas d’água improvisadas para realizar tarefas básicas.
Problemas no sistema de esgoto agravam a situação
Enquanto Gilcimar concedia entrevista ao RD, a Sabesp esteve no local para resolver problemas no sistema de esgoto da região. Segundo ele, a estação de esgoto não possui gerador de energia, o que faz com que as bombas parem de funcionar durante quedas de energia, comuns na área. “As duas bombas queimaram, e a Sabesp as retirou para manutenção, mas não há prazo para o conserto. Além da falta de água, ficaremos sem bombear o esgoto no bairro”, lamenta.
Impactos na saúde
A falta de água tem afetado gravemente a vida dos moradores, especialmente de famílias com crianças autistas, idosos e pessoas acamadas.
Robelia Maria Alves, moradora do Capelinha, é mãe de uma criança com Transtorno do Espectro Autista (TEA) que tem hiperfoco em água, um recurso essencial para ajudar na regulação emocional. “Um dia ficamos sem água, e minha filha teve uma crise tão forte que precisou ser internada por quatro dias devido a complicações respiratórias. Comprei um galão com o único dinheiro que eu tinha separado para comida. É desesperador”, relata. A moradora também critica os valores das contas de água, que chegam a R$ 400 mesmo sem fornecimento regular.
Jaqueline Santos Gomes, outra moradora da região, tem quatro filhos, dois deles autistas, e enfrenta dificuldades diárias. “Meus filhos suam muito por conta do calor, e a pele deles fica cheia de bolinhas. Sem água, não conseguem tomar banho”, conta. Para economizar, ela reutiliza a água da máquina de lavar para limpar a casa e lava a louça apenas à noite, quando há abastecimento.
“Nossa água vem do Cocaia, e sempre há uma desculpa da Sabesp: ou roubaram as bombas, ou a fiação. Quando falta luz, automaticamente falta água”, diz. Ela destaca ainda que muitos moradores são idosos ou têm necessidades especiais e sofrem ainda mais com a crise. “Todo mês a conta chega – e vem cara. Já a água, não.”
Descaso e promessas distantes
A crise nos bairros Capelinha e Cocaia expõe o descaso da Sabesp e das autoridades. Enquanto milhares de litros são desperdiçados diariamente pelo poço abandonado, os moradores seguem sem um serviço essencial. A promessa de concluir a obra apenas em dezembro de 2025 parece distante para essas famílias, que já convivem com a escassez há três anos.
Efeito da privatização no abastecimento de água
A privatização da Sabesp, anunciada em 2023 e concluída em julho de 2024, foi uma das maiores operações do setor de saneamento no Brasil. O governo de São Paulo vendeu 35% das ações da companhia para a iniciativa privada, arrecadando cerca de R$ 15 bilhões. O objetivo, segundo o governo, era atrair investimentos para expandir e modernizar a infraestrutura de água e esgoto no estado.
No entanto, desde a privatização, os problemas no abastecimento só se intensificaram, especialmente em regiões periféricas e de baixa renda. Moradores de diversas cidades do ABC relatam aumento nas falhas no fornecimento, que em alguns casos chegam a durar dias.
Dados do Procon-SP e do Ministério Público apontam um aumento de aproximadamente 40% nas reclamações contra a Sabesp nos primeiros seis meses após a privatização.
Resposta
Em nota, a Sabesp informa que a perfuração foi realizada para identificação da vazão de água e elaboração do projeto. Segundo a autarquia, a obra aguarda liberação dos órgãos competentes.
A Companhia informa ainda que não há desperdício, pois a água que verte do lençol freático não é tratada nem potável, sendo direcionada para um corpo d’água próximo e, assim, retornando à natureza.
Equipes técnicas irão aos endereços informados nesta quinta-feira (26/02) para vistoria da situação dos imóveis.