
Por Raquel Gallinati
O Carnaval é, sem dúvida, uma das manifestações mais vibrantes e autênticas da cultura brasileira. A festa traz consigo uma explosão de cores, ritmos e alegria que contagia a todos. No entanto, é preciso reconhecer que, por trás dessa celebração, há desafios que precisam ser enfrentados com seriedade e responsabilidade. Um deles é a falsa ideia de que o Carnaval é um “salvo-conduto” para comportamentos abusivos, especialmente a importunação sexual.
Infelizmente, ainda há quem acredite que a folia justifica atitudes desrespeitosas. Em meio à multidão, é comum ver mulheres sendo objetificadas, tratadas como meras “opções de uma prateleira” em um cenário de descontração. Sorrisos, olhares ou roupas são, muitas vezes, interpretados de forma equivocada como sinais de consentimento. Essa lógica não só é perversa, mas também criminosa. A Lei nº 13.718/18 é clara: importunação sexual é crime, com pena de até cinco anos de reclusão. E não há contexto que justifique a violação do corpo e da dignidade de alguém.
O álcool e o clima de festa não podem servir como atenuantes para o desrespeito. Quando o “não” é ignorado ou mal interpretado, a linha entre a diversão e o crime se dissolve. A legislação não abre margem para dúvidas: sem consentimento, há crime. E se a vítima está em situação de vulnerabilidade – seja por embriaguez ou qualquer outro motivo –, a gravidade do ato aumenta. Não há espaço para relativizações.
Mas a responsabilidade não é apenas dos agressores. Como sociedade, precisamos assumir nosso papel na construção de um Carnaval mais seguro e respeitoso. É fundamental que todos entendam que a folia não é um período de “liberdade irrestrita”. O respeito à dignidade humana deve prevalecer em qualquer situação, inclusive durante a maior festa popular do país. Testemunhas têm o dever de intervir e denunciar, e as vítimas precisam se sentir acolhidas e encorajadas a buscar ajuda.
Trabalhar para garantir que o Carnaval seja uma celebração segura para todos é um compromisso que deve ser compartilhado. A presença de policiais nas ruas, a conscientização sobre o respeito ao próximo e a criação de canais de denúncia são medidas essenciais para coibir abusos e proteger os cidadãos. No entanto, a mudança real só acontecerá quando cada um de nós assumir o compromisso de agir com responsabilidade e empatia.
Carnaval é, acima de tudo, uma festa de inclusão e alegria. Ele reflete a diversidade e a riqueza da nossa cultura, mas não pode ser usado como justificativa para práticas criminosas. E vale lembrar que a verdadeira liberdade só existe quando todos podem celebrar sem medo, sem violência e sem desrespeito.

*Raquel Gallinati é Delegada de Polícia, Secretária de Segurança Pública de Santos e Diretora da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil.