
O mês das mulheres é uma oportunidade de reflexão sobre muitas questões envolvendo o universo feminino. Condições de trabalho, saúde, educação, violência, diversidade, entre outros. Mas, para um segmento específico de mulheres, a principal questão a ser trabalhada é seu reconhecimento enquanto mulheres. É o caso de mulheres trans, ou seja, pessoas que foram designadas ao gênero masculino ao nascer, mas que se identificam como mulheres. As mulheres transgênero, no seu processo de percebimento, fazem uma transição social, passando a se vestir e se portar de forma equivalente ao gênero que se identificam, e também a usar pronomes femininos (ela, dela). Pessoas que se identificam com o gênero ao qual foram designados ao nascer são pessoas cisgênero.
População Trans no Brasil
Em 2022, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística divulgou o seu primeiro levantamento sobre a população LGBT no Brasil. Apesar de ser considerado um avanço, a pesquisa deixou de fora as transidentidades, ou seja, pessoas que nasceram com sexo biológico divergente de suas identidades de gênero e ao longo da vida fizeram a transição social para as identidades que fazem mais sentido para cada subjetividade. Entretanto, mesmo com a transição, o preconceito e a ignorância fazem com que pessoas trans sejam tratadas em pronomes opostos aos que se identificam, ou seja, mulheres trans não são reconhecidas como mulheres. Não ser reconhecida por sua identidade é uma violência que afeta a dignidade dessas mulheres, e é uma prática que naturaliza violências mais graves, como a violência verbal e física. Infelizmente, a naturalização de discursos discriminatórios torna o Brasil o país que mais mata pessoas trans em todo o planeta.
Serviços de assistência a mulheres trans
De acordo com Paulo Araújo, presidente da Casa Neon Cunha, entidade de acolhida a população LGBTQIA+ localizada no ABC, essa negligência é bastante danosa para essa população, pois sua falta de reconhecimento dificulta a criação de políticas públicas e investimentos em programas de combate a violência e amparo social dessa população.
Exemplo disso é a alta procura de mulheres trans e travestis pelos serviços da Casa Neon Cunha, que desde sua reabertura já foi procurada por mulheres cis e trans que buscavam acesso à moradia, assistência psicossocial, jurídica e segurança alimentar. Paulo explica que, dada a vulnerabilidade dessas pessoas, a demanda se tornou maior do que a oferta de vagas, sendo que 14 mulheres trans chegaram a ficar na fila de espera por atendimento, seis chegaram a ser acolhidas no abrigo 24h, e oito ainda aguardam.
Violência contra mulheres trans
Segundo a TGEU (Transgender Europe), a maioria das pessoas trans assassinadas em 2023 foi de travestis e mulheres trans negras com idade entre 15 e 29 anos.
Uma pesquisa realizada pelo Grupo Gay da Bahia, uma pessoa trans ou travesti tem 17 vezes mais chances de ser assassinada do que um homem gay, ou seja, uma pessoa que fez transição para uma identidade de gênero divergente de sua designação biológica está ainda mais exposta a violência do que uma pessoa cis homossexual ou lésbica – pessoas que sentem atração pelo mesmo sexo. Além disso, a expectativa de vida de uma pessoa trans no Brasil é de 35 anos – 50% da média geral da população brasileira.
Importância da inclusão de mulheres trans
Num cenário como o do nosso país, colocar mulheres trans na pauta não é sobre identitarismo, mas sobre dignidade. Segundo dossiê da ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), 90% das mulheres trans estão inseridas no mercado sexual. Com uma alta taxa de abandono escolar e o preconceito enraizado na sociedade, essas mulheres não conseguem acessar a universidade e não adentram o mercado formal de trabalho. Por vezes, em função da discriminação que sofrem pela sua aparência, são relegadas a trabalhar nas calçadas, à noite, suscetíveis a todo tipo de violência.
“É muito importante que esse mês também seja sobre nós. Nós também somos mulheres!” diz Marie Claire, mulher trans que é educadora social e faz parte do conselho de ética da Casa Neon. Marie é a responsável pelos projetos que a organização realiza na Av. Industrial, em Santo André, território povoado por mulheres trans e travestis trabalhadoras do sexo. Entre as ações realizadas, há a distribuição de cestas básicas, ações de conscientização sobre saúde sexual e acolhimento psicossocial. Todos os anos, a Casa Neon também realiza o Natal na Industrial, levando comida, presentes e afeto para essa população, que é comumente tão estigmatizada e excluída.
A redução de desigualdades deve ser um compromisso coletivo, focado em promover dignidade e qualidade de vida para todas as pessoas, sem distinção. Atena, residente da Casa Neon Cunha, reforça: “Não somos monstros, somos pessoas. Nossos direitos precisam ser respeitados, como os de qualquer mulher cis.”
Como sair da ignorância?
A sociedade passa por constantes transformações, e é natural que tenhamos dificuldades de entender as mudanças, em especial se não há nos nossos ciclos pessoas de diferentes recortes sociais. O primeiro passo para tratar pessoas diferentes com respeito é se informar sobre suas particularidades e seus desafios. Hoje em dia, diversas páginas online abordam temas relacionados à diversidade, explicando de forma didática temas que aparentam ser complexos. Um outro ponto importante é se aproximar de pessoas diversas. Isso enriquece seu contexto cultural e amplia seus horizontes. Uma dica extra é: se você não consegue identificar de imediato o gênero de alguém, mas precisa se referir a ela, pergunte: “como posso te chamar?”. Dessa forma, você oferece à pessoa uma oportunidade de te ensinar sobre como ela quer ser tratada, evitando constrangimentos de ambas as partes.